O Orçamento de Carbono e os seus desafios

  • Filipe de Vasconcelos Fernandes
  • 23 Agosto 2021

O caminho está traçado e a preservação de um Orçamento de Carbono minimamente equilibrado encontra nos investimentos em energias renováveis a mais equilibrada e sustentável resposta.

I. A noção de Orçamento de Carbono

Nos termos do recente Relatório do Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (“IPCC”) estimou-se que “as atividades humanas tenham causado cerca de 1,0°C de aquecimento global acima dos níveis pré-industriais, com uma variação provável de 0,8°C a 1,2°C”.

No referido Relatório do IPCC é recorrente a alusão ao conceito de Orçamento de Carbono (“Carbon Budget”), referindo-se que “existe uma base científica clara para um Orçamento de Carbono total consistente com o aquecimento global limitado a 1,5°C”, de onde decorre, ainda assim, que qualquer alteração a este último limite acaba por afetar a disponibilidade do Orçamento Global de Carbono, com a consequente restrição (adicional) às emissões de Gases com Efeito de Estufa (“GEE”).

Salientam-se, a este último respeito, o Dióxido de Carbono (CO2), o Metano (CH4), o Óxido Nitroso (N2O) ou ainda os Perfluorcarbonetos (PFC’s).

Começando pelo conceito de Orçamento de Carbono, e tendo por base as metas enunciadas no Acordo de Paris – ou seja, aumento da temperatura média mundial abaixo dos 2ºC em relação aos níveis pré-industriais e encetar esforços para limitar o referido aumento a 1,5ºC – poder-se-á defini-lo como a quantidade de CO2 suscetível de emissão à escala global, a partir de determinada data (periodicamente selecionada), sem ultrapassar a variação máxima de aquecimento global em relação à média pré-industrial, tal como enunciada no referido Acordo de Paris.

Simplesmente, para calcular um Orçamento de Carbono, é necessário estabelecer hipóteses (e assumir pressupostos) sobre as emissões futuras de CO2 e o respetivo efeito no aumento médio da temperatura à escala global, realidades que continuam a apresentar um elevado grau de incerteza face ao número e volatilidade das variáveis envolvidas.

Basta verificar que, novamente de acordo com dados do IPCC, se forem adotadas medidas à escala global suficientemente ambiciosas para conter as emissões de CO2 (e demais GEE) ao longo da década de 2020-2030, será possível limitar o aquecimento a 1,5°C até o final do século XXI, cenário que não deixará de incluir, ainda assim, um pico potencial de 1,6°C de aumento entre 2041 e 2060, após o qual as temperaturas cairiam abaixo de 1,5°C até o final do referido século.

Convirá referir que, pese embora as emissões globais de GEE tenham caído substancialmente devido à crise pandémica associada à Covid-19, prevê-se que voltem a aumentar rapidamente, fazendo emergir as preocupações em torno do Orçamento de Carbono.

II. A Dívida de Carbono

É em torno das considerações relativas ao Orçamento de Carbono que emerge o relevo da designada Dívida de Carbono (“Carbon Debt”), correspondente à diferença (negativa) entre a quantidade de CO2 produzido por um qualquer agente económico, seja um país ou empresa, e a quantidade do mesmo CO2 que qualquer um destes acaba por reter (através de sumidouros) ou compensar (emergindo, com cada vez mais expressão, os designados mercados voluntários de Carbono).

Assim, existirá uma Dívida de Carbono sempre que os níveis de emissão de CO2 (e, mais amplamente, de outros GEE) forem superiores à soma do CO2 retido e compensado, no mesmo intervalo de tempo.

Sabendo de antemão que existem setores onde uma descarbonização acelerada não será possível no curto e médio-prazo, é absolutamente imprescindível insistir no papel dos sumidouros de Carbono e nas correlativas medidas de compensação.

Nesse sentido, os Estados deverão reforçar a articulação com as empresas que operem em contextos especialmente próximos a este tipo de segmentos (novamente com destaque para os sumidouros, naturais ou artificiais), não deixando que, em especial, qualquer tipo de complexo ideológico ou doutrinário obstaculize a criação de condições preferenciais para a respetiva proliferação.

Também aqui a política fiscal terá seguramente um papel crucial, devendo, na medida do possível, ser estimulado o recurso aos instrumentos fiscais para a construção de incentivos à participação do setor privado na preservação do Orçamento de Carbono.

III. O papel das Energias Renováveis

Descontando o respetivo peso orçamental – que, no curto e médio-prazo, não pode ser desconsiderado, atendendo ao peso de pontuais medidas de subsidiação ou remuneração – as energias renováveis acabam por funcionar como um aumento de receita para o Orçamento de Carbono.

Tal sucede, em termos práticos, porque:

  • Por um lado, a sua introdução gera (e acelera) movimentos de substituição associados a GEE que acabam por reduzir o nível médio de emissões; e
  • Por outro lado, a sua introdução acaba por gerar um efeito multiplicador ao nível das medidas de retenção e compensação de CO2, sobretudo atendendo ao aumento do preço-médio do Carbono à escala mundial (em boa parte, devido ao peso das medidas fiscais que, direta ou indiretamente, acabam por incidir sobre os respetivos atos de consumo, ao longo de toda a cadeia de valor).

O caminho está traçado e a preservação de um Orçamento de Carbono minimamente equilibrado encontra nos investimentos em energias renováveis a mais equilibrada e sustentável resposta.

A realidade tem-no demonstrado e devemos ter a coragem e o realismo necessários para aceitar suportar custos cujos benefícios associados possam não ser (como seguramente não serão) integralmente usufruídos pela duas ou três gerações seguintes.

  • Filipe de Vasconcelos Fernandes
  • Assistente na Faculdade de Direito de Lisboa e counsel na Vieira de Almeida

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