Centralização dos direitos televisivos: perceba o que está em causa

- Rafael Ascensão
- 12:26
O Benfica solicitou a suspensão imediata do processo para a Centralização dos Direitos Audiovisuais, que terá, por força de lei, de entrar em vigor na época 2028/2029. Perceba o que está em causa.
-
Em que consiste a centralização dos direitos televisivos?
-
Como e porque teve início este processo?
-
Quando será conhecido o modelo centralizado?
-
Até à época 2028/2029, os clubes podem fazer outros acordos?
-
Qual o montante em causa? E como será distribuído?
-
Quem está contra?
-
Porque é que o Benfica pede a suspensão imediata do processo?
-
Como reagiu a Liga?
-
Qual a posição do Governo?
Centralização dos direitos televisivos: perceba o que está em causa

- Rafael Ascensão
- 12:26
-
Em que consiste a centralização dos direitos televisivos?
A centralização dos direitos televisivos no futebol — modelo em vigor em vários países da Europa, como Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália ou França –, consiste na venda conjunta dos direitos de transmissão dos jogos de futebol em vez de cada clube negociar individualmente, como acontece atualmente.
O objetivo destas centralizações passa por atrair um maior interesse nas transmissões das competições e possibilitar contratos mais lucrativos, tendo em vista garantir uma posterior redistribuição de receitas que permita uma maior competitividade dos clubes mais pequenos e, consequentemente, das próprias competições.
Mas há receios, sobretudo da parte dos três grandes, de que a centralização dos direitos televisivos resulte num menor encaixe financeiro, razão pela qual o Benfica se tem manifestado contra o processo.
Ao contrário do que sucede nas principais ligas europeias, a titularidade dos direitos televisivos em Portugal pertence aos clubes ou às sociedades desportivas participantes na competição, pelo que cada pode comercializar esses direitos individualmente, com qualquer operador.
A esmagadora maioria dos clubes tem os seus jogos transmitidos no canal Sport TV. A maioria dos clubes realizaram acordos com uma das grandes operadoras (Sporting e Braga com a Nos e Porto e Guimarães com a Meo, por exemplo), que têm por sua vez um acordo de distribuição com a Sport TV, canal do qual as operadoras são acionistas.
A exceção recai sobre o Benfica, cujos jogos no Estádio da Luz são transmitidos através da Benfica TV, o canal próprio do clube, disponível mediante subscrição.
Este panorama, já levou a Autoridade da Concorrência a sinalizar problemas ao nível da concorrência de mercado.
Proxima Pergunta: Como e porque teve início este processo?
-
Como e porque teve início este processo?
Defendido por Pedro Proença desde 2015, quando assumiu a presidência da Liga Portugal — tendo sido substituído entretanto por Reinaldo Teixeira –, o processo para a implementação de um modelo centralizado dos direitos televisivos teve formalmente início em fevereiro de 2021, altura em que o Governo liderado por António Costa aprovou, em Conselho de Ministros, um decreto-lei que determina a comercialização centralizada dos direitos televisivos dos jogos da I e II Ligas de futebol, a implementar até à época desportiva 2028/2029.
O objetivo estava estabelecido e passava por “valorizar os direitos televisivos e multimédia das competições profissionais de futebol”, de modo a que a distribuição das receitas fosse “mais equitativa entre sociedades desportivas”.
Isto porque a diferença entre a sociedade desportiva que mais recebe e a que menos recebe é de aproximadamente 15 vezes, o que se traduz em “assinaláveis desigualdades quando se compara com países que já adotaram o modelo de comercialização centralizada”. Em Espanha e em Itália, por exemplo, a diferença é de três vezes mais, na Alemanha 2,5 vezes mais e em Inglaterra 1,3 vezes mais, sustentava o diploma.
Esta lei impossibilita assim que as sociedades desportivas participantes nas duas competições profissionais de futebol comercializem de forma individualizada os direitos dos respetivos jogos relativos às épocas 2028/29 e seguintes.
A Liga Portugal criou inclusive a Liga Centralização, uma unidade de negócios para desenvolver este projeto, e que conta na sua estrutura com representações de cinco emblemas da primeira divisão (Benfica, Porto, Sporting, Braga e Casa Pia) e dois da segunda (Chaves e Paços de Ferreira).
Esta empresa tem como objetivo definido “promover o estudo e a definição de uma proposta para o futuro modelo de comercialização centralizada dos direitos televisivos e multimédia, e demais conteúdos audiovisuais, das competições profissionais de Futebol em Portugal, prevendo-se, igualmente, que esta sociedade venha a ser o motor da posterior comercialização dos referidos direitos”.
Proxima Pergunta: Quando será conhecido o modelo centralizado?
-
Quando será conhecido o modelo centralizado?
