O líder da Associação de Limpeza Urbana afirma que este é um fator de competitividade para as cidades, mas aponta desafios recentes como o crescimento do turismo.
Luís Almeida Capão, presidente da direção da Associação Limpeza Urbana, mostra-se satisfeito por a limpeza urbana ser, na sua ótica, cada vez mais vista como um “ativo” e fator de competitividade para as cidades, numa semana em que o Porto recebe o sétimo Encontro Nacional de Limpeza Urbana.
Contudo, reconhece desafios como o aumento de população nas cidades, nomeadamente através do turismo, mas também as dificuldades de financiamento e implementação de sistemas de recolha estilo poluidor-pagador, que cobram a cada cidadão consoante o lixo que produz. Defende que a valorização energética dos resíduos pode ser uma solução interessante não só para diminuir a pressão sobre os aterros como também para colmatar dificuldades de financiamento.
Que avaliação faz da limpeza urbana em Portugal?
Uma cidade limpa é uma cidade muito mais interessante para viver, para criar empresas, para visitar e, no limite, para nos fixarmos enquanto cidadãos. Portanto, fica um território bastante mais valorizado. A limpeza urbana passou a ser vista como um ativo e não como um overhead [custo]. Tem sido um fator de crescimento quer da credibilidade das autarquias, quer da fixação nestas e competitividade das mesmas.
Embora esteja a relatar uma evolução positiva, a questão da limpeza urbana, por exemplo em Lisboa, tem sido sobretudo fonte de críticas, nos últimos tempos. As críticas justificam-se?
Em algumas situações, sim, porque é impossível, quer em termos humanos quer em termos materiais e de investimento, resolver situações que dependem muito daquilo que é o comportamento cívico dos cidadãos. O processo de gentrificação e a falta de identidade com o território de muitas pessoas que nele vivem ou que nele passam, promovem situações caricatas do ponto de vista de comportamentos cívicos, como o abandono de resíduos ou o abandono de móveis em qualquer lado, só porque dá imenso trabalho chamar os serviços que as autarquias — praticamente todas — têm, que são serviços que em 24 horas fazem recolhas gratuitas. Muitas vezes tem a ver exatamente com a falta de identificação com os locais onde estão, ou simplesmente com uma educação ambiental que não foi de todo tida em conta.
Muitas vezes as autarquias não têm capacidade de dar uma resposta tão rápida, tão atempada [na limpeza urbana] ai aumento da população, seja temporária ou permanente. O concelho de Lagos, o concelho de Albufeira e outros concelhos de Portugal têm, em alguns períodos do ano, o dobro, o triplo ou o quadruplo da população
Na sua opinião, os problemas da limpeza urbana são sobretudo problemas de comportamentos cívicos e não da qualidade dos serviços. Não há forma de melhorar os serviços?
Claro que sim. Uma greve, uma paralisação, uma falta de competência técnica na gestão desses serviços ou uma falta de eficiência e eficácia, muitas vezes também leva, em algumas alturas do ano, a que as pessoas sintam que não vale a pena reciclar, não vale a pena limpar, porque as coisas continuam sujas. O mais importante é que sentimos que tem havido uma evolução, e as duas coisas [cidadãos e autarquias] estão a trabalhar no mesmo sentido. Mas se as pessoas falham nos comportamentos, as autarquias são penalizadas e a mesma coisa no sentido contrário.
Então, na sua visão, quais são os principais obstáculos a que hoje se consiga fazer uma melhor limpeza urbana?
Para já, o aumento exponencial das pessoas que visitam os concelhos. Muitas vezes as autarquias não têm capacidade de dar uma resposta tão rápida, tão atempada a esse aumento da população, seja temporária ou permanente. O concelho de Lagos, o concelho de Albufeira e outros concelhos de Portugal têm, em alguns períodos do ano, o dobro, o triplo ou o quadruplo da população, e esta adaptação muitas vezes não consegue ser prevista com antecedência. Há autarquias que conseguem ser bastante mais rápidas a dar resposta, seja pela contratação de empresas privadas, seja através dos próprios meios, e há outras que demoram um pouco mais de tempo, seja por falta de massa crítica, seja porque muitas vezes há questões como a educação, segurança ou como a habitação que são muito mais alarmantes do ponto de vista de investimento do que a limpeza urbana.
Quais são então as soluções que temos disponíveis e que considera melhores para colmatar esses desafios?
