Subida ligeira na mortalidade atrasa “libertação total” das restrições

Governo definiu como meta atingir o limiar dos 20 óbitos por milhão de habitantes para terminar com uso obrigatório de máscara. Portugal está atualmente com 25 óbitos por milhão de habitantes.

Para avançar para a “libertação total” das restrições, levantando a obrigatoriedade de uso de máscara na generalidade dos espaços públicos fechados, o Governo tinha definido o limiar das 20 mortes por Covid-19 por milhão de habitantes a 14 dias. Contudo, o aumento de casos das últimas semanas, que está agora a estabilizar, refletiu-se também numa “ligeira subida” na mortalidade, estando atualmente em 25 óbitos por milhão de habitantes, pelo que não é certo quando é que esse objetivo será atingido.

A evolução da pandemia indica um marcar de passo no mês de março. Logo a seguir ao Carnaval tivemos um ressurgimento ligeiro do número de casos. Em termos médios passamos rapidamente de 9.500 casos por dia para 12.200 e isso deu-se, especificamente, devido ao aumento significativo de casos na faixa dos 10 aos 19 anos“, assinala ao ECO Carlos Antunes, engenheiro da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, acrescentado que esta subida de infeções se alastrou posteriormente às restantes faixas etárias.

A “subida galopante” da sublinhagem B.A.2 da variante Ómicron, — que é já responsável por 82% das infeções em Portugal, sendo dominante no mundo –, o alívio das restrições em fevereiro, bem como os festejos do Carnaval, ajudam a explicar o aumento de casos.

No entanto, o especialista sublinha que o aumento de casos em Portugal que se verificou não é comparável ao que está a ser registado noutros países europeus, descartando, por isso, uma eventual sexta vaga da pandemia. “Em Portugal, pelo facto de termos uma cobertura vacinal bastante boa, muito acima desses países, faz com que não estejamos a sentir essa vaga“, afirma Carlos Antunes, que continua a receber três vezes por semana os dados da Direção-Geral da Saúde (DGS), que passaram a ser divulgados semanalmente para a população em geral. Além disso, o engenheiro sublinha que o aumento de infeções “não foi generalizado a todas as regiões”.

Este ressurgimento de casos acabou por interromper a descida que se vinha a verificar dos óbitos e nos últimos dias voltou a haver um ligeiro aumento de mortes.

Carlos Antunes

Engenheiro da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

Esta tendência é também sinalizada por Bernardo Gomes, médico de Saúde Pública e investigador do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), que realça que, “até agora”, os números não levam a crer que se vá chegar aos valores de janeiro, no pico da quinta vaga, dado que os indicadores hospitalares “aparentam estar controlados”.

Certo é que, apesar de o aumento de casos não ter sido muito significativo, repercutiu-se na situação epidemiológica a nível nacional, nomeadamente na mortalidade. “Este ressurgimento de casos acabou por interromper a descida que se vinha a verificar dos óbitos e nos últimos dias voltou a haver um ligeiro aumento de mortes”, aponta Carlos Antunes, notando que o país já tinha “atingido uma média de 16 óbitos por dia, a 14 dias”, mas que face a este aumento está atualmente com “uma média de 25 óbitos por milhão de habitantes, a 14 dias”.

Os especialistas estimavam que Portugal atingisse o limiar dos 20 óbitos por milhão de habitantes a 14 dias ainda esta semana, tendo sido essa a “meta” definida pelo Governo para considerar a pandemia controlada (tal como recomendado pelo ECDC, o regulador europeu) e para avançar para a “libertação total”, terminando com a obrigatoriedade de uso de máscara em espaços interiores.

Apesar de o Executivo não se ter comprometido com uma data concreta, mencionando apenas o início de abril, a diretora-geral da Saúde chegou até a antecipar o dia 3 de abril como a data expectável para o alívio de todas as restrições.

