Montenegro admite mudar lei da greve. Sete respostas para entender o que está em causa

- Isabel Patrício
- 7:03
Desde quarta-feira que os trabalhadores dos comboios estão em greve, contra a imposição de aumentos salariais "que não repõem poder de compra". Afinal, que limites há hoje ao direito à greve?
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O que é que se passa na CP?
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O Governo está a tentar negociar com sindicatos para travar a greve?
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Luís Montenegro atacou o direito à greve?
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O que diz hoje a lei quanto à greve?
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Então, por que não foram decretados serviços mínimos?
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O PS também apoia a mudança na lei da greve? E a IL?
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E o Presidente da República, como reagiu?
Montenegro admite mudar lei da greve. Sete respostas para entender o que está em causa

- Isabel Patrício
- 7:03
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O que é que se passa na CP?
Vários sindicatos que representam trabalhadores da Comboios de Portugal (CP) convocaram greves de vários dias, a começar a 7 de maio, contra a imposição de aumentos salariais, que “não repõem o poder de compra“, e pela negociação coletiva de reforços remuneratórios “dignos”.
Os trabalhadores pretendem ainda a “implementação do acordo de reestruturação das tabelas salariais, nos termos em que foi negociado e acordado”.
“A CP não existe sem trabalhadores. E o que está hoje em causa é a sua sustentabilidade futura. Se o Governo não avançar com medidas concretas que valorizem as carreiras ferroviárias — nomeadamente ao nível dos salários, das condições de trabalho e do investimento nos meios necessários — estará a comprometer o futuro da empresa e a pôr em risco a prestação de um serviço essencial ao país“, avisou, desde logo, a Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações.
Proxima Pergunta: O Governo está a tentar negociar com sindicatos para travar a greve?
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O Governo está a tentar negociar com sindicatos para travar a greve?
Neste momento, não. O ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, afastou novas negociações com os sindicatos com vista ao fim da greve na CP, tendo argumentado que a paralisação em curso resulta de “uma agenda política de circunstância eleitoral”.
“O Governo é imune a pressões. O Governo negociou quando teve de negociar, com abertura total, indo ao limite do que a lei permitia para um Governo em gestão, e não quiseram“, afirmou o governante.
Em relação ao referido acordo de reestruturação das tabelas salariais, Pinto Luz explicou que este não pode ser executado, porque o Governo está em gestão (argumento que os sindicatos contestam).
“É uma greve que não serve os interesses da CP, não serve os interesses dos trabalhadores da CP, mas mais importante, e é a mensagem que quero deixar, não serve os portugueses. São centenas de milhares de portugueses hoje prejudicados. Os sindicatos não olharam para os portugueses”, afirmou ainda o ministro das Infraestruturas.
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Luís Montenegro atacou o direito à greve?
A discussão subiu de tom esta quinta-feira, no segundo dia de greve na CP. Luís Montenegro disse considerar estar em causa uma greve “absolutamente injusta” e avisou que “um dia vamos ter de pôr cobro a isto“, abrindo, assim, a porta a potenciais mudanças no direito à greve.
“O Governo tentou tudo para travar a greve. A informação que tenho é que a negociação estava num ponto em que era expectável que se tivesse evitado a greve. A minha convicção é de que, claramente, as influências políticas e partidárias acabaram por evitar aquilo que era um desfecho normal de um processo negocial”, começou por realçar o candidato da AD.
“Francamente, um dia vamos ter de pôr cobro a isto. Temos de ter um mecanismo que garanta que o efeito da greve… Não estou a pôr em causa o direito à greve. O direito à greve não está em causa. Os efeitos da greve é que não podem ser de tal maneira desproporcionais que todos os outros cidadãos tenham uma compressão dos seus direitos”, atirou Luís Montenegro, não dando detalhes sobre como se poderia obter esse equilíbrio entre o protesto dos trabalhadores e a garantia dos serviços.
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O que diz hoje a lei quanto à greve?
O direito à greve consta da Constituição e do Código do Trabalho.
Na Constituição, diz-se que é garantido o direito à greve, competindo “aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através” dessa paralisação. Estabelece-se, também, que a lei não pode limitar esse âmbito.
A Constituição dita, além disso, que “a lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis”.
Já o Código do Trabalho dedica mais de dez artigos à greve, definindo, nomeadamente, a quem compete declarar uma paralisação, os prazos dos avisos prévios e que serviços mínimos devem ser assegurados.