As soluções que temos neste momento disponíveis têm a ver muito com as novas tecnologias de limpeza urbana. Acima de tudo, os sistemas para grandes eventos como o sistema de depósito e retorno, em que pessoas podem comprar copos e depois ser ressarcidos pela devolução desses copos. Temos também os ecocentros móveis ou os ecocentros fixos, que são equipamentos que nos permitem, em vários pontos de algumas cidades, reciclar um determinado tipo de resíduos que não sabíamos antigamente onde é que os púnhamos. Por exemplo, lâmpadas ou cerâmica. Há ainda a questão do design urbano. Há uma maior preocupação dos fabricantes em fazer veículos, por exemplo, menos ruidosos, menos poluidores, mas também equipamentos que ficam mais integrados naquilo que é o ambiente urbano, e não sejam monos, como eram antigamente.
Então, onde é que deveríamos estar em termos de limpeza urbana? Qual é a referência que faz sentido olhar hoje em dia?
A referência realmente vem muito de países onde há uma maior capacidade de fiscalização. Países que investem desde sempre na educação ambiental, há décadas, e que conseguem ter um sistema de fiscalização e um sistema de contraordenação mais eficaz. Em Portugal, em Espanha e em França tem-se verificado bastante mais difícil do que noutros países, como, por exemplo, a Suíça, a Alemanha ou até o Japão. Mas eu temo que este tenha de ser um princípio que tem de ser revertido e que, de um dia para o outro, as autarquias tenham alguma forma de resolver este problema, que é começar a ter uma mão mais forte para aqueles comportamentos que são mais desrespeitosos daquilo que é a vida de uma comunidade.
Em que pode consistir essa “mão mais forte” de que fala? Esse sistema de fiscalização e penalização, como é que funcionaria melhor?
Funcionaria de uma de duas maneiras. Ou regulamentos municipais ou uma lei nacional que previsse contraordenações para maus comportamentos de determinada tipologia, e desse liberdade depois às autarquias ou à polícia de segurança pública ou a outros órgãos de fiscalização que sejam definidos para o efeito poderem intervir, com meios próprios; ou algo bastante mais interessante, como o poluidor-pagador. Que permitisse de facto que eu, na minha casa, recebesse no final do mês um crédito ou um balanço entre os bons comportamentos que eu tinha e os maus comportamentos. Quanto mais eu reciclasse, menos pagava.
Há dez anos que a Alemanha não tem aterros. Grande parte dos resíduos são transformados em valorização energética com níveis de poluição praticamente nulos.
Já há metas para os sistemas de poluidor-pagador a nível nacional [PAYT- Pay As You Throw]. O que poderia desbloquear para de facto serem realidades mais gerais no país?
Para já tem de haver uma capacitação dos municípios do interior, que têm áreas enormes e têm imensa dificuldade em investir na área da limpeza urbana. É muito difícil para municípios como Évora, Odemira ou outros municípios com grandes áreas. Aqui tem de haver um investimento, um financiamento do governo para que estas autarquias com menos capacidade possam investir nestas soluções. E depois é analisar autarquia a autarquia, qual é aquela solução que se adapta melhor. Consoante a metodologia indicada para cada município e consoante a capacidade financeira de cada município e de cada sistema de gestão, deve haver financiamento por parte do governamental, porque há municípios que simplesmente não têm capacidade de fazer isso.
Esses sistemas não são sustentáveis economicamente?
Muitos deles não são, em territórios com pouca capacidade [de investimento] e pouca massa crítica. Territórios onde haja poucas pessoas a viver e muita dispersão entre essas pessoas, implementar um sistema destes é caro, o custo financeiro dessa implementação acaba quase por não compensar. Ao contrário, por exemplo, cidades com alta densidade, em que o retorno é bastante mais imediato.
O Governo assinalou no início do ano [março] que os aterros estavam a chegar ao limite e lançou inclusivamente um plano para combater esta situação. As medidas anunciadas na altura parecem suficientes para colmatar o problema? Como tem corrido a implementação deste plano?
O plano acabou de ser apresentado. É de facto um problema premente que existe em Portugal. Realço acima de tudo a valorização energética dos resíduos, que permita dar maior independência do ponto de vista energético. Ao mesmo tempo, é também um mecanismo de financiamento dos próprios sistemas de recolha, um mecanismo de financiamento da fiscalização da reciclagem, do aumento de pontos de reciclagem e da própria educação ambiental. Um exemplo: há dez anos que a Alemanha não tem aterros. Grande parte dos resíduos são transformados em valorização energética com níveis de poluição praticamente nulos e conseguem ter cerca de 80 postos de abastecimento de combustíveis a hidrogénio, resultado exatamente na maioria dessa queima e valorização energética de resíduos.
Considera então que as medidas no plano são suficientes e são adequadas à situação, mas o que falta aqui é o financiamento, é isso?
Acho que as medidas são muito positivas. É para já o que se consegue fazer a curto prazo. Mas acho que deve haver um reinvestimento naquilo que são medidas de redução da produção de resíduos. Nomeadamente, a promoção de novos negócios do âmbito da economia circular.
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“Aumento exponencial das pessoas que visitam os concelhos” pressiona limpeza urbana
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