Covid abalou mercados em 2020, mas bancos centrais puseram bolsas em alta em dois anos de pandemia
"O mercado de ações teve um desempenho muito melhor do que a economia real", dizem os analistas, ao fim de dois anos de coronavírus.
A crise pandémica abalou inicialmente os mercados financeiros mas estes recuperaram rapidamente e até valorizaram, devido às medidas de governos e bancos centrais. Gerem agora a incerteza da evolução económica e da guerra entre Rússia e Ucrânia, segundo analistas.
“O mercado de ações teve um desempenho muito melhor do que a economia real. Houve uma quebra histórica, comparável aos anos de guerra dos anos 40. Depois tiveram um desempenho bom no resto de 2020 e em 2021 que teve que ver políticas lançadas pelos governos e bancos centrais que resgataram as economias dos escombros”, afirmou à Lusa o economista-chefe do Banco Big, João Lampreia.
Os mercados financeiros entraram em crash entre finais de fevereiro e março em reação à propagação da pandemia por todo o mundo, com milhões de infetados, registos já de milhares de mortos e recessão económica e desemprego com a paralisação da mobilidade e de grande parte da atividade económica.
O dia 9 de março de 2020 ficou conhecido como ‘segunda-feira negra’ nas bolsas. O índice português PSI20 caiu 8,66%, a maior queda diária desde 2008, aquando da falência Lehman Brothers, Madrid desvalorizou-se 7,96%, Paris 8,3%, Frankfurt 7,94% e Londres 7,69%. Nos Estados Unidos, o Dow Jones Industrial perdeu 7,79%, o tecnológico Nasdaq 7,29% o alargado S&P 500 7,60%.
Contudo, a recuperação viria a ser relativamente rápida e durante dois anos os mercados tiveram um desempenho acima da economia real, graças à rápida ação dos bancos centrais (sobretudo a Reserva Federal norte-americana, a Fed, acompanhada por outros bancos centrais mundiais) que foi seguida pelos governos (novamente sobretudo nos EUA).
Entre os analistas há o consenso de que para a rápida ação de governos e bancos centrais esteve ainda a recordação da crise de 2008, quando não foi evitada a queda do Lehman Brothers e esse evento levou a uma crise à escala mundial. Desta vez, decidiram apoiar fortemente a economia e os mercados financeiros com medidas de emergência tanto na política monetária (cortes nos juros, grandes compras de ativos) como orçamental (apoios a famílias e empresas).
Os índices bolsistas estão hoje acima do que estavam em período pré-pandémico (face a final de 2019, por exemplo), mesmo tendo em conta as descidas da últimas semanas (provocadas pela retirada estímulos dos bancos centrais, desequilíbrios económicos e conflito da Rússia com Ucrânia).
Para Nuno Mello, analista da corretora XTB, ainda hoje se sentem os impactos desta crise, que foi a primeira crise a seguir à crise financeira global de 2008 e que teve a característica de não ser uma crise financeira e económica primeiramente, mas crise sanitária.
Se os mercados financeiros “recuperaram rapidamente para níveis pré-pandémicos, e deve-se em grande parte à Fed que tomou medidas rápidas para evitar a crise financeira”, há consequências que ainda se mantêm, desde logo na atividade de muitos setores (restauração, hotelaria, lazer, turismo) e nos custos sociais, havendo alguma desconexão entre os mercados financeiros e a economia real.
“O impacto que teve nas empresas, nas famílias, na política fiscal e monetária, na tecnologia e distanciamento social vieram enraizar-se no nosso dia a dia”, afirma à Lusa. Em 2020, o Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos caiu 3,5% (a maior queda desde 1946) e a taxa de desemprego subiu para 14,7% em abril de 2020. Na zona euro o PIB caiu 6,8% em 2020, mas o desemprego foi mais moderado (em setembro de 2020, a taxa de desemprego na zona euro foi de 8,5%).
Também para o diretor executivo da ActivTrades Europe, Ricardo Evangelista, os programas que os Governos executaram e o “papel decisivo dos bancos centrais” foi o que “garantiu a manutenção da confiança dos investidores”. Evangelista fez, na conversa com a Lusa, uma detalhada análise cronológica dos mercados da crise pandémica. Entre fim de fevereiro e março de 2020 houve uma “queda bastante forte nos mercados financeiros, nas ações em particular, mas também nas ‘commodities’ e até do próprio ouro”, com muitos investidores a fecharem posições em ouro para fazer face a perdas com ativos de outros setores.
Ainda em abril de 2020 há a queda do preço do petróleo, com os contratos de futuro para maio a serem negociados pela primeira vez a preço negativo, pois a procura baixou de forma repentina e muitos investidores que compraram para vender e não conseguiam fazê-lo tiveram de pagar para alguém ficar com o petróleo e o armazenar, num “episódio caricato”.
Mas o sentimento rapidamente melhoraria com os programas de estímulo da Europa e sobretudo dos Estados Unidos da América. “Houve um efeito galvanizador nos mercados a partir de abril, com os mercados de ações a ganharem vigor sobretudo ao nível de alguns setores como a tecnologia”, disse Ricardo Evangelista. Em agosto 2020 o ouro atinge novo máximo histórico, acima dos 2.000 euros por onça, devido à pandemia mas também à queda do dólar.
Já no final de 2020 e inícios de 2021 o anúncio das vacinas fez subir o apetite pelo risco nos mercados, que cresceu ainda mais em janeiro, com aumento de interesse pela negociação de setores como retalho, com a economia ajudada pela chegada dos cheques do Governo norte-americano às famílias para aumentar o consumo. Ao longo de 2021 houve impacto na procura de bens e de energia, com recordes no preço do petróleo e gás natural. Também os mercados de ações e as criptmoedas se valorizaram de formas por vezes consideradas irracionais.
No fim de 2021 e início deste ano os mercados ainda estiveram instáveis devido à variante Ómicron da covid-19, mas recuperaram. Por setores, houve grandes assimetrias. Grandes empresas de tecnologia foram muito beneficiadas na crise pandémica e viriam recentemente a perder valor. Já com a perspetiva do fim da pandemia voltaram a ganhar valor empresas petrolíferas, bancos e de retalho. Quanto ao momento atual, este é de grande incerteza e volatilidade para os mercados financeiros.
As dúvidas sobre a força da recuperação económica, a inflação, a normalização da política monetária pelos bancos centrais, a crise energética, os fortes aumentos das matérias-primas, os receios sobre eventuais novas variantes da covid-19 e, agora de forma muito mais forte, as tensões geopolíticas e a guerra da Rússia na Ucrânia, que tem consequências imprevisíveis, são tudo fatores que têm impacto no sentimento dos investidores e deverão gerar grande instabilidade nos mercados.
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