Face ao contexto atual, o Governo decidiu, na quarta-feira, prolongar o estado de alerta até 18 de abril, mantendo as medidas em vigor. Contudo, isso não significa que o uso obrigatório de máscara em espaços interiores vigore necessariamente até essa data, podendo o Executivo extinguir a medida assim que a mortalidade atinja o patamar necessário.

Para já, os especialistas ouvidos pelo ECO defendem que esta medida deve ser mantida, face à ligeira subida do número de óbitos que se tem vindo a registar nos últimos dias, com especial aumento nos maiores de 65 anos. “É importante esperar para ver se de facto esse ligeiro aumento é relação causa-efeito do número de casos e se vai evoluir também para um aumento contínuo ou se volta novamente a descer“, sinaliza Carlos Antunes.

A posição é partilhada por Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP) que considera que só mais para o final de abril, “final da terceira semana de abril” se poderá assistir ao ” retorno da normalidade”, isto se a pandemia não se agravar. Também o bastonário da Ordem dos Médicos já tinha vindo sinalizar que esta não é a fase ideal para o alívio de medidas.

De igual modo, Bernardo Gomes, médico de saúde pública, considera “prematuro” levantar as medidas e realça a importância de “manter alguma reserva no que toca ao uso de máscara em espaços interiores sobretudo nos serviços e transportes públicos, com foco em tudo aquilo que sejam espaços que não possam ter opção por parte do cidadão”.

Em contrapartida, ainda antes de o Governo ter prolongado o estado de alerta, Raquel Duarte, que lidera a equipa de peritos que aconselha o Executivo na gestão da pandemia, tinha defendido, em declarações ao Diário de Notícias, que Portugal já está preparado para deixar cair o uso obrigatório de máscara nos espaços fechados, passando o ónus exclusivamente para a liberdade de decisão individual.

Alteração dos boletim Covid gera críticas

Alguns especialistas criticam ainda o facto de a DGS ter deixado de divulgar boletins diários sobre a evolução da pandemia, passando a divulgar os números semanalmente. Em declarações ao ECO, o bastonário da Ordem dos Médicos sinaliza que “quando a guerra entre a Rússia e a Ucrânia começou”, a 24 de fevereiro, as “atenções” centraram-se todas neste conflito e a pandemia foi posta “em segundo plano”. Nesse contexto, e face à subida de casos que se verificou, Miguel Guimarães considera que esta “não foi a fase ideal” para a DGS ter deixado de dar “informações mais frequentes” sobre a pandemia.

“Quando se está a atingir uma fase final de objetivo, os números têm a importância de ir chamando à atenção das pessoas para aquilo que está a acontecer. E se as pessoas perceberem que os indicadores de atividade vírica estão muito elevados vão perceber que se calhar têm que cumprir mais ou até, por exemplo, têm que usar máscara em circunstâncias que já não estavam a usar”, justifica.

Mais incisivo é Henrique Oliveira, matemático do Instituto Superior Técnico (IST), que acusa a DGS de “sonegar” informação. “A informação é um bem público, só os regimes totalitários e autoritários é que escondem a informação”, afirma, acrescentando que além de os dados “serem publicados com muito atraso”, o relatório “está muitíssimo mal feito“, dado que “não tem sequer a evolução diária”. O ECO questionou a DGS sobre estas críticas, mas não foi possível obter uma resposta até à publicação deste artigo.

Em contrapartida, Carlos Antunes considera que a informação veiculada para a opinião pública “é suficiente” e que está “simplificada” para ser mais percetível para a população em geral e garante que as autoridades de saúde, como o Ministério de Saúde, bem como para as instituições que colaboram com as autoridades de saúde continuam a receber relatórios técnicos três vezes por semana.

“Não há risco de quem vai tomar uma decisão tomar a decisão sobre algo que é atrasado”, sinaliza o engenheiro, apontando ainda que este novo relatório segue os mesmos moldes que a monitorização feita para outras doenças, como é o caso da gripe. “Se repararmos no relatório semanal da gripe ele também tem um desfasamento de uma semana“, conclui.

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