Segundo o estipulado pelo diploma aprovado e publicado em Diário da República, cabe à Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e à Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) a apresentação de uma proposta de modelo centralizado, sujeita a aprovação da Autoridade da Concorrência, até ao final da época desportiva de 2025-2026, ou seja, da próxima temporada.
Proxima Pergunta: Até à época 2028/2029, os clubes podem fazer outros acordos?
-
Até à época 2028/2029, os clubes podem fazer outros acordos?
Sim, até à época 2028/2029, a titularidade dos direitos de transmissão televisiva e multimédia “pertence aos clubes ou às sociedades desportivas participantes nas respetivas competições”, que podem “comercializar livremente os direitos de transmissão dos quais são titulares”, devendo apenas dar conhecimento do mesmo ao organizador da competição em causa no prazo de 10 dias.
O Moreirense Futebol Clube, por exemplo, chegou a acordo com a TVI em novembro do ano passado para a transmissão dos seus jogos em casa nos canais do grupo Media Capital. Este acordo assinalou, inclusive, o regresso do campeonato de futebol à televisão em sinal aberto, a partir da próxima época 2025/2026. O acordo tem validade por um período de três anos, ou seja, até à centralização de direitos.
Também o Casa Pia estará em negociações com a TVI para a venda dos seus direitos televisivos. Segundo o Record noticiou em maio, as partes têm estado em conversações para conseguirem chegar a acordo. No entanto, a Sport TV, atual detentora dos direitos televisivos do clube lisboeta, tem direito de preferência, pelo que só após uma resposta da estação de desporto é que o negócio poderá ser concluído.
Ressalve-se, no entanto, que os contratos entretanto estabelecidos “não produzem efeitos para além da época desportiva de 2027-2028”, altura em que deverá entrar em vigor o modelo centralizado, segundo o estipulado em Diário da República.
Proxima Pergunta: Qual o montante em causa? E como será distribuído?
-
Qual o montante em causa? E como será distribuído?
Há alguns meses, a direção da LPFP apontou para uma avaliação de cerca de 300 milhões de euros dos direitos audiovisuais centralizados por cada ano. No entanto, várias entidades desportivas consideram que este valor estará inflacionado.
Em janeiro de 2024, Rui Caeiro, diretor executivo da Liga Portugal, avançou, citado pela Renascença, que os estudos de “várias entidades” apontavam para valores, “no mercado atual”, na ordem dos 150 a 170 milhões de euros na venda individual, enquanto os estudos da Liga apresentavam valores “muito superiores”, que iam dos 275 aos 325 milhões de euros como valor global da venda centralizada.
Também no início do ano passado, o ECO deu a conhecer três propostas colocadas em cima da mesa por fundos internacionais para a gestão destes direitos. Duas das três ofertas colocam valores em cima da mesa, avaliando a liga portuguesa entre os mil milhões e os 2,5 mil milhões.
O fundo Quadrantis, que tem no consórcio a 777 Partners e terá também o apoio da Apollo e da KPMG, valoriza a Liga portuguesa em cerca de 2,5 mil milhões de euros, um valor que resulta do múltiplo de dez vezes (referência da La Liga espanhola) em relação à receita prevista para os três primeiros anos (250 milhões), um valor que subirá para 350 milhões nos sete anos seguintes.
Já a proposta do consórcio da CVC e Fortitude prevê um investimento entre 250 milhões e 350 milhões por uma participação de 25%-30% da Liga Centralização. Ou seja, avalia os direitos da Liga entre mil milhões e 1,4 mil milhões, abaixo da proposta do outro fundo, embora sem um modelo de partilha de receitas que, segundo prevê, serão da ordem dos 180 milhões de euros por ano.
Em junho deste ano, André Mosqueira do Amaral, CEO da Liga Centralização, avançou que se estava a avaliar se “faz sentido” vender uma parte do capital da empresa responsável pelo desenvolvimento do projeto, tal como aconteceu em Espanha, embora ainda não fosse “claro se há benefício em abrir o capital da empresa”.
Em termos de distribuição das receitas, ainda não está definido um modelo, mas a ideia é que metade do valor seja distribuído de forma igualitária entre os clubes enquanto a outra metade será dividida com base na “implantação social” e em critérios como o número de jogos transmitidos, a audiência e a classificação final na competição.
Esta “implantação social” é medida através de métodos diferentes na Europa, consoante o país. Na inglesa Premier League e na francesa Ligue 1, por exemplo, o valor é dividido com base na audiência que cada clube gera para as televisões, enquanto na italiana Serie A a percentagem é dividida consoante o número de sócios de cada clube.
Proxima Pergunta: Quem está contra?
-
Quem está contra?
Entre os mais céticos à entrada em vigor do modelo centralizado está o Benfica, que já por várias vezes se mostrou contra o projeto, argumentando que o clube sai mais valorizado atuando sozinho do que integrado na centralização dos direitos e apontando que os outros emblemas acabariam por beneficiar da dimensão do clube encarnado e das audiências superiores dos seus jogos.
