“A PGR tem de vir a público prestar informação sobre os processos mediáticos”, diz o SMMP

O XII Congresso do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público decorre no dia 24 e 25 de março, no Algarve. A Advocatus entrevista o presidente da força sindical, Adão Carvalho.

Nos dias 25 e 26 de março irá decorrer o XII Congresso do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público no Tivoli Marina Vilamoura Algarve Resort, no Algarve. “Sob o tema genérico “Ministério Público Autonomia/Responsabilidade, Qualidade e Cidadania”, o evento é o primeiro sob a direção de Adão Carvalho, o presidente da direção nacional do SMMP. A Advocatus falou com o magistrado, a dois dias do congresso.

Estamos com o Congresso à porta. Quais são os principais desafios que a profissão enfrenta e que vão estar em análise?

O Ministério Público enfrenta enormes desafios, designadamente num quadro de insuficiência de meios poder adaptar-se às novas exigências em todas as áreas de intervenção e que exigem, cada vez mais, maior especialização e trabalho em equipa.

O nível de autonomia do Ministério Público é satisfatório? A tendência do poder político tem sido sempre na tentativa de ter ingerência nessa autonomia…

O modelo do Ministério Público português é aquele que garante uma maior autonomia e independência do Ministério Público ao nível dos países europeus. Com o mesmo grau de independência só encontra paralelo em Itália.

O calcanhar de Aquiles radica na falta de autonomia financeira do Ministério Público e, por conseguinte, da sua excessiva exposição à boa vontade do poder executivo para ter os meios materiais e humanos necessários ao exercício das suas funções.

O que nós vimos defendendo é a consagração legal da autonomia financeira do Ministério Público e a alocação, por parte do Estado, em sede de Orçamento do Estado, das verbas necessárias para que o Ministério Público possa exercer as suas funções de forma totalmente independente.

O calcanhar de Aquiles radica na falta de autonomia financeira do Ministério Público e, por conseguinte, da sua excessiva exposição à boa vontade do poder executivo para ter os meios materiais e humanos necessários ao exercício das suas funções.”

Como são as relações do MP com outros agentes da justiça?

A atividade do Ministério Público, em qualquer das suas competências, implica sempre a relação com outros agentes da justiça. O trabalho do Ministério Público não é solitário, isolado, exigindo uma estreita colaboração com outros agentes da justiça, desde os juízes e os oficiais de justiça que compartilham com os magistrados do Ministério Público o mesmo espaço físico, até aos órgãos de polícia criminal, as comissões de promoção e proteção de crianças e jovens, a APAV, entre muitos outros agentes de justiça.

O Ministério Público mantém e deve manter uma relação próxima e de total colaboração com todos, pois a qualidade do serviço prestado por aquele é tanto melhor quanto o nível de articulação, cooperação e coordenação existir.

Como explica que muitos dos processos mediáticos tenham sempre acusações gigantes que depois na instrução, acabam por cair? Recordo-me desde logo da Operação Marquês…

Temos, desde logo, que compreender que alguns processos demoram mais do que o desejável, não por serem gigantes, mas sim por uma multiplicidade de fatores que vai desde a complexidade e sofisticação da criminalidade em investigação; a manifesta escassez de meios que não permite, por exemplo, obter o resultado de perícias financeiras e técnicas ou mesmo traduções em tempo breve; a necessidade de obter prova em países fora da União Europeia; o poder económico dos investigados que lhes permite usar e abusar de todos os meios de defesa e garantismos previstos na nossa legislação.

Não é o Ministério Público que faz os processos gigantes, mas sim os criminosos ao praticarem uma multiplicidade de crimes num determinado período temporal, muitos deles interligados até do ponto de vista da sua qualificação jurídica.

Por outro lado, não corresponde à verdade que muitas das acusações do Ministério Público acabam por cair. As estatísticas oficiais dizem exatamente o contrário. De acordo com dados oficiais constantes do último relatório da PGR resulta que dos processos acusados mais de setenta e nove por cento conduzem a uma condenação e se falarmos da criminalidade mais grave a percentagem é de oitenta e oito por cento.

