Subir Lall responde pela primeira vez de forma desenvolvida às acusações de que a troika não resolveu o problema da banca. A estratégia dos críticos, diz, provocaria uma recessão ainda mais grave.
São já várias as criticas à atuação da troika em Portugal, acusando-a de ter ignorado o problema da banca. Desde a avaliação independente do FMI até à recente análise da Comissão Europeia, todos convergem no sentido de dizer que se deveria ter sido mais agressivo na resolução dos problemas do sistema financeiro.
Subir Lall responde pela primeira vez de forma mais aprofundada aos críticos da troika, desenvolvendo os cenários alternativos e tentando responder a esta questão: quais poderiam ter sido os resultados para a economia, caso se tivesse optado pelos caminhos que quem critica defende? Com o mesmo envelope financeiro, já de si muito elevado. E conclui que a recessão seria muito mais elevada.
O problema que na altura era preciso resolver com urgência era o do financiamento do Estado para que Portugal não passasse de um défice de 10% do PIB para zero de um dia para o outro. O problema de Portugal não era financeiro como o da Irlanda. Mas sim, diz, sabia-se que existia um problema de crédito malparado e deixou-se dinheiro de parte para isso. Os bancos não usaram todo? “Pode levar-se um cavalo até à água mas não se pode obrigá-lo a beber” afirma.
Algumas respostas são deixadas propositadamente longas para se seguir o raciocínio sobre um tema que tem sido muito controverso e que merece aqui pela primeira respostas de um dos responsáveis da troika: a abordagem do programa de ajustamento ao sistema financeiro.
Entramos na última parte da entrevista, que é sobre as críticas à troika. Como sabe, existe a avaliação independente do FMI e recentemente foram divulgadas as críticas da Comissão Europeia. Falou-se muito do sistema bancário. O que aconteceu? Não viram o problema? Não queriam ver o problema? Ou o supervisor não vos mostrou o problema?
A visão retrospetiva das coisas é sempre confortável. Estou consciente que há visões diferentes quanto ao que deve ser a abordagem ao setor financeiro. Primeiro, era claro já a altura em que começou o programa [em 2011] que o crédito malparado (NPL) em Portugal era elevado. Para ser justo isso era reconhecido pelos bancos, pelo supervisor e por nós. Todos tínhamos consciência do problema. A questão é que Portugal não estava perante uma crise do sistema financeiro. Na altura existia um problema orçamental e uma interrupção abrupta na entrada de capital no país. O programa de assistência financeira era de montantes muito elevados, cerca de 45% do PIB, que é uma quantia enorme de dinheiro, muito, muito grande.
A questão era: o que atacar na altura quando se tem uma grande quantidade de fundos, mas também um défice de 10% do PIB e uma repentina travagem nos fluxos de capital? E quando o sistema financeiro tinha capital?
Claro que foram feitas algumas intervenções e foi posto dinheiro de parte para a banca. Mas o ponto é a questão que se colocava na altura. Vivíamos um momento em que a crise na zona euro estava bastante intensa e que era claro que ia haver uma recessão em Portugal, porque é isso que acontece quando há uma paragem súbita no fluxo de capitais em simultâneo com um grande défice orçamental. Também é claro que tudo isso teria impacto no sistema financeiro, porque com o abrandamento da atividade económica o crédito malparado (NPL) aumenta. E por isso foi posto dinheiro de lado para ser usado pelo sistema bancário, nos planos de capitalização. Era preciso decidir.
