Pacto para as migrações e asilo. O que prevê e o que defendem os partidos?
- Jéssica Sousa
- 30 Maio 2024
Ao fim de anos de negociação, pacto foi aprovado mas com muitas críticas. Novas regras vão reforçar controlos nas fronteiras, acelerar os processos de asilo e também as deportações.
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- Jéssica Sousa
- 30 Maio 2024
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O que é o Pacto para as Migrações e Asilo?
Depois de quase quatro anos de negociações, o Parlamento Europeu aprovou o Pacto para as Migrações e Asilo, uma decisão considerada histórica dada a morosidade e complexidade das medidas propostas, e as diferentes visões no hemiciclo sobre a política migratória. O pacto foi aprovado pelos eurodeputados na última sessão legislativa, em abril, e posteriormente pelo Conselho Europeu.
As novas regras vão reforçar os controlos nas fronteiras externas da União Europeia (UE), reduzir drasticamente as entradas ilegais, sobretudo por mar, acelerar os procedimentos de asilo e também facilitar o regresso a casa (ou deportação) dos migrantes económicos que não forem considerados refugiados, ao mesmo tempo que melhora a gestão e a capacidade das autoridades europeias perante o aumento do fluxo migratório que tem assolado a União Europeia nos últimos anos.
Apesar do feito, tanto a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, como a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, reconheceram que ainda há muito por fazer e que o pacto não irá resolver os problemas ligados à imigração e às ameaças de tráfico humano.
Proxima Pergunta: Em que consiste?
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Em que consiste?
O pacto está assente em quatro pilares essenciais que visam garantir um maior controlo de fronteiras, procedimentos rápidos e eficazes, um sistema maior de solidariedade entre Estados-membros e uma maior integração.
Ao todo foram adotados 10 pactos legislativos:
- Alterações ao regulamento de rastreio (ECRIS-TCN, na sigla em inglês) de pessoas de países terceiros: As pessoas que não reúnam as condições para entrar na UE serão sujeitas a um procedimento de rastreio prévio à entrada, incluindo identificação, recolha de dados biométricos e controlos de saúde e segurança. Este processo deverá decorrer durante um período máximo de sete dias;
- Maior solidariedade entre Estados-membros: Estabelece um novo mecanismo permanente de solidariedade entre os Estados-Membros para equilibrar o atual sistema em que alguns países de primeira linha, como Itália, Grécia ou Malta, são destino do maior fluxo migratório;
- Estandardização dos pedidos de asilo (APR, na sigla em inglês): Estabelece um procedimento comum e obrigatório em todos os 27 para os pedidos de asilo e de regresso ao país de origem em toda a UE;
- Criação de protocolos rápidos para situações de crise dos migrantes, a complementar com assistência operacional e financiamento em casos de emergência;
- Eurodac: Criação de uma base de dados por forma a ajudar as autoridades a combater a migração irregular. Os Estados-Membros serão obrigados a registar no Eurodac as várias situações de migrantes, nomeadamente, os requerentes de asilo; pessoas que tenham atravessado ilegalmente a fronteira externa da UE; pessoas que desembarcaram no país na sequência de uma operação de resgate e salvamento, bem como pessoas encontradas em situação irregular no território de um Estado-Membro e beneficiários de proteção temporária. Tal contribuirá para facilitar a identificação das pessoas e fornecerá às autoridades mais informações que permitirão acelerar os procedimentos de asilo e detetar irregularidades. As informações ficarão guardadas na plataforma durante cinco anos;
- Harmonização das condições de acolhimento em toda a UE;
- Adoção de critérios comuns para qualificar pessoas como beneficiários de proteção internacional;
- Criação da Agência da União Europeia para o Asilo;
- Diretiva Autorização Única: Simplifica o processo de obtenção de uma única autorização de trabalho e de residência para requerentes e empregadores;
- Diretiva Cartão Azul: Ajuda os empregadores a recrutar migrantes altamente qualificados de fora da UE, tornando o processo mais fácil e mais acessível.
Proxima Pergunta: Quais são os pontos positivos?
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Quais são os pontos positivos?
Os partidos têm congratulado, de forma geral, o aumento da partilha de responsabilidades de acolhimento de imigrantes, ao abrigo do mecanismo de solidariedade obrigatório.
A partir de 2026, todos os anos, até 15 de outubro, a Comissão Europeia publicará um relatório no qual avaliará a evolução do fluxo migratório em todos os Estados-Membros. Com base nesta proposta, o Conselho irá criar um Fundo de Solidariedade, que incluirá os compromissos que foram assumidos por cada Estado-Membro e as necessidades previstas para aquele ano. Estas contribuições podem assumir a forma de recolocações (ou seja, aceitar receber fluxos migratórios que chegam a outros Estados) ou contribuições financeiras.
Assim, entre os 27, o Fundo de Solidariedade deverá prever um número mínimo anual de 300 mil recolocações e 600 milhões de euros como o valor mínimo total de contribuições financeiras.
Com este mecanismo, os Estados-Membros podem apoiar os países com maior pressão migratória — como por exemplo Grécia, Itália ou Malta — através de contribuições financeiras, que serão executadas através do orçamento da União, ou voluntariando-se para receber alguns desses cidadãos nas suas fronteiras.
