Tribunal reconhece contrato entre estafeta e Uber Eats. O que se segue?
- Isabel Patrício
- 5 Fevereiro 2024
Um tribunal português reconheceu pela primeira vez um contrato de trabalho entre um estafeta e a plataforma Uber Eats. Empresa ainda pode recorrer, mas estafetas falam em "marco histórico".
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O que decidiu o Tribunal do Trabalho de Lisboa?
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O que levou o tribunal a reconhecer o contrato?
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O que acontece agora?
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Que direitos poderá ver reconhecido este estafeta?
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Como reagiram os estafetas a esta decisão?
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Este é caso único?
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Sou estafeta e quero ver reconhecido contrato de trabalho. Como devo proceder?
Tribunal reconhece contrato entre estafeta e Uber Eats. O que se segue?
- Isabel Patrício
- 5 Fevereiro 2024
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O que decidiu o Tribunal do Trabalho de Lisboa?
O Tribunal do Trabalho de Lisboa decidiu reconhecer um contrato de trabalho entre um estafeta e a plataforma Uber Eats Portugal, com início em 1 de maio de 2023, data em que entraram em vigor as alterações à lei do trabalho que vieram abrir a porta a que os estafetas sejam considerados trabalhadores por conta de outrem, em vez de recibos verdes.
É a primeira decisão que se conhece neste sentido de um tribunal português.
Proxima Pergunta: O que levou o tribunal a reconhecer o contrato?
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O que levou o tribunal a reconhecer o contrato?
Desde maio que a lei do trabalho prevê seis indícios que podem levar ao reconhecimento de um vínculo laboral entre os estafetas e as plataformas digitais.
No caso que foi agora decidido, o tribunal deu como provados cinco desses indícios:
- O juiz considerou haver um pagamento regular e periódico ao estafeta, sendo que a plataforma “fixa unilateralmente os montantes a pagar pelas estafetas”;
- Outro indício de laboralidade é que a plataforma exerce o poder de direção e determina regras específicas, na visão do juiz. Por exemplo, a plataforma exige que seja usada uma mochila térmica, “com requisitos mínimos de dimensão, estado de conservação e limpeza e até sugestão de aquisição”, lê-se na sentença.
- Por outro lado, o juiz destacou que “a plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica”.
- Outro indício é que plataforma restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à utilização de subcontratados ou substitutos, isto é, “não permite partilhar as credenciais associadas à conta”.
- E, por fim, “a plataforma digital exerce poderes de exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta“. A sentença detalha: “a plataforma pode temporariamente restringir o acesso à aplicação, ou mesmo desativar a conta em definitivo, no caso de suspeita de violação das obrigações assumidas pelo estafeta”. Ou seja, considera-se que a plataforma exerce poderes laborais.
Proxima Pergunta: O que acontece agora?
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O que acontece agora?
A Uber Eats ainda pode recorrer desta decisão em tribunal. O ECO questionou a plataforma, mas até ao momento não há indicação do que esta irá fazer, nem foi feito qualquer comentário sobre esta decisão do Tribunal do Trabalho de Lisboa.
As plataformas digitais têm, contudo, criticado as alterações que foram feitas à lei do trabalho. “Os estafetas indicam que a flexibilidade e os rendimentos são exatamente as características que mais valorizaram no trabalho através de plataformas. Sendo este o modelo desejado pela esmagadora maioria de estafetas, deve ser preservado e melhorado, não eliminado”, defendeu a Associação Portuguesa das Aplicações Digitais, que junta a Bolt, a Glovo e a Uber.
Proxima Pergunta: Que direitos poderá ver reconhecido este estafeta?
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Que direitos poderá ver reconhecido este estafeta?
Se a Uber Eats integrar mesmo este estafeta, passa aplicar-se o previsto no Código do Trabalho para os contratos de trabalho por conta de outrem, nomeadamente o disposto em matéria de acidentes de trabalho, cessação do contrato, proibição do despedimento sem justa causa, remuneração mínima, férias, limites do período normal de trabalho, igualdade e não discriminação.
Proxima Pergunta: Como reagiram os estafetas a esta decisão?
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Como reagiram os estafetas a esta decisão?
Há estafetas que preferem continuar a passar recibos verdes às plataformas digitais, mas há outros que estão a lutar pelo reconhecimento do vínculo do trabalho. Entre estes últimos, o movimento Estafetas em Luta tem estado em destaque, e o seu porta-voz, Marcel Borges, já se disse contente perante a decisão do Tribunal do Trabalho de Lisboa.
Numa mensagem publicada na rede social Instagram, o porta-voz referiu estar em causa um “marco histórico“, que servirá de “divisor de águas contra a precarização dos estafetas e de todos que trabalham com as plataformas digitais“. “Vamos ver se essa será a grande tendência dos tribunais”, atirou Marcel Borges.
Proxima Pergunta: Este é caso único?
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Este é caso único?
Não. Desde que as alterações ao Código do Trabalho entraram em vigor que a Autoridade para as Condições do Trabalho tem estado no terreno a fazer inspeções e já fez 861 participações ao Ministério Público, ao qual cabe, nos termos legais, intentar, depois, a ação de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre o estafeta e a plataforma.
Além disso, de forma independente, vários estafetas também já avançaram para tribunal contra as plataformas, no sentido de verem reconhecidos vínculos de trabalho. Para março está marcado o julgamento de uma dessas ações (neste caso, contra a Glovo), conforme já escreveu o ECO.
Proxima Pergunta: Sou estafeta e quero ver reconhecido contrato de trabalho. Como devo proceder?
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Sou estafeta e quero ver reconhecido contrato de trabalho. Como devo proceder?
De acordo com os advogados especialistas em lei laboral, os estafetas que acreditem que têm uma relação de trabalho dependente com as plataformas às quais prestam serviços têm duas opções:
- Por um lado, podem fazer-se representar por um advogado e avançar, assim, com o processo de presunção do contrato de trabalho — é o caso do processo que será julgado em março;
- Ou por outro lado, podem pedir à Autoridade para as Condições do Trabalho que inspecione a relação de trabalho e, se forem encontrados os tais indícios, a empresa poderá ser notificada para reconhecer que está em causa um trabalhador por conta de outrem. Foi isso que aconteceu com o caso do estafeta que chegou ao Tribunal de Lisboa. A ACT fez a inspeção e notificou a Uber Eats, que não integrou o estafeta. Um juiz foi chamado ao caso e acabou por decidir que está em causa um vínculo de trabalho dependente.