Façamos um exercício: o que aconteceria se não existisse o dinheiro para suavizar a redução do défice público? O défice teria passado de 10% do PIB para zero, de um dia para o outro. Isso seria um ajustamento muito, muito grande. O objetivo foi suavizá-lo. Agora suponhamos que decidimos que, simultaneamente, os bancos deveriam ter sido muito mais agressivos na sua desalavancagem. Se, para além da pressão negativa que já existia sobre o crescimento, forçar uma desalavancagem por parte dos bancos, num primeiro momento está a acrescentar pressão descendente sobre a economia. Suponhamos que punha muito mais capital nos bancos e os forçava a livrarem-se dos seus ativos, isso pressionaria em baixa os preços dos ativos, atiraria muito mais empresas para a falência, o que aumentaria o desemprego e reduziria ainda mais a procura. Isso tornaria o crescimento mais baixo e atingiria novamente os bancos através de mais e novos créditos problemáticos. Perante tudo isto é necessário tomar uma decisão.
Olhando para trás é fácil dizer que deveríamos ter feito isto ou aquilo, porque o problema permanece. Sim, mas se a recessão acabasse por ser ainda mais profunda o problema teria sido maior. A estratégia de redução do défice estaria ameaçada, porque se a economia continuasse a abrandar, a consolidação orçamental possível seria limitada.
Levo em conta o que os críticos da estratégia dizem, mas estão a olhar para a questão apenas parcialmente e não para o quadro geral. E certamente nunca avaliam o impacto macroeconómico e ao nível do emprego e do rendimento de uma estratégia agressiva do tipo que defendem. Além disso, nunca respondem à questão de quanto dinheiro mais seria necessário e de onde viria.
Portanto, não recebemos dinheiro suficiente?
45% do PIB é muito dinheiro.
Sim, mas para os problemas que tínhamos…
Foi por isso que lidámos com o problema imediato, mais urgente. E usamos uma estratégia. Mais uma vez afirmo que quanto ao setor bancário, sempre dissemos que os bancos tinham de lidar com o problema do crédito malparado (NPL), especialmente em grande parte nos bancos privados. Foi feita pressão, foi-lhes dada assistência, colocado dinheiro de lado para resolverem o problema. Era claro que o caminho era o da desalavancagem. Mas não queríamos uma desalavancagem que destruísse o capital social e económico do país.
Porque não aprovaram uma abordagem semelhante à do Blackrock na Irlanda?
Porque Portugal não tinha uma crise financeira. A Irlanda teve basicamente uma crise financeira e não de dívida pública. Entraram na crise com um setor financeiro muito grande, onde o problema surgiu inicialmente. Portanto a questão é: vai lidar com o problema que tem? Ou vai usar uma estratégia que funciona muito bem noutro país, mas que não se aplica a este país?
Era claro que o caminho era o da desalavancagem [da banca]. Mas não queríamos uma desalavancagem que destruísse o capital social e económico do país.
Mas agora vemos que também nós tínhamos um problema financeiro. Tínhamos um problema ao nível da dívida pública, mas também financeiro. O que não tínhamos era dinheiro para lidar com ambos.
Se olharmos para o sistema bancário, a estabilidade financeira foi mantida ao longo da crise e desde então os depósitos mantiveram-se estáveis e os bancos foram adequadamente capitalizados. Provavelmente poderiam ter mais capital. Sim tinham um problema de crédito malparado. Claro que se vivêssemos num mundo com tempo, dinheiro e recursos ilimitados poderíamos resolver todos os problemas ao mesmo tempo. Mas a política económica não é assim, é feita de compromissos, de decisões.
Claro que podíamos ter posto muito dinheiro nos bancos e termos forçado uma desalavancagem, o que teria tido um grande impacto na economia. Mas então como é que lidávamos com o défice orçamental? Porque criámos aqui um problema adicional, porque o défice já era de 10%. Não estou a ver como é que se concilia tudo.
Como sabe os bancos não usaram o dinheiro todo. Porque é que a troika não forçou os bancos a usar o dinheiro?