Isto não quer dizer que o Ministério Público não deva tirar ilações da elevada morosidade de alguns processos e partindo dos mesmos refletir criticamente e tentar alterar a sua estratégia processual, dentro do que a lei o permite, no sentido de garantir uma justiça em prazo razoável, designadamente definindo melhor o objeto do processo no início e tratando separadamente todas os conhecimentos de investigação ou fortuitos que vão surgindo ao longo do decurso do mesmo.

Referiu em março do ano passado que os magistrados sentiam uma ausência da procuradora-geral da República, Lucília Gago. Mantém essa afirmação?

Tem existido uma maior aproximação da Procuradora-Geral da República, designadamente no que se refere às necessidades sentidas pelo Ministério Público ao nível da carência de meios, humanos e materiais.

A Procuradora-Geral da República é a dirigente máxima do Ministério Público, tal impõe necessariamente um conhecimento aprofundado da organização que dirige e de cada um dos departamentos e serviços do Ministério Público. Acreditamos que esse esforço está a ser feito pela mesma, até contrariando a natureza reservada da sua personalidade.

Isto não quer dizer que o Ministério Público não deva tirar ilações da elevada morosidade de alguns processos e partindo dos mesmos refletir criticamente e tentar alterar a sua estratégia processual, dentro do que a lei o permite, no sentido de garantir uma justiça em prazo razoável, designadamente definindo melhor o objeto do processo no início”

E quanto à ministra da Justiça cessante?

No momento em que cessa as suas funções só desejamos o maior sucesso para o futuro.Entendo que sendo magistrada do Ministério Público e conhecendo as carências com que se depara esta magistratura, em todos os aspetos, esteve muito aquém do que seria expectável.

Quando se candidatou referiu como desafios para o seu mandato a luta por mais recursos e condições para que o MP possa exercer as suas funções com mais qualidade e eficácia. Acha que falta qualidade no nosso MP?

O Ministério Público tem qualidade e os resultados obtidos são a prova segura disso em todas as áreas em que intervém.

Falta, contudo, iniciar um processo de abandono de alguns métodos de trabalho já obsoletos e adaptar-se às novas e difíceis exigências da sociedade moderna.

Para que tal aconteça precisa de existir um claro reforço de meios humanos e materiais.

Falo, por exemplo, nos desafios decorrentes da criminalidade económico-financeira e do cibercrime, que exigem um novo modelo de trabalho, sobretudo nos processos mais complexos, exigindo mais trabalho em equipa, de composição multidisciplinar, e que incluam logo desde a fase de inquérito magistrados que vão acompanhar o processo nas fases da instrução e julgamento.

Tal, não é possível, quando os magistrados existentes são escassos ou, estão mesmo, em situação de rutura. Se o Estado quer qualidade tem de investir no Ministério Público. Os sucessivos Governos têm investido na justiça, mas não no Ministério Público.

Os magistrados do MP são suficientemente escrutinados?

Os magistrados do MP são escrutinados de múltiplas formas. Nos processos porque o seu trabalho é apreciado pela hierarquia, pelos juízes e pelos sujeitos processuais. Para além disso existem inspeções regulares que aferem não só da produtividade, como da qualidade e substância do seu trabalho.

Falta, contudo, iniciar um processo de abandono de alguns métodos de trabalho já obsoletos e adaptar-se às novas e difíceis exigências da sociedade moderna.”

Como explica as sucessivas violações do segredo de justiça nos casos mediáticos?

Os processos, mesmo quando excecionalmente sujeitos ao segredo interno, isto é, para os próprios sujeitos processuais, não deixam de estar acessíveis a funcionários, polícias e magistrados e, após se tornarem acessíveis aos sujeitos processuais (segredo externo) então o número de pessoas que têm contacto com os processos multiplicam-se exponencialmente, falamos dos advogados, dos assistentes, dos arguidos.

