É preciso envolver a concertação social numa nova vaga de reformas. O Estado, a Segurança Social e a Educação são as três grandes áreas que precisam de mudar mais, diz Álvaro Santos Pereira.
Responsável por acompanhar os países que fazem parte da OCDE, Álvaro Santos Pereira conhece agora bem como funcionam vários Estados. Dá exemplos. “Nas minhas atuais funções vou falar com o ministro da Economia ou das Finanças do Japão e todos os assessores do ministro da Economia e do ministro das Finanças do Japão são funcionários públicos. Não há cargos políticos ali. Na Malásia acontece a mesma coisa. No Canadá, o vice-ministro das Finanças ou da Economia, ou outro ministro qualquer pertence à Administração Pública”.
Nesta parte da entrevista ao ECO, o diretor do Departamento de Economia da OCDE identifica três grandes áreas em que é preciso avançar com mudanças em Portugal, contando com a concertação social: o Estado, a Segurança Social e a Educação. Sem cortes. Encontrou no Governo vontade política? Na resposta identifica as políticas que estão a ser seguidas, como o Simplex e o fomento industrial.
O que é que pensa do aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN)?
Já disse isso mesmo quando estava no Governo e reitero: nós temos um SMN em Portugal que não é muito elevado. Temos salários em Portugal que não são muito elevados em relação a outros parceiros europeus. O importante é aumentar o salário mínimo mais ao menos ao ritmo do aumento da produtividade. Para não afetar a competitividade da economia.
Mas não foi isso que aconteceu, nem em 2015, nem em 2016, o SMN está a subir acima da…
O Salário Mínimo foi acertado não só entre Governo mas também com os parceiros sociais. Se temos as confederações patronais confortáveis com essa subida do SMN, temos de ter confiança que a concertação social está a fazer o seu trabalho.
E esta estratégia de compensar as empresas do aumento do SMN com uma redução do Pagamento Especial por Conta. Pensa que pode provocar distorções?
Como sabe, sou um grande defensor da concertação social. Em 2012 a concertação social ajudou-nos a salvar o país de uma crise bem maior, uma crise social, acalmou um pouco o país e ajudou-nos a fazer as reformas estruturais. Em qualquer compromisso as duas partes têm que ganhar. Faz sentido que, como aconteceu agora, tivesse havido alguma compensação para atenuar o peso que um aumento do SMN sempre acarreta.
Uma redução da TSU seria melhor?
Os parceiros sociais é que têm de saber o que é que melhor ou pior. Em futuros acordos de concertação social era importante que avançar com a luta contra a burocracia, o licenciamento zero e uma reforma do ordenamento do território que bloqueie e limite o poder que existe por vezes nas autarquias de não cumprirem prazos. No acordo de 2012 falou-se não só de eventuais compensações para os parceiros, mas também em reformas estruturais. As reformas estruturais continuam a ser fundamentais para que Portugal cresça mais.
No Japão, todos os assessores do ministro da Economia e do ministro das Finanças do Japão são funcionários públicos.
Qual era a reforma estrutural que consideraria fundamental?
Temos que fazer três reformas estruturais. Temos de ter um Estado menos burocrático, mais ágil e acima de tudo temos que dar poder e mais força à administração pública. Temos de tirar a política de muita da nossa administração pública. Dou-lhe um exemplo: quando, nas minhas atuais funções vou falar com o ministro da Economia ou das Finanças do Japão, todos os assessores do ministro da Economia e do ministro das Finanças do Japão são funcionários públicos. Não há cargos políticos ali. Na Malásia acontece a mesma coisa. No Canadá, o vice-ministro das Finanças ou da Economia, ou outro ministro qualquer pertence à Administração Pública. Não é um cargo político. Isso é importante para fortalecermos, responsabilizarmos e aumentarmos a eficiência da nossa Administração Pública.
Bastante impressionante. Mas os exemplos que deu são todos fora da Europa. Na Europa há algum caso desses?