“Sabemos bem o valor que temos. Acreditamos que nesta altura, e até prova em contrário, valemos mais sozinhos do que integrados numa centralização cujos valores finais e matriz de distribuição está ainda longe de ficar definida”, disse Rui Costa, presidente do clube encarnado, numa assembleia geral em junho do ano passado.
Um ano antes, em junho de 2023, o presidente do Benfica já tinha defendido essa mesma posição: “Toda a gente fala muito desta transição, ainda não há datas. O único dado que há, e o presidente da Liga sabe perfeitamente qual é a nossa posição, e apesar de a lei ser governamental, é que o Benfica não irá cumprir lei nenhuma se se sentir prejudicado.”
Mas a posição dos encarnados tornou-se inclusive mais agressiva depois do final do campeonato e da final da Taça de Portugal — que “desvirtuaram por completo a verdade desportiva”, segundo um comunicado do clube –, com a direção das águias a suspender a sua participação nos grupos de trabalho da Liga Centralização e a “solicitar ao Governo uma audiência com caráter de urgência, informando-o de que, neste momento, não estão reunidas as condições para avançar com este processo [da centralização dos direitos televisivos]”.
Proxima Pergunta: Porque é que o Benfica pede a suspensão imediata do processo?
-
Porque é que o Benfica pede a suspensão imediata do processo?
Esta quarta-feira, o Benfica solicitou mesmo a suspensão imediata do processo de centralização dos direitos audiovisuais, numa carta enviada à Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP). Na mesma, o clube recorda a “ambição clara e legítima de reforçar a competitividade, garantir a valorização global do futebol português e promover uma maior equidade entre os clubes”, lamentando que, “passados mais de quatro anos, os pressupostos que deveriam fundamentar essa transição permanecem por cumprir”.
Na carta assinada por Rui Costa lê-se também que “o atual processo de centralização está atrasado, em risco de falhar os objetivos e já desatualizado face ao contexto internacional”. “O Sport Lisboa e Benfica será sempre solidário com a missão coletiva, mas realista relativamente ao seu valor no mercado e ao potencial do projeto nos atuais moldes”, assegura ainda o clube lisboeta.
Sobre o montante global dos direitos das competições profissionais portuguesas, que a LPFP apontou que pode ascender a 300 milhões de euros por época, o Benfica afirma que o mesmo “carece de fundamentação credível à luz da realidade atual do mercado nacional e do próprio mercado internacional”.
“Na realidade atual do mercado audiovisual, é provável que o valor da centralização não atinja sequer os 150-200 milhões de euros, o que representaria uma perda de receita irreparável para todos os clubes portugueses — grandes, médios e pequenos. Esse cenário comprometeria o equilíbrio competitivo, a sustentabilidade financeira e a qualidade global do futebol nacional”, lê-se na missiva.
Atualmente, a transmissão dos jogos em casa do emblema da Luz é feita através da Benfica TV, canal próprio do clube.
Proxima Pergunta: Como reagiu a Liga?
-
Como reagiu a Liga?
Apesar de o Benfica ter solicitado a suspensão imediata do processo de centralização dos direitos audiovisuais, a Liga Portugal veio reiterar que “a Centralização dos Direitos Audiovisuais é para avançar”.
Embora partilhe das preocupações demonstradas pelas águas, a direção executiva da Liga Portugal diz que que tem vindo a desenvolver um trabalho em conjunto com várias entidades nacionais e internacionais como objetivo claro de “cumprir –- e, se possível, antecipar -– os prazos definidos pelo Governo no Decreto-Lei n.º 22-B/2021″, que determina a comercialização centralizada dos direitos televisivos dos jogos da I e II Ligas de futebol, num modelo a implementar até à época desportiva 2028/2029.
“É com esse sentido de responsabilidade que a atual direção executiva da Liga Portugal reafirma: a centralização dos direitos audiovisuais é para avançar. É um compromisso assumido com as sociedades desportivas, com os adeptos e com a sustentabilidade do futebol nacional. E é com todos — sem exceção — que pretendemos concretizá-lo”, afirma a Liga Portugal.
Proxima Pergunta: Qual a posição do Governo?
-
Qual a posição do Governo?
Por parte do Governo, o secretário de Estado do Desporto, Pedro Dias, disse esperar que haja um entendimento sobre a centralização dos direitos audiovisuais das competições profissionais de futebol portuguesas até ao fim do prazo, apesar da posição assumida pelo Benfica.
“Este é um processo que se iniciou em 2021 e, até 30 de junho de 2026, está na esfera exclusiva da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP). Neste momento, o Governo não terá nenhuma intervenção. E esperamos que não seja necessária nenhuma intervenção do Governo”, disse o governante, que responsabilizou os clubes e as estruturas da modalidade, para cumprirem o prazo definido, excluindo, para isso, qualquer intervenção governamental.