BCE espera dados para evitar “aumento prematuro” dos juros, diz Lagarde
Numa audição no Parlamento Europeu, a presidente do BCE explicou que são precisos mais dados e novas projeções do staff para se tomar uma decisão em março e evitar um "aumento prematuro" dos juros.
A presidente do Banco Central Europeu (BCE) reafirmou esta segunda-feira que é preciso esperar por mais dados e as novas projeções do staff para tomar uma decisão em março sobre o rumo da política monetária. Será necessário que três condições estejam reunidas para que haja uma subida dos juros, de forma a evitar um “aumento prematuro”, disse Christine Lagarde numa audição no Parlamento Europeu. Uma subida, a acontecer, só será após acabarem as compras líquidas de ativos e tudo será feito de forma gradual.
E quais são as três condições? A taxa de inflação nos 2% no médio prazo (no final do horizonte de projeção), que esse nível de inflação tenha durabilidade e que a inflação subjacente seja “forte o suficiente” para determinar o progresso até ao objetivo. Isto é o que resulta da revisão da estratégia de política monetária realizada no ano passado por unanimidade entre os governadores dos bancos centrais da Zona Euro. Essas três condições têm de estar reunidas para que o conselho de governadores “se sinta confiante o suficiente” de que um aumento nos juros é “apropriado”.
“Todas estas três condições servem como salvaguardas contra um aumento prematuro das taxas de juro“, afirmou Lagarde, notando que “qualquer ajustamento à nossa política [monetária] será gradual”. Além disso, os juros só começarão a subir após o fim das compras líquidas de ativos que, para já, não se prevê que aconteça até ao final de 2022. Será na reunião de março que estará em cima da mesa, por exemplo, uma redução mais acelerada da compra de ativos, o que abrirá o caminho para a subida dos juros ainda este ano.
Na mira do BCE estará principalmente a forma como os elevados preços da energia estão a ser transmitidos na economia europeia. Há duas formas: por um lado, podem aumentar os preços diretamente por causa da subida do custo de produção e indiretamente pelos efeitos secundários nos salários; por outro lado, podem ter um impacto negativo no rendimento dos cidadãos e nos lucros das empresas, reduzindo a atividade económica e enfraquecer a trajetória da inflação. E Lagarde fez questão de recordar a história da economia europeia: “No passado, a Zona Euro tem sido particularmente vulnerável à segunda forma, na medida em que as subidas dos preços da energia enfraqueceram o poder de compra dos cidadãos e reduziram a inflação no médio prazo“.
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Neste momento, ainda sem as novas projeções do staff do BCE, Lagarde parece não ver ainda a necessidade de subir os juros já. “Aumentou a probabilidade de que a inflação irá estabilizar no nosso objetivo [de 2%], mas não há nenhum sinal de que a inflação irá ficar persistentemente e significativamente acima do objetivo no médio prazo, o que iria requerer um aperto [monetário] considerável“, disse a presidente do BCE, na primeira resposta a um eurodeputado. Mais à frente, especificou que quanto mais tempo a inflação situa-se em níveis elevados, maior é a probabilidade de ter impacto nos salários e, assim, levar o BCE a atuar.
Durante o discurso inicial, a francesa repetiu várias frases que já tinha dito na passada quinta-feira quando o BCE decidiu manter as decisões de dezembro. “Em comparação com as nossas expectativas em dezembro, os riscos para o cenário da inflação são ascendentes, particularmente no curto prazo“, disse Lagarde, admitindo que, se as pressões nos preços alimentarem subidas de salários acima do esperado ou se a economia recuperar mais rapidamente, a taxa de inflação “pode acabar por ser maior”. Em específico sobre 2022, a presidente do BCE reafirmou que a inflação vai desacelerar, mas admitiu que deverá ficar com uma taxa superior a 2% até ao final do ano.
Lagarde admite repercussões da mudança dos EUA na Zona Euro
Durante uma hora e meio, vários eurodeputados questionaram a presidente do BCE sobre os mais variados assuntos. Mais uma vez, um assunto recorrente voltou a estar em cima da mesa: a diferença entre a política monetária nos EUA, onde a Fed sinalizou uma subida de juros já em março, e na Zona Euro.
Em resposta, Lagarde manteve a tese do BCE de que são muitas as diferenças, mas desta vez admitiu que há “repercussões” da mudança da política monetária nos EUA na Zona Euro, dada a integração dos mercados financeiros. Mas, “não estamos de todo na mesma situação“, garantiu, repetindo argumentos que já tinha dado. Além disso, acrescentou um número: a inflação subjacente (core) nos EUA é de 5,5% enquanto na Zona Euro é de 2,3%.
A presidente do BCE assegurou também que não há um desfasamento entre as expectativas de inflação e o objetivo de 2%, isto é, os agentes económicos não estão a antecipar uma taxa superior a essa no médio prazo. O que há é uma reaproximação das expectativas com a meta do BCE, o que não acontecia há vários anos, argumentou, tal como mostra o último inquérito entre os profissionais que fazem previsões divulgado na semana passada.
Mas também houve quem questionasse as diferenças dentro da Zona Euro dado que há países com uma taxa superior a 8% enquanto outros países, como é o caso de Portugal, só agora passaram dos 3%. Lagarde garantiu que o BCE está a monitorizar essas dinâmicas, mas relembrou que as decisões são tomadas com base no valor agregado da Zona Euro.
Além disso, atribuiu essa diferença à estrutura e dependência externa do sistema energético de cada país. “São muito diferentes, logo era expectável essa divergência” na inflação, referiu, afastando também a ideia de que é a taxa de carbono que está a alimentar o aumento dos preços. Mas esta não é a única divergência entre os Estados-membros, lembrou, referindo o diferente ritmo da retoma económica e as restrições implementadas em cada país.
Christine Lagarde reconheceu, tal como tinha feito na passada quinta-feira, que a subida dos preços afeta de forma mais significativa nos mais vulneráveis e deixou um conselho à política orçamental dos Estados-membros: implementem medidas focadas nos escalões de baixo rendimento em vez de aplicarem medidas transversais como a descida do IVA de certos bens alimentares ou energéticos.
No final, foi ainda questionada sobre o mercado imobiliário na Zona Euro. A presidente do BCE admitiu que as taxas de juro da última década têm contribuído para acelerar os preços dos imóveis, mas argumentou que essas taxas historicamente baixas também contribuíram para que muitos jovens conseguissem ter acesso à compra da primeira casa ou apartamento. E notou que as autoridades nacionais têm ferramentas para acalmar esse mercado, como é o caso das medidas macroprudenciais — na semana passada, o Banco de Portugal fez um anúncio nesse sentido.
(Notícia atualizada às 18h09 com mais informação)
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