Na Europa também temos alguns casos, como o Reino Unido ou os países nórdicos. Em Portugal, em alguns institutos públicos há muitas vezes centenas de cargos políticos distribuídos. Quando muda o Governo mudam os cargos políticos. Estamos a penalizar a eficiência da nossa própria administração pública. Mas obviamente que numa reforma do Estado temos que pensar também nas funções do Estado. Temos pouca margem orçamental e vamos ter pouca margem orçamental com a dívida pública que temos e, por isso, temos que a usar bem.
Quais são as funções que deviam sair do Estado?
Só estou a dizer que temos que fazer esse debate. Há umas décadas atrás, o Estado tinha empresas que produziam cerveja. Chegamos à conclusão que isso não fazia sentido. Na Eslovénia, até há pouco tempo, o Estado tinha padarias e pastelarias.
A reforma do Estado é a primeira grande reforma…
A segunda é a reforma da Segurança Social. Houve uma grande reforma em 2007, mas precisamos de ter uma segunda, com consenso entre os principais partidos. Para dar sustentabilidade à Segurança Social e diminuir a iniquidade entre as camadas mais jovens e a população mais velha. Neste momento sabemos que há o risco de as camadas mais jovens não terem os direitos que a população com mais idade tem ou vai ter.
E qualquer reforma da Segurança Social passaria então por cortes nas pensões de quem já está reformado?
Penso que não devemos pensar em cortes de pensões, nem de salários. Não é assim que se faz uma reforma do Estado. É importante pensar nas funções do Estado.
Se não “ajusta no preço, ajusta na quantidade” o que, no caso da reforma do Estado, significa reduzir o número de funcionários públicos. No caso dos pensionistas não sei qual é a solução sem ser reduzir reformas?
Temos a questão da idade da reforma que, neste momento, está em linha com a dos principais países da OCDE, mas também as reformas antecipadas.
Defendemos que devia haver uma auditoria sobre tudo o que seja formação em Portugal.
Pensa que é suficiente aumentar a idade da reforma e reduzir as reformas antecipadas?
Penso que isso terá que acontecer. A terceira reforma é mais do que uma reforma, é um consenso na área da Educação. Onde é preciso estabilidade. Não faz sentido que, quando se muda o ministro ou a ministra, se mude a política educativa. Era importante um pacto entre os principais partidos para a Educação.
Portugal foi o País, em cerca de 80, aquele que mais progrediu ao nível de resultados do PISA nos últimos 15 anos. É um grande sucesso. Mas também é importante apostar mais numa formação profissional e numa aprendizagem virada para as necessidades das próprias empresas e para a necessidade do país. O relatório da OCDE [sobre Portugal] fala muito nisso.
O problema é que temos um sistema de qualificações tutelado pelo Ministério do Trabalho, que é dual, e temos um outro sistema, o das escolas profissionais do Ministério da Educação. A lei diz que eles se comunicam e que há algumas sinergias. Mas na prática o Ministério do Trabalho e da Educação — não os ministros e secretários de Estado, mas mais abaixo — competem pelos fundos estruturais e competem pela formação. Não é uma concorrência saudável.
Defendemos que devia haver uma auditoria sobre tudo o que seja formação em Portugal. [É preciso] acabar com a pseudo formação, com a formação que não tem impacto na empregabilidade e que não seja útil para as empresas. Ao mesmo tempo que devemos equacionar a fusão entre os sistemas tutelados pelo Ministério da Educação e pelo Ministério do Trabalho, para termos um sistema dual que ajude as nossas empresas, que qualifique os portugueses e que ajude Portugal a tornar-se mais produtivo.
Todos os países que pertencem à OCDE têm que aprovar o texto [do relatório sobre os países]
Estes 3 pilares de reforma estão identificados há bastante tempo. Encontrou da parte deste Governo – imagino que durante estes dias tenham existido conversas – vontade, disponibilidade, de avançar com uma agenda reformista?
Nós falamos não só agora, que nos encontrámos com o Governo, mas também este relatório foi feito com a colaboração do próprio Governo. Todos os relatórios da OCDE envolvem diálogo com os governos. Tivemos duas missões a Portugal em que viemos falar com o governo e com a Administração Pública. Depois, o relatório é discutido por todos os países da OCDE, em Paris, bem como representantes do Governo. Não quer dizer que o Governo tenha que aceitar todas as recomendações que nós temos no relatório. Mas pelo menos todo o texto é acertado com todos os países, inclusivamente Portugal.