Existem, no entanto, algumas preocupações. Por exemplo, ao abrigo deste mecanismo, os Estados-Membros confrontados com uma “situação migratória significativa” podem solicitar uma dedução das suas contribuições de solidariedade, e nalguns casos, os Estados-Membros podem mesmo pagar para evitar que outro país proponha a transferência de requerentes de asilo para as suas fronteiras, pagando uma taxa de 20 mil euros por requerente de asilo. Ou seja, se um país rico não quiser acolher um imigrante ou requerente de asilo, pode consegui-lo pagando.
Vários Estados-membros, como a Hungria e a Polónia, e partidos na bancada da extrema-direita, manifestaram-se contra este mecanismo, tendo mesmo encetado esforços para que o pacto não fosse aprovado por causa desta proposta.
Proxima Pergunta: Quais são os pontos negativos?
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Quais são os pontos negativos?
Vários partidos políticos e organizações de defesa dos direitos humanos têm alertado para alguns riscos neste pacto, nomeadamente um aumento da detenção de imigrantes, rastreamento e recolha abusiva de informações por via dos dados biométricos — incluindo crianças a partir dos seis anos, quando a Convenção de Dublin previa que fosse a partir dos 14 anos — um crescimento do risco de perfilamento racial e ainda o facto de os Estados-membros terem agora mais condições para rejeitarem as suas entradas ou deportarem os imigrantes para os seus países de origem.
Proxima Pergunta: Quantos imigrantes recebeu a UE nos últimos anos?
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Quantos imigrantes recebeu a UE nos últimos anos?
Os fluxos migratórios, seja por motivos de fuga de guerra ou razões socioeconómicas, têm aumentado de forma significativa nos últimos anos na União Europeia.
Segundo os dados do Eurostat, em 2022, 5,1 milhões de imigrantes entraram na UE provenientes de países terceiros, um aumento de cerca de 117% (2,7 milhões) em comparação com 2021. A Alemanha registou o maior número absoluto de imigrantes (2,1 milhões) enquanto Malta teve a maior taxa de imigração em 2022 (quase 66 imigrantes por cada 1.000 pessoas).
Certo é que muitos desses imigrantes serão oriundos da Ucrânia como consequência da invasão da Rússia, e não necessariamente de países fora da UE, como a Síria, Paquistão, Afeganistão, Sudão ou Eritreia.
Proxima Pergunta: O Pacto pode ser alterado?
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O Pacto pode ser alterado?
Sim, o pacto está pronto para ser transposto. No entanto, os vários grupos políticos com representação no Parlamento Europeu, e mesmo os partidos que os integram, já admitiram avançar com propostas de alterações a algumas das medidas apresentadas. Isso só deverá acontecer a partir de junho, quando começar a próxima legislatura.
Proxima Pergunta: Quando entra em vigor?
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Quando entra em vigor?
Após a aprovação pelo Conselho Europeu, em abril passado, (a última fase) os Estados-Membros têm agora dois anos para pôr em prática a legislação adotada. Ou seja, o Pacto para as Migrações e Asilo deverá entrar em vigor 2026.
A Comissão Europeia ficou encarregue de apresentar um plano de implementação comum para prestar assistência aos Estados-Membros neste processo.
Proxima Pergunta: O que têm dito os partidos?
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O que têm dito os partidos?
Os partidos a nível nacional apontam muitas falhas e críticas ao pacto, e muitos assumem ser mesmo contra a proposta agora aprovada.
Sebastião Bugalho, cabeça de lista da Aliança Democrática, também identifica “deficiências” no acordo, recomendando que se fosse “mais longe” e incluísse, por exemplo, “a concessão de proteção internacional alargada a pais, filhos e irmãos” face ao risco de detenção de crianças, e ainda uma potencial separação de menores dos seus responsáveis. Já a cabeça de lista do PS considera que “o tema das migrações é complexo e multidimensional” e que “o acordo foi o compromisso possível entre perspetivas muito diferentes”. No entanto, Marta Temido alerta para as suas “fragilidades” e recomenda “cuidado” na transposição das medidas. Os dois partidos fazem parte das duas maiores bancadas no Parlamento, o Partido Popular Europeu (PPE) e o Partido Socialista Europeu (PSE), que ajudaram a viabilizar o acordo.
Por seu turno, tanto o Bloco de Esquerda como o Chega assumem ser contra o pacto. Enquanto Catarina Martins diz que o dossiê “agrava o que já era mau”, já que “aumenta o controlo e perseguição de imigrantes e refugiados na Europa”, António Tânger Correia assume que a luta contra o Pacto para as Migrações e Asilo será “prioridade absoluta” do partido e da sua família política no Parlamento Europeu.
Já a CDU, Livre e PAN deixam duras críticas, alertando para o facto de o pacto aumentar uma “visão criminalizadora das imigrações e dos imigrantes”, diz João Oliveira, não “defender os direitos humanos”, aos olhos de Francisco Paupério, e não dar apoio a quem “procura uma melhor qualidade de vida”, segundo Pedro Fidalgo Marques.
Apenas a Iniciativa Liberal mostrou-se a favor do pacto aprovado. Para João Cotrim de Figueiredo, o documento “define uma série de critérios razoáveis e bem pensados” e permite ser “firme com quem não for elegível; e intransigente com as redes de tráfico e exploração laboral”. O Renovar Europa, juntamente com o PPE e o PSE, também ajudou a viabilizar o pacto no Parlamento.