Plataforma sobre Finanças Sustentáveis questiona legalidade de rotular nuclear e gás como verdes
Os peritos da Plataforma sobre Finanças Sustentáveis aconselham a criação de uma taxonomia alargada para incluir atividades não tão sustentáveis, mas que geram menos emissões – como uma zona âmbar.
A Plataforma sobre Finanças Sustentáveis, grupo consultivo oficial da Comissão Europeia, questionou esta segunda-feira a legalidade da proposta da instituição sobre rotulagem ‘verde’ de investimentos na energia nuclear e gás, considerando-a “incoerente” com a regulamentação da União Europeia.
“A Plataforma sobre Finanças Sustentáveis publicou um parecer conjunto no qual os peritos questionam abertamente a legalidade da inclusão do gás fóssil e da energia nuclear como ambientalmente sustentáveis na taxonomia da UE, tal como previsto no ato delegado proposto pela Comissão”, informa em comunicado à imprensa um dos membros do grupo consultivo.
A informação foi avançada pela coligação ambiental ECOS, que faz parte da Plataforma sobre Finanças Sustentáveis, dias depois de terminar o prazo para estes peritos responderem à consulta pública de Bruxelas.
Ao invés, “os peritos aconselham a criação de uma taxonomia alargada para incluir atividades que não são sustentáveis, mas que geram menos emissões – uma zona âmbar –, categoria que incluiria qualquer sistema de produção de energia cujas emissões diretas sejam superiores a 100 g CO2/kWh mas não excedam 270 g CO2/kWh, uma vez que seriam consideradas como não causando danos significativos para o ambiente”, indica o comunicado.
Para a ECOS, “se o gás e o nuclear fossem acrescentados a esta lista, a taxonomia seria seriamente prejudicada”.
Na passada sexta-feira, terminou o prazo para especialistas consultados por Bruxelas enviarem à Comissão Europeia as suas contribuições relativamente à proposta da rotulagem ‘verde’, apresentada no final do ano e que motivou críticas da Alemanha e da Áustria.
No primeiro dia de 2022, a Comissão Europeia divulgou ter iniciado no dia anterior (31 de dezembro) consultas ao grupo de peritos dos Estados-membros e à Plataforma sobre Finanças Sustentáveis sobre um projeto de lei complementar de taxonomia para abranger certas atividades de gás e nucleares.
Na prática, com este ato delegado (para alterar a legislação em vigor), Bruxelas quer rotular certas atividades do nuclear e do gás natural como ‘verdes’ para assim fomentar investimentos nesta área, reduzir custos e assegurar a transição para a neutralidade climática.
A ideia é criar uma rotulagem ‘verde’ destas atividades com “condições claras e rigorosas” determinadas no âmbito da taxonomia da UE, como por exemplo de o gás natural ter de provir de fontes renováveis ou ter emissões reduzidas até 2035, ou de as centrais nucleares terem uma vida útil prolongada mediante a segurança e a eliminação adequada dos resíduos.
A taxonomia da UE traduz-se num sistema europeu de classificação das atividades económicas sustentáveis, que visa ajudar os investidores a compreender se determinada atividade económica é ambientalmente aceitável para assim garantir a transição para uma economia de baixo teor de carbono, nomeadamente a neutralidade climática nos próximos 30 anos.
Uma vez que o cabaz energético da UE varia de um Estado-membro para outro, com algumas partes da Europa a dependerem bastante do carvão com elevadas emissões de carbono, a taxonomia prevê a aposta em fontes de energia que permitam essa neutralidade climática, daí estarem classificadas fontes renováveis como energia solar ou eólica.
Quem está contra e a favor de um rótulo “verde” no gás natural e no nuclear?
Os Estados-membros estão divididos, sendo que as principais críticas vêm da Alemanha e da Áustria: Berlim mostra-se ainda assim favorável aos investimentos em gás natural, opondo-se principalmente à questão nuclear, e Viena ameaça tomar medidas legais contra a proposta.
Quanto a Portugal, fonte oficial do Ministério do Ambiente e Ação Climática disse ao ECO que “não se revê na proposta da Comissão Europeia que pretende classificar tecnologias associadas a energia nuclear e ao gás natural como verdes”.
“A presente proposta destina-se a classificar tecnologias como contribuindo significativamente para a mitigação e adaptação às alterações climáticas, cumprindo com o princípio de “não prejudicar significativamente o ambiente”, considerando outros objetivos ambientais”, disse fonte do Governo.
Relativamente ao nuclear, a posição de Portugal é bem clara: “Consideramos que não é sustentável, não é seguro e é caro. Consideramos que não foram devidamente considerados os impactes ao longo de todo o ciclo de vida das tecnologias, designadamente quanto à gestão dos resíduos, não ficando suficientemente demonstrado o cumprimento do princípio de “não prejudicar significativamente o ambiente”.
Já quanto ao gás natural, diz fonte do MAAC, apesar de ser identificado na proposta como uma tecnologia de transição, “constatou-se não estarem a ser cumpridos os requisitos de emissões de gases com efeito de estufa previamente estabelecidos para o enquadramento enquanto investimento sustentável pelo Grupo de Peritos para o Financiamento Sustentável, nem a evolução destas emissões de forma a ser assegurada a neutralidade climática em 2050”.
Além disso, reforça a mesma fonte, “os critérios estabelecidos na proposta da Comissão não salvaguardam suficientemente o caráter de tecnologia de transição que lhe está a ser atribuído, designadamente em termos de prazos de licenciamento e obrigação de incorporação de gases renováveis”.
“Continuar a investir na produção de eletricidade a partir de gás natural não é compatível com a trajetória de redução de emissões que se impõe, desviando fundos que devem ser orientados para o financiamento de tecnologias renováveis que são verdadeiramente sustentáveis e necessárias para o cumprimento destes objetivos, para reduzir a dependência energética europeia e para mitigar os elevados preços da energia”, argumentou fonte governamental.
Sendo este um ato delegado na Comissão Europeia, está agora em curso um processo de auscultação aos Estados-Membro, no âmbito do qual Portugal já remeteu a sua posição a Bruxelas, e na qual se defende ainda que seja promovida uma consulta pública sobre esta proposta da Comissão. Apesar disso, a posição nacional em nada interfere com a soberania energética de cada Estado-Membro, uma vez que não impede investimentos em nuclear ou gás natural, relevando apenas para efeito da sua classificação como investimento sustentável.
A análise à proposta do executivo comunitário será depois feita pelo Conselho, sendo necessário o aval de pelo menos 20 Estados-membros, representando 65% da população da UE, para o processo avançar.
O Parlamento Europeu também pode rejeitar a proposta.
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