Aperto na imigração “é um risco” para o setor do TVDE. “Qualquer alteração pode ter reflexos muito rápidos”

Francisco Vilaça afirma que "é prematuro" prever em que medida mudanças nas regras da imigração vão impactar os TVDE, mas admite que "é um risco", referindo que o setor vive um "equilíbrio sensível".

Francisco Vilaça não arrisca previsões, mas avisa que as mudanças nas regras da nacionalidade e da imigração que estão a ser preparadas no Parlamento podem, sim, impactar o setor do transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataformas eletrónicas (TVDE). Em entrevista ao ECO, o diretor-geral da Uber em Portugal salienta que há um “equilíbrio sensível”, pelo que “qualquer alteração pode ter reflexos rápidos e muito amplificados”.

Já sobre a lei que regula o TVDE em Portugalcuja revisão estava a ser debatida na legislatura anterior –, o responsável admite que podem ser feitas melhorias, como a possibilidade de os motoristas avaliarem os clientes, o fim dos limites à tarifa dinâmica e a possibilidade de os veículos terem publicidade.

Por outro lado, quanto à relação entre a Uber e os estafetas, Francisco Vilaça destaca que muitos dos casos que têm chegado aos tribunais para o reconhecimento de contratos de trabalho têm partido não dos estafetas, mas da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). E atira que é possível conjugar a flexibilidade com os direitos sociais, mesmo numa relação que não a de trabalho por conta de outrem.

Há uma total desproporção em termos do que é o mediatismo do TVDE e a efetiva segurança que o TVDE transmite nas suas viagens.

Assumiu o cargo de diretor-geral da Uber em Portugal em maio de 2022. Qual foi o maior desafio que encontrou nestes três anos de liderança?

O maior desafio que encontrei foi a adaptação a um mercado que mudou muito ao longo destes três anos. Em 2022, o mercado estava a sair do período da Covid-19 e a ser impactado muito rapidamente pela guerra na Ucrânia e a crise energética. Havia um desequilíbrio muito grande entre a procura e a oferta de serviços TVDE. A indústria automóvel teve grandes disrupções nas cadeias de abastecimento. Era muito difícil os parceiros e os operadores da TVDE conseguirem obter veículos. Portanto, ao longo do primeiro ano, houve uma evolução para conseguir um crescimento da oferta, que permitiu melhorar a experiência do utilizador. Esse foi o primeiro grande desafio.

E mais recentemente?

Outro desafio foi lidar com o volume de notícias relacionadas com eventos de segurança. Várias foram desmascaradas. Foi sobretudo em 2023 que vimos isso. O nosso trabalho foi mostrar ao público as nossas ferramentas de segurança, que hoje são mais de 20. Temos processos altamente robustos, que permitem trazer ao utilizador aquilo que é o protocolo de segurança mais robusto de qualquer serviço de mobilidade. Uma pessoa que hoje faz uma viagem na Uber está protegida, por, antes de uma viagem, o motorista ter passado por reconhecimento facial e verificações documentais (nomeadamente, o registo criminal). Durante a viagem, há também a verificação se a viagem desvia ou não do trajeto. E acabámos de lançar a gravação áudio para, em caso de incidente de segurança, o utilizador também poder usar isso como apoio na investigação.

De forma clara, nega que haja problemas de segurança na Uber, apesar das notícias que relatam incidentes?

O que consigo garantir é que há uma total desproporção em termos do que é o mediatismo do TVDE e a efetiva segurança que o TVDE transmite nas suas viagens.

Francisco Vilaça, diretor-geral da Uber em Portugal, em entrevista ao ECO Hugo Amaral/ECO

Na legislatura anterior, estava a ser preparada uma revisão da lei do TVDE. O país foi a eleições, mas o Governo mantém-se e é, portanto, expectável que as mudanças voltem a estar em cima da mesa. Que impacto poderão ter no setor?

O primeiro princípio que acreditamos que deve prevalecer é o do equilíbrio. O setor hoje tem dezenas de milhares de motoristas e dezenas de milhares de empresas, que dependem dele. Assim como milhões de utilizadores, sobretudo portugueses, que encontram no TVDE o seu seguro de mobilidade diariamente. Algo que, junto com o transporte público, lhes permite dar solução a todas as suas deslocações, deixando cada vez mais o carro em casa. É muito importante garantir que não se geram disrupções que possam pôr em causa este equilíbrio, que é muito sensível. Mas é importante, sim, focar nas melhorias que se pode trazer ao setor.

Quais?

Há melhorias que podem trazer diretamente melhor rendimento aos operadores e aos motoristas, como seja a possibilidade de os operadores poderem fazer publicidade no interior ou no exterior dos veículos. Provavelmente, este é dos únicos setores que estão impedidos de fazer isto. Depois, as limitações à tarifa dinâmica. Uma tarifa dinâmica prevalente não é a correta. Mas permite que, à saída de um evento muito concentrado, os operadores tenham um incentivo a estar lá presentes e quem precisa realmente consegue ter essa viagem.