Todo o texto?
Todos os países que pertencem à OCDE têm que aprovar o texto. Não têm que concordar com o texto. Mas têm que estar confortáveis em relação ao que foi escrito. Muitas vezes temos países em que passam 10/15 anos sem avançar com as reformas que preconizamos para esses países.
Estava a dizer-me que o diagnóstico destas três grandes reformas estava feito há muito tempo. Mas também há cinco anos atrás, o diagnóstico da reforma laboral estava feito há muitos anos e nunca foi concretizada. Também o diagnóstico de lutar contra os interesses instalados e o compadrio estava feito e nunca tinha sido feito nada. O relatório e a ideia de ir contra as rendas da energia e ir contra as rendas das PPP estava feito, mas nunca se tinha feito nada. O que é sempre preciso nestas coisas é vontade política. Ou se acredita em fazer reformas ou não se acredita.
E há vontade política?
Tem de haver vontade política.
Tem de haver, mas o que eu estou a perguntar é se existe?
O Governo tem avançado com algumas reformas importantes e interessantes.
Qual?
A do Simplex, penso que é importante.
É uma continuação…
É importante para diminuirmos a burocracia. O programa “Capitalizar” do Ministério da Economia é bastante interessante. E a aposta no fomento industrial, que sempre defendi.
Temos ainda custos de energia demasiado elevados.
Falou nas rendas da energia. Elas reduziram-se no passado?
Claramente.
Quando foi ministro teve um secretário de Estado que se demitiu por causa das rendas da energia. Pensa que foi tudo feito nessa área?
Foi feito bastante. Não foi feito tudo. Nós cortámos 3,5 mil milhões de euros nas rendas de energia.
No prazo de…?
São cerca de 10/15 anos. Mas foram cortados 7 mil milhões de euros nas Parcerias Público-Privadas. Isso foi feito quando anteriormente nunca ninguém tinha movido um dedo, cortar um cêntimo às elétricas ou às PPP.
Mas é preciso ir mais longe?
É, obviamente. Porque temos ainda custos de energia demasiado elevados. O grande problema, na energia, é que foram feitos contratos leoninos, com cláusulas leoninas para essas rendas da energia. E se o Estado quiser quebrar os contratos? Nós tentámos e exploramos essa possibilidade, na altura. Concluímos que o Estado seria processado e iria perder. Quem fez esses contratos soube-se proteger muito bem para manter as rendas da energia durante algum tempo. No futuro, quando acabarem os contratos dessas rendas de energia, que será nos próximos 10 a 15 anos, não deve haver mais rendas de energia para ninguém.
A subida das taxas de juro da dívida pública tem a ver com os riscos externos
Está em Paris desde a primavera de 2014 e foi de lá que viu o nascimento deste novo Governo. A imagem de Portugal mudou muito da primeira surpresa desta aliança até hoje? A imagem está melhor do que estava quando este Governo tomou posse?
A imagem de Portugal tem melhorado muito nos últimos 5 anos. Não há comparação possível. Portugal já não é olhado com a desconfiança de 2011. É importante continuar a trilhar este caminho da responsabilidade e das reformas para continuarmos a melhorar a nossa imagem no exterior.
E como é que explica a subida das taxas de juro no mercado secundário?
Tem a ver muito com riscos externos, com a incerteza associada ao protecionismo e a alguns países europeus.
Não tem a ver com riscos específicos de Portugal?
Tem a ver obviamente com algumas das vulnerabilidades que temos, que apontamos no relatório, por já termos um legado de dívida pública muito elevado. É por isso que é preciso baixar a dívida pública. E resolver as vulnerabilidades que persistem no sistema financeiro.
O spread em relação à Alemanha está a aumentar mais do que nos outros países?
Como está agora a aumentar em relação à Itália. Se vir as vulnerabilidades [de Portugal] são muito parecidas [com as de Itália].
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