Há limites para aquilo que podemos fazer. Podemos disponibilizar o dinheiro. Se olharmos para trás, em todos os relatórios dissemos que os bancos tinham de adotar uma abordagem mais rápida para se livrarem do problema do malparado e para desalavancarem. Dissemos que estavam a agir lentamente. É isso que o nosso mandato nos permite fazer. A decisão é dos bancos e dos seus acionistas. O dinheiro estava disponível. Estava lá. Podiam tê-lo usado. Mas provavelmente estavam relutantes em usá-lo porque, com mais dinheiro viria mais escrutínio…
Portanto existe um problema ideológico. [como acusa a avaliação independente do FMI].
Creio que o problema é de governance dos bancos. Por vezes os acionistas não querem abdicar do controlo, não querem enfrentar o problema.
Então não existe um problema ideológico como dizem os críticos?
Os críticos podem dizer o que quiserem. É fácil dizer que deve haver uma razão ideológica porque assim não podemos ter uma discussão com base em argumentos. Assume-se que já há uma posição pré-definida por parte do Estado ou da troika, ou de alguém e é por isso que as coisas foram feitas assim.
É necessário, pelo menos, tratá-los como empresas que agem no interesse dos seus acionistas, que agem para gerar lucros. Se o Estado entrar com a artilharia pesada… Ainda por cima, as regras dos rácios de capital estavam a ser cumpridas e não havia razão para acreditar — tanto nós como o supervisor — que se passava alguma coisa. E não acredito que seja verdade, exceto no caso do banco que sabemos, em que houve fraude. A abordagem correta é identificar o problema e disponibilizar recursos. Ou será que queremos assumir o comando de todos os bancos e consertá-los? Que mensagem é que isso envia às empresas privadas? Pode levar um cavalo até à água, mas não o pode obrigar a beber.
Tal como disse, a abordagem dos bancos foi lenta. Dissemo-lo repetidamente em todos os nossos relatórios, pelo menos no tempo em que aqui estive, que os bancos tinham de ser mais agressivos e que havia margem macroeconómica para o fazer, a partir do momento em que a retoma se deu. Mas não agiram com rapidez suficiente. Para além de enviar sinais, apontar os riscos da sua abordagem, que mais é que uma pessoa pode fazer?
Claro que se vivêssemos num mundo com tempo, dinheiro e recursos ilimitados poderíamos resolver todos os problemas ao mesmo tempo. Mas a política económica não é assim, é feita de compromissos, de decisões.
É fácil olhar para trás e dizer que se as coisas fossem feitas de forma diferente, o resultado teria sido diferente. Claro que teria sido, mas é preciso olhar para o resultado global, o resultado macroeconómico, orçamental, a confiança no sistema bancário, a estabilidade financeira. Os críticos por vezes esquecem que a estabilidade financeira foi mantida, apesar dos reveses. Vimo-lo o ano passado, no ano anterior e atualmente. Os portugueses continuam a ter confiança nos bancos.
Os críticos diziam que esta foi uma recessão muito profunda no emprego. Mas realmente queriam que fosse ainda pior, quando defendem que o foco do programa deveria ter sido o sistema financeiro e não a frente orçamental, quando o problema inicial foi de contas públicas.
A quem devemos atribuir as culpas? À troika, aos supervisores…
Não se trata de atribuir culpas. Isto é uma questão de avançar. Podemos sentar-nos aqui discutir, debater e não chegar a conclusão nenhuma sobre o que poderia ou deveria ter sido feito. E nunca encontrar a resposta certa porque depende dos antecedentes e pontos de vista. A questão é saber o que fazer para andar para frente. Em todos os nossos relatórios falamos disso. Temos de ser prospetivos em relação a isso. Culpar alguém não vai resolver nada. Também temos de ser justos e olhar para aquilo que foi alcançado por Portugal, pelo Governo, pela população em geral. E ter isso em conta antes de fazer uma avaliação muito dura sobre o que poderia ou deveria ter acontecido no passado. É interessante falar sobre isso, mas quando se está no papel de lidar com problemas reais temos de olhar para a frente.
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A alternativa dos críticos da troika seria uma recessão mais grave, alerta Subir
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