“A falta de ambição é uma doença nacional”

Daniel Traça recomenda ambição a Portugal, palavra que escolheu para título do seu novo livro. Apela a que as empresas cresçam e exportem mais e a que o Estado funcione melhor.

O alerta é deixado por Daniel Traça: em Portugal, domina ainda a aversão a falhar e a falta de ambição. Mas, em entrevista ao ECO, o ex-diretor da NOVA SBE e atual diretor-geral da espanhola ESADE apela a que se arrisque mais, isto é, a que as empresas apostem em ganhar escala e em exportar e que o Estado se foque na meritocracia, melhorando o seu funcionamento.

Autor do livro “Ambição. Preparar Portugal para a geração mais bem preparada”, o professor atira também que as empresas portuguesas têm de abraçar a transição geracional, acabando com a eternização dos gestores e aproveitando a informação e o mundo dos jovens que estão a sair das universidades.

Esta é uma de duas partes da entrevista de Daniel Traça ao ECO. Na outra (que pode ler aqui), debruça-se sobre a saída dos jovens portugueses do país, sobre o IRS Jovem e a devolução das propinas e ainda sobre a formação em Portugal.

Tem defendido que as empresas precisam de ganhar escala. Alguns fiscalistas dizem que o enquadramento fiscal de Portugal está construído de forma a penalizar as empresas que ganhem dimensão. Que lhe parece?

Sim, mas há também um tema cultural. Entre os empresários portugueses, a colaboração é difícil. Temos um projeto fantástico, que foi a forma como a indústria do calçado se transformou. Se funcionou tão bem no calçado, devia estar em todos os outros setores, mas não há. Mostra que é difícil, do ponto de vista cultural, construir estas parcerias. Outro tema é a necessidade de acelerar a transição geracional dentro das empresas.

Quer concretizar?

É muito importante que muitos destes gestores, cujo know-how é importante, empoderem mais os jovens para aproveitar a informação, o mundo, a abertura que estes têm para serem capazes de fazer transformação.

Nenhuma empresa vai investir, se pensar que o IRC vai ter hoje 1% ou 2% e amanhã, como o ambiente eleitoral é incrivelmente instável, vem outro partido e repõe os 2%.

Sobre a fiscalidade, é um mau sinal o que vimos há uns meses na Assembleia da República, que foi uma grande polémica em torno de baixar o IRC em apenas um ou dois pontos?

Acho que é um péssimo sinal. Não é só por ser 1% ou 2%. Só faz sentido mudar a política fiscal, se for numa lógica de longo prazo. Nenhuma empresa vai investir, se pensar que o IRC vai ter hoje 1% ou 2% e amanhã, como o ambiente eleitoral é incrivelmente instável, vem outro partido e repõe os 2%. Acho que há aqui uma dimensão do Estado, para a qual vale a pena olharmos, em duas dimensões.

Quais são estas duas dimensões?

O Estado português absorveu uma quantidade enorme das pessoas qualificadas que foram saindo das faculdades. As qualificações no Estado português aumentaram, mas o funcionamento não melhorou muito. E, quando vemos os rankings do Banco Mundial da qualidade da governance e do funcionamento do Estado, perdemos lugares. Acho que é preciso pensar como é que o Estado pode funcionar melhor. Estive no Estado a trabalhar durante muito tempo com pessoas extraordinárias. O tema não não as pessoas.

Daniel Traça, diretor-geral da ESADE, em entrevista ao ECO.Hugo Amaral/ECO

Então, qual é?

O enquadramento administrativo é impossível. Qualquer pessoa que trabalha no Estado hoje, se quer comprar qualquer coisa ou tomar uma decisão, vê que é difícil e isso desencoraja qualquer pessoa. Se, por exemplo, tenho uma equipa e uma pessoa não está a funcionar e quero tirá-la, é impossível. Esta gestão de recursos humanos e o enquadramento administrativo tornam trabalhar no Estado algo incrivelmente desincentivador. Mesmo aqueles que o querem fazer por vontade de mudar o país dizem que isto não é motivador e, portanto, acabam por ir para outros lados. Acho que é preciso pôr uma lógica de meritocracia das pessoas e dos resultados no centro da transformação da forma como o Estado funciona em Portugal.

E sobre a dimensão política, o que tem a dizer?

Por exemplo, a Irlanda tem mudado os governos, mas desde os anos 70 que tem uma estrutura de estratégia económica que está sólida e não muda. Há este conceito de pacto de regime. O que um governo faz hoje só dá resultados, se esse Governo estiver durante tempo suficiente para que as empresas tenham previsibilidade sobre o contexto, e tem de ser acordado por todos. Se não houver um alinhamento entre os grandes partidos portugueses sobre qual o modelo de desenvolvimento que queremos… Essa previsibilidade é fundamental. Portugal tem estado absorvido por esta noção das reformas estruturais. Tem de parar de pensar em reformas estruturais e pensar em estratégia.

Afinal, não precisamos de reformas estruturais?

Quando faço reformas estruturais, parto de princípios mais ou menos ideológicos e digo que agora vou fazer isto. Quando faz estratégia, defino um caminho, os objetivos e, depois, ajusto o que vou fazer de acordo com esses objetivos. Enquanto não houver em Portugal esta noção de que é preciso o mínimo de estratégia e que essa estratégia tem de ser, por um lado, a nível político, partilhada para ser previsível e para dar resultados e, por outro lado, a nível da sociedade, tem de envolver o Estado e as empresas privadas, vamos ter um avanço, sim, mas muito lento.

Usando a palavra que dá título ao seu livro, tem faltado ambição aos governos portugueses?

Tem faltado ambição a todos. É uma doença nacional.

No caso dos governos, porque têm visão curta?

E porque há um tema cultural de falta de ambição. Os portugueses têm medo de pensar em grande, porque têm medo de falhar.

Isto passa-se, quer a nível das empresas, quer a nível dos políticos, que é: não quero prometer muito, não quero entrar em grandes projetos, porque o risco é, se falhar, isto, depois, será mal visto.

É a aversão ao risco?

É a aversão a falhar. Isto passa-se, quer a nível das empresas, quer a nível dos políticos, que é: não quero prometer muito, não quero entrar em grandes projetos, porque o risco é, se falhar, isto, depois, será mal visto. Esta ambição tem três dimensões: é preciso mais ambição nas empresas, no Estado – que implica funcionar melhor – e a nível nacional. Enquanto não houver a perceção de que é o país daqui a 20 anos que interessa pensar, será difícil, porque os partidos políticos, na concorrência do dia-a-dia, vão pensar que não podem perder os votos dos reformados e as próprias empresas não vão investir, porque há demasiada volatilidade.

Falou na Irlanda. Está agora a liderar uma escola de negócios espanhola. Como é que Espanha compara com Portugal, por exemplo, na qualidade de gestão? O que é que podemos aprender?

Espanha tem uma dimensão maior e, portanto, isso facilita as grandes empresas. Espanha teve empresas que estiveram no topo do mundo e querem voltar a ter. Há esta ambição da Espanha liderar o mundo. A ambição tem de voltar um bocadinho para Portugal. Mas também é importante que o façamos numa lógica estratégica para o tentar fazer depressa.

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