Noutros países em que não há limitação da tarifa dinâmica, permite concentrá-la muito mais, ou seja, em vez de a tarifa dinâmica existir em muito maiores períodos de tempo, concentra-se muito mais geograficamente e temporalmente.

Hoje, a tarifa dinâmica pode chegar, no máximo, a 100% do valor da tarifa normal. A proposta que esteve no Parlamento passava por eliminar esse travão. Que diferença é que isso poderia fazer nos preços praticados? Poderia haver um disparo dos preços nessas ocasiões?

Noutros países em que não há limitação da tarifa dinâmica permite concentrá-la muito mais, ou seja, em vez de a tarifa dinâmica existir em muito maiores períodos de tempo, concentra-se muito mais geograficamente e temporalmente, porque consegue equilibrar muito mais rapidamente a oferta e a procura e normalizar o mercado com maior reatividade.

Mas não resultaria num disparo dos preços?

Isso nunca seria de todo o objetivo. Aí é muito importante que haja o outro lado: garantir que, estruturalmente, a oferta está adequada à procura. Se temos uma procura muito elevada, é necessário que a oferta continue a poder adaptar-se. Que mais motoristas e pessoas que queiram chegar a esta atividade possam chegar de forma célere, com as menores barreiras possíveis, demonstrando a sua aptidão a prestar este tipo de serviço.

Francisco Vilaça, diretor-geral da Uber em Portugal, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Outra das propostas passava por permitir que o utilizador selecionasse o português como língua do motorista. Que lhe parece essa opção?

Hoje, na Uber, quando pede uma viagem e é atribuído o motorista mais próximo, dentro das preferências que demonstrou, já está manifestado quais são os idiomas que o motorista domina. Consegue, através disso, tomar uma decisão informada de manter a viagem ou não.

Mas criar um serviço, dentro da plataforma, só com motoristas que falam português ou inglês não está em cima da mesa? No fundo, semelhante ao que fizeram agora com o serviço que permite escolher só motoristas mulheres.

Neste momento, não.

Portanto, se a lei não avançar, não ponderam criar esse serviço com motoristas que falem português.

É muito importante avaliarmos de outra forma. O utilizador, quando requer um produto, procura um objetivo muito específico. Quando escolhe Uber X, procura deslocar-se o mais rapidamente possível de A a B. Quando procura Uber Black, procura os melhores motoristas que estão na plataforma Uber. É nesta segmentação de produto que os utilizadores encontram hoje a resposta às suas necessidades.

Outra das medidas que estavam em cima da mesa era o fim da proibição de os motoristas avaliarem os utilizadores. Que relevância é que teria para a Uber ter essa possibilidade? E que balanço faz dos outros países onde já existe essa possibilidade?

É da maior justiça poder haver avaliação de parte a parte. Permite que os utilizadores sejam avaliados e, portanto, também tenham aí um incentivo a estarem dentro do veículo, de acordo com regras convencionais de bom comportamento. Dessa forma, esse tipo de avaliação é muito benéfico para motoristas. Para os utilizadores, acreditamos que isso também permite que coletivamente a indústria melhore de qualidade e garanta que haja uma melhor experiência para todos.

É importante mantermos a possibilidade de ser uma porta aberta para quem chega a Portugal ou quem procura rendimento.

Vamos à imigração. No último ano, o Governo tem apertado as entradas de estrangeiros em Portugal. Isso tem impactado o vosso fluxo de motoristas e estafetas?

Sobre estafetas, não serei a melhor pessoa para falar. Em relação a motoristas, ao longo destes três anos em que estou à frente do negócio em Portugal, o crescimento tem sido permanente. É uma indústria que está a entregar opções de rendimento atrativas, constantes e consistentes a uma população cada vez maior. As alterações mais recentes são muito recentes para conseguirmos avaliar o impacto que poderão vir a ter. Acreditamos que a indústria há de se adaptar às necessidades, com a importância de mantermos a possibilidade de ser uma porta aberta para quem chega a Portugal ou quem procura rendimento. O TVDE permite ter, de forma regulada, rendimento que é a primeira base para a integração de qualquer pessoa na nossa sociedade.

Julgo que, noutra ocasião, disse que cerca de 60% dos motoristas da Uber falam português.

Os números oficiais que o IMT emitiu são de que 74% dos motoristas ativos em Portugal são de países de língua oficial portuguesa, dos quais 50% eram portugueses.

Essa percentagem tem-se mantido estável ao longo dos anos?

Esse retrato, como foi traçado pelo IMT recentemente, não permitiu o histórico.

Tendo em conta que as pessoas de países de língua portuguesa são uma fatia tão significativa, as regras que estão agora a ser debatidas no Parlamento, que também limitam a entrada destas pessoas, podem de alguma forma impactar o setor?

