Rivalidade com EUA aproxima China e Rússia, mas interesses divergentes impedem aliança
Os analistas apontam que desde o colapso da União Soviética que a relação entre China e Rússia expandiu-se, em parte devido à rivalidade comum com os EUA, mas persistem interesses divergentes.
Desde o colapso da União Soviética, há 30 anos, a relação entre China e Rússia expandiu-se ininterruptamente, motivada, em parte, pela rivalidade comum com Washington, mas persistem contrariedades suscetíveis de abalar a parceria, concordam analistas.
Um comunicado conjunto recentemente emitido pelos líderes da China e Rússia, Xi Jinping e Vladimir Putin, respetivamente, esclarece que, “embora não exista uma aliança militar e política”, as relações entre Pequim e Moscovo “ultrapassam a interação entre estados”.
“Não são oportunistas, são livres de ideologização, envolvem consideração abrangente dos interesses do parceiro e a não interferência nos assuntos internos um do outro”, lê-se na declaração que assinalou, no ano passado, o vigésimo aniversário do Tratado de Boa Vizinhança e Cooperação Amistosa.
Para Alexander Gabuev, diretor do programa para os assuntos russos na região Ásia-Pacifico, no Centro Carnegie de Moscovo, “esta fórmula oficial tem um toque de verdade”.
Em causa está a necessidade em manter a paz ao longo da fronteira de 4.200 quilómetros entre os dois países, a complementaridade económica entre uma Rússia abundante em matéria-prima, mas com escassez da tecnologia e capital que a China tem, e o caráter autoritário dos dois regimes.
“Estes são os três impulsionadores internos da reaproximação”, explica Alexander Gabuev. No entanto, é a rivalidade comum com os Estados Unidos que motiva o aprofundamento da parceria, nota.
No início deste mês, Xi recebeu Putin, em Pequim, por altura da abertura dos Jogos Olímpico de Inverno, que se realizam na capital da China, no primeiro encontro do líder chinês com um chefe de Estado, em quase dois anos, devido à pandemia da covid-19.
Xi e Putin emitiram então uma declaração conjunta a denunciar a interferência norte-americana nos seus assuntos e a opor-se ao alargamento da NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte). O documento propõe uma nova ordem mundial multipolar, apontando a “redistribuição de poder”, em contraposição com a hegemonia norte-americana.
No entanto, analistas apontam para interesses divergentes entre ambas as partes, descartando uma aliança militar e coordenação ampla nas questões internacionais.
Embora tenha oferecido algum apoio a Putin, Xi não referiu a Ucrânia ou outras questões urgentes para a política de segurança russa, sobretudo numa altura em que Pequim tenta preservar as suas relações com a Europa, o seu segundo maior parceiro comercial.
Frequentemente, China e Rússia realizam em conjunto exercícios militares, incluindo no Báltico e mar da Arábia, e programas de exploração espacial. A Rússia partilhou também com a China alguma da sua tecnologia militar mais avançada.
Mas isso não se traduziu em vínculos económicos ou sociais mais profundos. No conjunto, as exportações da China para a União Europeia e o Reino Unido são quase 10 vezes maiores do que para a Rússia.
“Face aos crescentes apelos para que [a Europa] reduza a sua dependência da China nas cadeias de abastecimento, novas restrições nas transferências de tecnologia e barreiras para o investimento chinês, a última coisa que Xi quer é que a economia chinesa enfrente possíveis sanções, caso o seu apoio a Putin pareça muito explícito”, descreve Craig Singleton, antigo diplomata dos EUA e analista para assuntos da China na Fundação para a Defesa das Democracias.
Singleton aponta que, comparativamente ao sistema de alianças ocidental, a cooperação entre Pequim e Moscovo é sobretudo transacional e oportunista.
Alexander Gabuev concorda: “ambos os países são extremamente sensíveis em relação à sua autonomia estratégica e, portanto, procuram evitar garantias de segurança juridicamente vinculativas entre si, como aquelas que unem a NATO ou as alianças dos Estados Unidos no Indo-Pacífico”.
O analista sediado em Moscovo aponta ainda potenciais “fricções” numa relação cada vez mais assimétrica. “Em vários aspetos, a China está a expandir a sua liderança ou perto de fechar a lacuna com a Rússia”, argumenta Gabuev, apontando o aumento da capacidade nuclear e militar da China, assim como a crescente dependência económica russa do país vizinho.
“A Rússia precisa da China mais do que a China precisa da Rússia”, resume. “À medida que o equilíbrio estratégico se inclina cada vez mais a favor de Pequim, os líderes chineses podem ficar tentados a usar essa crescente influência para coagir a Rússia a aceitar acordos comerciais em seu benefício ou forçar o alinhamento de Moscovo em decisões da política externa da China que não são do interesse da Rússia”, conclui.
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