No que diz respeito aos serviços a garantir durante a greve, está fixado que em empresas ou estabelecimentos para “satisfação de necessidades sociais impreteríveis” (como é o caso dos transportes), os sindicatos devem assegurar a “prestação de serviços mínimos indispensáveis” para salvaguardar essas necessidades.
Esses serviços mínimos podem ser definidos por acordo entre os representantes dos trabalhadores e os empregadores ou, na ausência desse entendimento, o serviço competente do Ministério do Trabalho convoca essas partes para a levar a cabo negociação.
Na falta de acordo, os serviços mínimos são, então, definidos por despacho conjunto, “devidamente fundamentado”, do Ministério do Trabalho e do Ministério responsável pelo setor de atividade afetado. Ou, tratando-se de empresa do setor empresarial do Estado, por tribunal arbitral.
O Código do Trabalho dita ainda que “a definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade”
“Os representantes dos trabalhadores em greve devem designar os trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços mínimos definidos e informar do facto o empregador, até vinte e quatro horas antes do início do período de greve ou, se não o fizerem, deve o empregador proceder a essa designação”, define-se ainda.
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Então, por que não foram decretados serviços mínimos?
Foi o tribunal arbitral que decidiu, por unanimidade, não decretar serviços mínimos, no caso destas greves de vários dias na CP. Isto por razões de segurança, segundo a decisão.
O coletivo de árbitros presidido por Jorge Bacelar Gouveia considerou que a concretização dos serviços mínimos “se revelou desaconselhável por não se garantir, quanto à percentagem que se julgou como correspondendo à satisfação das necessidades sociais impreteríveis sem, ao mesmo tempo, se aniquilar o núcleo fundamental do direito à greve, os mínimos padrões de segurança dos utentes no acesso às plataformas das estações ferroviárias e no uso das composições, segundo a informação obtida junto da empresa”.
Já num comunicado divulgado esta quinta-feira, reitera-se que “o tribunal arbitral entendeu que decretar serviços mínimos podia colocar em causa a segurança, a integridade física ou até a vida dos cidadãos, pelo que, em nome da centralidade desses bens jurídicos, não o fez, fundando a sua decisão num juízo de prognose, com vista a evitar um mal maior”.
“A CP assumiu a posição de entender que um número reduzido de comboios conduziria ao risco de acumulação descontrolada de pessoas nas estações e nos comboios. Não sendo a ultrapassagem da lotação máxima de ocupação nas estações e nas composições controlável por parte da empresa CP, o tribunal arbitral em caso algum poderia aceitar que a definição de tais serviços pudesse dar azo a acidentes ou a situações de perigo para as populações”, é ainda explicado nesse comunicado partilhado pelo Conselho Económico e Social.
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O PS também apoia a mudança na lei da greve? E a IL?
Os socialistas não tardaram a reagir às declarações de Luís Montenegro. Pedro Nuno Santos falou numa “ameaça inaceitável” por parte do candidato da AD e atirou que o candidato social-democrata “lida muito mal com algumas das maiores conquistas da nossa liberdade, como o direito de os trabalhadores reivindicarem melhores condições remuneratórias”.
“Esta declaração do primeiro-ministro é um insulto à democracia. Há uma greve a decorrer com adesão de 100% dos trabalhadores da CP. O Governo falhou na negociação e agora quer responsabilizar os sindicatos e os partidos. É chantagear, ameaçar os trabalhadores portugueses todos com uma alteração à lei da greve. Isso é inaceitável e quero dizer que não passarão”, assinalou Pedro Nuno Santos.
Em contraste, o liberal Rui Rocha frisou que “não há leis intocáveis“, mostrando-se disponível para avaliar eventuais alterações legislativas, sem pôr em causa o direito à greve.
Importa frisar que qualquer alteração ao Código do Trabalho implica o “sim” do Parlamento. Assim, neste momento (com a Assembleia da República desfeita e o país em campanha eleitora), não é possível avançar com qualquer mudança.
Por outro lado, após a ida às urnas, Luís Montenegro precisaria de contar com o apoio da maioria na Assembleia da República (e as sondagens ainda não o garantem, mesmo somando as intenções de voto da AD com as da Iniciativa Liberal), para passar das palavras à ação.
Proxima Pergunta: E o Presidente da República, como reagiu?
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E o Presidente da República, como reagiu?
O Presidente da República não ficou em silêncio, mas frisou que o país não tem, neste momento, um Parlamento que possibilite qualquer debate sobre mudanças à lei do trabalho. “Depois, logo veremos“, declarou.
Marcelo Rebelo de Sousa disse ainda que “cada um faz a campanha como quer e assume as responsabilidades para o futuro”.