Da mesma forma que outros setores manifestam o risco de poder haver impacto, poderá também vir a impactar a nossa indústria, dependendo de quão restrito seja a entrada e os volumes de imigração. Neste momento, é prematuro dizer em que medida e em que dimensão isso poderá acontecer. Mas é naturalmente um risco. Voltando ao equilíbrio muito sensível da indústria, qualquer alteração pode ter reflexos muito rápidos e muito amplificados, neste caso do lado da oferta.

Francisco Vilaça, diretor-geral da Uber em Portugal, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Em relação aos estafetas, creio que, neste momento, não há dados sobre as nacionalidades.

Creio que não, porque, neste momento, não existe um regulador.

E dados internos?

Não sou a pessoa indicada.

Ainda assim, insistindo nos estafetas, a lei de 2023 que veio abrir a porta a que estes sejam considerados trabalhadores das plataformas tem, de alguma forma, impactado o investimento da Uber em Portugal?

No setor TVDE, estamos absolutamente comprometidos com o país, com o crescimento do nosso negócio no país e em trazer valor económico e social ao país. Isso tem sido algo claro, que tem acontecido desde que a Uber entrou em Portugal, mais do que triplicando a faturação do setor e trazendo também com isso um aumento enorme da receita fiscal. Do ponto de vista de entregas, não sou a pessoa certa, mas acredito que a nossa política é trazer valor. Em 2024, conjuntamente, a Uber Eats e a Uber trouxeram aos parceiros que colaboram na plataforma — restaurantes, estafetas, operadores de TVDE, motoristas de TVDE — mais de 900 milhões de euros em rendimento e faturação atingida. Queremos que continue assim.

A nossa posição é que o trabalho em plataforma, a flexibilidade e a independência não são incompatíveis com maiores direitos e proteção social.

Na última conferência de imprensa que deu, referiu as três decisões do Supremo Tribunal de Justiça sobre o trabalho nas plataformas e, portanto, sabe que não tem havido consenso nos tribunais. Como é que vê esta falta de consenso, com o próprio Governo a admitir revisitar a lei?

Nenhum destes casos foi iniciado por estafetas. Foram iniciados pela ACT. Na primeira instância e na relação, em muitíssimos casos, os tribunais deram razão à Uber, focando no facto de o trabalho de plataforma ter flexibilidade, independência e a possibilidade de estar feito a escolher com que plataforma trabalhar, em que horários, de que forma, e que outros trabalhos ter. A nossa posição é que o trabalho em plataforma, a flexibilidade e a independência não são incompatíveis com maiores direitos e proteção social. Os dois podem existir de lado a lado.

Mas pretendem ajustar a vossa relação com os estafetas, tendo em conta também que existe uma diretiva europeia que vem regular esse elo?

O caminho certo preserva a flexibilidade e a independência e traz maior proteção e direitos.

A Uber, enquanto plataforma de serviço de mobilidade, tem serviço para toda a gente. O facto de ter uma subcategoria, que traz uma personalização no serviço, não invalida o princípio maior de não discriminação.

Esta semana arranca o novo serviço exclusivo para mulheres. Não teme que o IMT venha a questionar a legitimidade deste novo serviço e vos acuse de discriminação?

Acreditamos que não. A Uber, enquanto plataforma de serviço de mobilidade, tem serviço para toda a gente. O facto de ter uma subcategoria, que traz uma personalização no serviço, não invalida o princípio maior de não discriminação. Existe uma segmentação da oferta, mas nunca uma negação de entrada na plataforma.

Um dos vossos objetivos é atrair mais motoristas mulheres. Por que é que hoje não é atrativo para as mulheres trabalhar na Uber?

Não acreditamos que não seja atrativo. Temos tido muitos relatos de mulheres muito satisfeitas com a atividade, como mulheres que encontraram aqui a primeira atividade económica após muitos anos de não atividade, por ser uma atividade que permite conciliar com vidas familiares complexas. Mas existe um desequilíbrio: 9% dos motoristas ativos em Portugal serem mulheres demonstra que existe aqui uma barreira à entrada. É aí que queremos trabalhar. Retirar essa perceção de que existe algo na atividade que não é para uma mulher, e, sim, trazer o “Women Drivers” como o primeiro ponto de contacto para agilizar a entrada.

A Uber, além disso, tem um centro de excelência em Portugal. Quantas pessoas têm na equipa?

Temos estado sempre bastante estáveis em torno das 500 pessoas, que anunciámos no momento do lançamento.

Há algum reforço previsto?

Neste momento, os nossos planos passam por manter o investimento e continuar a apostar na qualificação das pessoas que temos.

E abrir um novo centro, por exemplo, no Porto?

Essa dispersão geográfica não faz sentido. Faz sentido termos a operação concentrada, pela integração das equipas e a troca de conhecimento na presença no mesmo local.

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