Banca aposta forte no crédito ao consumo com fim da pandemia à vista

Empréstimos em 24 horas e sem sair de casa, taxas promocionais e brindes: bancos estão a reforçar a aposta no crédito ao consumo com regresso à vida normal. Deco deixa avisos e recomendações.

Férias? Carro novo? Renovar a casa? A incerteza quanto ao futuro e as restrições provocadas pela pandemia adiaram as decisões de consumo de muitas famílias nos últimos dois anos. Agora, com a progressiva reabertura da economia, os consumidores estão a adquirir de novo a confiança e prontos para gastar as poupanças que juntaram nos últimos dois anos. Atenta a isso, e num quadro de perspetivas animadoras para a recuperação da economia, também a banca se está a posicionar: aposta forte no crédito ao consumo como uma das alavancas do seu negócio. Mas é preciso ter cuidado quando se fecha um contrato.

Uma ronda pelos sites dos principais bancos não deixa grandes dúvidas quanto à estratégia que estão a seguir neste momento, embora digam que se trata de business as usual: crédito rápido, pouca burocracia, taxas promocionais, cartão de crédito sem comissão e brindes, todos estão acenando com facilidades nos empréstimos aos consumidores.

Na Caixa Geral de Depósitos (CGD), por exemplo, anuncia-se: “Se tem de ser e é para agora, que seja na Caixa”, numa campanha em que o banco público promete aprovar o crédito pessoal em 24 horas e apresentando um simulador para ajudar o cliente calcular a prestação mensal.

O BCP “convida” a umas férias numa estância de esqui e oferece uma taxa promocional num contrato que pode ser feito 100% online, sem que o cliente tenha de se deslocar ao banco. Também há uma calculadora e, “se tudo estiver certo, é só ver o dinheiro cair na conta”, garante a instituição.

No Santander, financia-se para tornar “os seus projetos reais”, enquanto o BPI sorteia 15 bicicletas elétricas entre quem pedir cartão de crédito.

Consumidores mais otimistas, mas bancos também

O fim da pandemia ajuda a explicar em parte esta movimentação da banca. Nos últimos dois anos, as pessoas estiveram confinadas em casa durante largos períodos de tempo, enquanto lojas, restaurantes e viagens sentiam duramente as fortes restrições que as autoridades impunham para travar a disseminação do vírus. Começam agora a voltar aos níveis de atividade que tinham numa situação de normalidade. A isso juntou-se a incerteza quanto ao emprego e ao rendimento futuro, levando a que muitas decisões de consumo não prioritárias fossem adiadas até que as nuvens se dissipassem. Tudo somado: nunca se poupou tanto como nos últimos tempos.

Agora, com o fim da pandemia à vista, o cenário mudou radicalmente e as compras que não se fizeram no passado como o carro novo, as férias e a renovação da casa voltam a estar em cima da mesa.

Depois de ter afundado 22% em 2020, os empréstimos aos consumidores recuperaram no ano passado, mas os 6,5 mil milhões de euros de novas operações em 2021 ainda está mil milhões abaixo de 2019. Há margem para crescer, sobretudo no crédito automóvel e pessoal, que ainda não recuperaram da pandemia.

Crédito ao consumo ainda abaixo da pré-pandemia

Fonte: Banco de Portugal

Enquanto os consumidores estão mais confiantes, também os bancos estão mais otimistas em relação ao novo ciclo de recuperação da economia e após o fim das moratórias não ter provocado problemas significativos. Isso leva-os para outro patamar de risco no que diz respeito ao crédito. O segmento do crédito ao consumo regista historicamente uma maior sinistralidade do que o da habitação. Por conseguinte, é em tempos de maior pujança da economia que os bancos estão mais confortáveis em emprestar aos consumidores, pois o risco é mais baixo.

“O crédito ao consumo não tem garantias associadas e as perspetivas de recuperação da economia levam os bancos a tornarem-se mais afoitos no crédito ao consumo. Vamos ter anos de algum crescimento económico, faz sentido a aposta”, explica ao ECO o economista e ex-administrador bancário António Nogueira Leite.

O antigo gestor da Caixa fala ainda numa potencial retração no segmento das empresas e nas incertezas nos mercados que exigirão prudência ao negócio de gestão de ativos, o que “significa que os bancos têm de pôr a liquidez a funcionar em algum sítio”. E o crédito ao consumo, pelas taxas mais altas que pratica, é também uma forma de alavancar um negócio muito pressionado pelos juros baixos do Banco Central Europeu (BCE).

"O crédito ao consumo não tem garantias associadas e as perspetivas de recuperação da economia levam os bancos tornarem-se mais afoitos no crédito ao consumo. Vamos ter anos de algum crescimento económico, faz sentido a aposta.”

António Nogueira Leite

Economista e ex-gestor da Caixa

Deco deixa recomendações

As facilidades que a banca está a conceder na contratação de um crédito ao consumo cria uma “tentação enorme” junto das famílias, considera Nuno Rico, economista da Deco Proteste, que diz essa flexibilidade já era uma tendência antes da pandemia e que confinamento veio potenciar ainda mais.

“Com meia de dúzia de cliques o contrato está fechado e o dinheiro está disponível 24 horas depois. Também há grande predisposição para os créditos pré-aprovados”, adianta.

Se é fácil pedir um crédito ao banco, a Deco alerta para as dificuldades que poderão resultar daí para as famílias e deixa algumas recomendações. Por exemplo, privilegiar o uso de fundos próprios se vai comprar um bem de consumo como um carro ou eletrodomésticos, se tiver essa possibilidade, em vez de avançar para um crédito que, embora de duração reduzida, pode criar uma prestação mensal mais elevada, “muitas vezes superior à do crédito da casa”, aconselha Nuno Rico.

Isto liga a outro conselho: ter em conta a estabilidade dos rendimentos e avaliar bem a taxa de esforço na hora de assumir um novo compromisso com o banco. A Deco aconselha a não deixar que o peso das prestações de crédito ultrapasse os 35% do rendimento disponível da família, “para acautelar eventuais quebras no futuro”, como decorreria em situação de desemprego, por exemplo.

Se já decidiu avançar para o crédito, “analise muito bem as propostas”, olhe para a taxa efetiva (TAEG) e não se fique pela taxa nominal que não incorpora todos os custos associados ao processo. Isso faz toda a diferença no preço final do contrato.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Banca aposta forte no crédito ao consumo com fim da pandemia à vista

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião