Mais novidades no Direito Societário: o voto plural
O voto plural possibilita a atribuição a alguns acionistas de direitos de voto desproporcionais face à sua participação no capital social.
A Lei n.º 99-A/2021, em vigor desde 30 de janeiro de 2022, introduziu significativas alterações ao Código dos Valores Mobiliários (Decreto-Lei n.º 486/99) (“CVM”), que visaram – segundo a Comissão de Mercado dos Valores Mobiliários (“CMVM”) “responder às necessidades das empresas e dos investidores, por via do reforço da competitividade e do desenvolvimento do mercado de capitais português”.
De entre essas alterações, destaca-se a consagração da possibilidade de emissão de ações com direito especial ao voto plural, estabelecida no artigo 21º-D do CVM – limitada às sociedades emitentes de ações admitidas à negociação em mercado regulamentado ou em sistema de negociação multilateral e com o máximo de 5 votos por ação.
A introdução do voto plural representa mais um desvio a um dos tradicionais pilares do nosso direito societário, constituindo uma exceção à regra constante do art.º 384º, n.º 5, do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”) – que proíbe expressamente o voto plural nas sociedades anónimas -, e uma evidente derrogação do princípio “one share, one vote”, acolhido no art.º 384º, n.º 1, do CSC, que impõe uma obrigação de correspondência natural entre a participação económica e os direitos de voto, ou seja, de proporcionalidade entre o investimento e a exposição ao risco, por um lado, e, por outro, o controlo efetivo da empresa, mediante a tomada das decisões essenciais.
A regra “one share, one vote“ já tinha, contudo, algumas derrogações admitidas no nosso sistema jurídico, nomeadamente a possibilidade de os estatutos fazerem corresponder um só voto a um determinado número de ações e de estabelecerem “tetos de voto” (alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 384º do CSC), bem como a possibilidade de emissão de ações preferenciais sem direito de voto (art.os 341º e ss do CSC).
O voto plural – ao flexibilizar os tipos de ações e os direitos e obrigações deles decorrentes – possibilita a atribuição a alguns acionistas de direitos de voto desproporcionais face à sua participação no capital social, incentivando, por exemplo (e como refere expressamente a CMVM), certos acionistas (fundadores, promotores ou investidores-chave) a recorrerem ao mercado de capitais como via para o financiamento do seu projeto empresarial sem receio de perderem o controlo da sociedade.
No entanto, têm também sido apontados riscos à possibilidade de existência de ações com voto plural (que levaram aliás ao seu afastamento em alguns países, muito embora se registem recentemente movimentos inversos), nomeadamente os riscos de desigualdade entre acionistas, distorção dos incentivos de voto e extração de benefícios especiais de controlo. Talvez por isso e pelo facto de as vantagens inerentes à consagração desta exceção serem prioritariamente vislumbradas no mercado de capitais, a instituição do voto plural foi limitada às sociedades cotadas e é habitualmente acompanhada de medidas que ajudam a minimizar os riscos inerentes (p.e., a limitação do número máximo de votos admissível por ação).
Apesar dos riscos associados à emissão de ações com voto plural, a expectativa é que se encontrem soluções adequadas ao seu controle e que a consagração do voto plural, aliada a outras medidas, contribua para tornar efetivamente o recurso ao mercado de capitais mais atrativo – sendo que, em Portugal, para esse propósito, todas as ajudas parecem poucas… A realidade encarregar-se-á de demonstrar se estas alterações terão (ou não) um impacto relevante positivo no funcionamento do mercado financeiro português, na atividade das sociedades cotadas e na forma de interação dessas sociedades e dos seus acionistas e investidores. Assim esperamos.
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