Se o processo envolve pessoas mediáticas, mal seja realizada uma busca ou interrogado um arguido, a pressão exercida pela comunicação social no sentido de obter informações torna incomportável a manutenção do segredo. Isto acontece em Portugal como em qualquer outro país do mundo.

A questão apresenta duas particularidades que cumpre assinalar. Em primeiro lugar são os jornalistas que estão em melhores condições para indicar quem são os prevaricadores, os informadores. Em segundo lugar, se uma investigação à violação do segredo de justiça utiliza meios intrusivos de recolha de prova para tentar descobrir esses mesmos prevaricadores, então o Ministério Público é atacado por violar a liberdade de imprensa.

Compete ao legislador intervir e definir o equilíbrio entre os valores protegidos pelo segredo de justiça e a liberdade de imprensa e optar se deve sacrificar o primeiro em detrimento desta ou se, pelo contrário, o segredo de justiça deve ter maior proteção e atribuir ao MP os instrumentos necessários para ter sucesso na investigação do crime de violação do segredo de justiça, designadamente o recurso a interceções telefónicas.

A PGR está empenhada na forma de comunicar a Justiça? Parece que estamos sempre a bater na mesma tecla mas nada muda….

A comunicação da justiça não é um tema fácil. Existe uma clara disrupção entre aquilo que a comunicação social procura e aquilo que a PGR pode e deve fornecer. A comunicação social quer “sangue”, quer debater os processos na praça pública, quer informação para ontem; A PGR não pode corresponder a essas expectativas.

Sem prejuízo entendo que a PGR tem de melhorar a comunicação e vir a público, mais vezes, prestar informação isenta e objetiva sobre os processos com impacto mediático, relevante não só para contribuir para uma opinião pública esclarecida, mas para defesa dos próprios envolvidos mos processos.

Para estarem mais habilitados ao cumprimento desse dever devem dotar-se de estruturas de apoio na comunicação e terem pessoas aptas a comunicar de forma a que a informação isenta e objetiva chegue ao público.

Seria igualmente importante que fossem propiciados pela PGR, de forma regular, workshops sobre comunicação, envolvendo os jornalistas, para compreensão recíproca do trabalho de uns e outros.

 

Há quem aponte críticas aos magistrados (ambos) por serem muito fechados na sua visão da vida e do mundo, estão demasiado no seu casulo Como se defende dessa crítica?

Com o volume de trabalho que têm atualmente é difícil terem vida fora dos processos!!! Claro que isso não é o desejável, nem o saudável.

Para que tal mude é necessário que se reforce o quadro de magistrados do Ministério Público para que tenham tempo para ter uma vida equilibrada e saudável.

Entendo, contudo, que a crítica subjacente à questão levantada não é aplicável ao MP, magistratura que pela natureza das suas funções está em permanente contacto com a sociedade e com estruturas da sociedade.

Isto não quer dizer que o Ministério Público não deva tirar ilações da elevada morosidade de alguns processos e partindo dos mesmos refletir criticamente e tentar alterar a sua estratégia processual”

Muitos consideram que o MP age ao sabor do mediatismo. Concorda?

Não é o Ministério Público que anda ao sabor do mediatismo, mas exatamente o oposto. A curiosidade da sociedade em geral e dos meios de comunicação social em particular pelos processos criminais, a necessidade de alimentarem dias inteiros de informação, levou a uma pressão dos mesmos sobre todos os intervenientes no sistema de justiça na “caça” de informação fresca.

Os próprios meios de comunicação social são muitas vezes manipulados pelos sujeitos processuais, alguns com grande poder de influência nos mesmos, por si ou através de alguns comentadores regulares, provocando desinformação e confusão junto do público e difundindo inverdades e inexatidões por saberem que os magistrados, pelo dever de reserva a que estão sujeitos, não se podem defender, nem repor a verdade.

 

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