Fundada em 2014, a Chic by Choice - empresa de e-commerce -- teve de remodelar o negócio, mudar o modelo e despedir toda a equipa. Todos os passos da startup contados pelas fundadoras.
A nomeação da Forbes, a mudança do modelo de negócio e a contratação de uma empresa de outsourcing para assegurar operação enquanto ainda negoceiam o futuro da empresa. Pela primeira vez, Filipa Neto e Lara Vidreiro, fundadoras da Chic by Choice (CbC), falam publicamente da situação da startup e de como a dinâmica destas empresas leva sempre os empreendedores a estarem “em bicos de pés”.
Aluguer de vestidos indisponível, telefone desligado, prejuízos de um milhão em 2016. Uma empresa fantasma destacada pela Forbes. Como é que isto acontece?
Filipa Neto (FN): Partindo a história aos bocadinhos: a partir de julho de 2017, a Chic by Choice passou de um modelo de aluguer de vestidos para um modelo de venda de vestidos. E isto advém de uma ronda de investimento que esteve em negociação.
Lara Vidreiro (LV): No fim do ano de 2016, início de 2017, tínhamos uma proposta de investimento internacional em cima da mesa para uma ronda Series A — rondas que andam entre os três e os cinco milhões de euros, normalmente –, de um investidor do Reino Unido que, por um lado, permitiria validar que a empresa estava no caminho certo e que, por outro, iria suportar as operações, o crescimento da Chic by Choice.
FN: Em relação à questão do prejuízo, num contexto de startup, a razão pela qual as startups levantam investimento é justamente para conseguirem imprimir um ritmo de crescimento elevado. E é este ritmo de crescimento elevado que, no caso do aluguer de vestido e no caso da Chic by Choice (CbC), implicava criar uma categoria que não existia no mercado. E portanto, criar uma nova categoria a um nível e a uma velocidade a que a CbC estava a criar — a empresa cresceu 90% em 2016 face ao ano anterior — só seria possível com um elevado investimento. Estes prejuízos só são possíveis por haver um elevado investimento.
Ter grandes investimentos e grandes prejuízos é uma característica de startups?
FN: É preciso distinguir aquilo que é um universo e um contexto normal de uma startup: uma empresa que está a ser criada para criar um novo mercado, disruptiva e que, até ter escala, precisa de alcançar e de ter estas rondas de investimento para crescer muito rápido. E isso implica, neste caso, que tenhas prejuízo. Este prejuízo vem da capacidade de investimento que a empresa levantou. As startups levantam investimento, muitas vezes, para poderem fazer estes ritmos de crescimento elevados, que depois tem como resultado a questão do prejuízo, porque é um crescimento que não é orgânico. No fundo, a questão é saber como é que aceleramos o crescimento do mercado. Uma startup implica uma série de pressupostos — ser disruptiva, de rápido crescimento, escalabilidade grande até se tornar sustentável — e esta grande escala, muitas vezes, implica investimentos avultados até se chegar ao objetivo. E prejuízos avultados até se chegar lá. Por isso, ouvimos falar nas rondas de milhões. As rondas de milhões, regra geral, são prejuízos de milhões até se atingir a escala que permite a sustentabilidade. Um modelo similar ao da CbC, nos Estados Unidos, teve resultados negativos, e levantou 180 milhões de investimento. Teve resultados negativos até ser sustentável. A Rent the Runway passou pelas fases todas de investimento — em que a primeira ronda, como estamos a falar de mercados diferentes, foi de 20 milhões. São escalas diferentes mas é preciso percebermos que uma empresa que hoje em dia tem rentabilidade e é sustentável, com o mesmo modelo de negócio, para se tornar sustentável levantou 180 milhões de capital. Para se tornar sustentável. Tem de ser dado um pouco de contexto do que é que é este mundo de startups, o que são e essas questões únicas.
LV: Só para termos uma ideia, a Amazon demorou sete anos até deixar de ter prejuízo. São empresas com o mesmo objetivo, em termos de forma de crescer, do que o da Chic by Choice. São este tipo de paradigmas que também é preciso esclarecer e é preciso falar no contexto certo.
" As rondas de milhões, regra geral, são prejuízos de milhões até se atingir a escala que permite a sustentabilidade [da startup].”
LV: E, além disso, em termos de contexto: na altura em que isso aconteceu, havia uma term sheet, um acordo de oferta de investimento que estava em cima da mesa, concreta, já negociada, e que estaria para acontecer em conjunto com investidores nacionais, com dois investidores nacionais. E que, por questões de timings, esse acordo de investimento caiu por terra.
FN: O fundo de investimento internacional, que tem reputação nesta área — é um fundo do reino Unido — esteve em negociações com um fundo nacional durante cerca de seis meses. Para negociar uma term sheet conjunta que seria um valor de investimento igual para os dois, um valor acordado entre os dois e de condições semelhantes. O que aconteceu foi que, independentemente do fundo nacional estar disposto a avançar, o fundo internacional disse: estamos há bastante tempo à espera de apresentar uma term sheet conjunta, sabemos que queremos investir no negócio e vamos apresentar os termos. Portanto, a Chic by Choice estava, no fundo, posicionada.
A Rent the Runway passou pelas fases todas de investimento — em que a primeira ronda, como estamos a falar de mercados diferentes, foi de 20 milhões. São escalas diferentes mas é preciso percebermos que uma empresa que hoje em dia tem rentabilidade e é sustentável, com o mesmo modelo de negócio, para se tornar sustentável levantou 180 milhões de capital. Para se tornar sustentável.
LV: E, em termos de portas futuras, iria ajudar no mercado do Reino Unido…
FN: Tinha a equipa certa, o investidor internacional certo. E o que infelizmente aconteceu foi que, apesar de existirem negociações com um investidor nacional, o deal não foi fechado em tempo útil por questões de timing.
Como é que uma negociação demora tanto tempo?
FN: Em formalizações. Havia um interesse, chegaram a existir emails de como coordenar os termos e condições — porque já havia termos e condições propostos pelo fundo do Reino Unido. Havia um fundo que esteve durante estes meses todos a negociar. E o que aconteceu foi, em termos de timings, não se chegou a um acordo conjunto, dentro do período que seria razoável para o investidor internacional. Há uma altura em que o investidor internacional diz: “não temos condições para continuar à espera”.
LV: Isso aconteceu no segundo trimestre do ano passado. O que nos deixou, em termos de timings, com muita dificuldade em começar um novo processo de investimento, novamente. Tínhamos tudo programado, as coisas estavam completamente de acordo com o nosso roadmap — também de investimento — que tínhamos feito no início de 2016 e, portanto, foi muito complicado para nós, em tão pouco tempo útil, conseguir negociar um novo processo de investimento.
Acham que é uma questão de amadorismo?
FN: Acho que a questão é mais profunda e tem a ver com contexto da própria instituição. Ou seja, havia um contexto muito próprio, durante aquele trimestre daquela instituição. Havia a vontade mas a formalização não chegou a acontecer. Portanto, muitas negociações, muitos emails.
E não conseguiam avançar com os que já tinham?
FN: Não, porque o investidor internacional não tinha interesse em aceitar esse acordo, estava a falar há seis meses com este fundo.
LV: No fundo existiu um acordo, de palavra, reuniões, e existia também uma ânsia de começarem a fazer investimentos com este fundo. São parcerias e laços que querem criar com investidores internacionais e esse também é um dos pontos para investirem em empresas de fora do país. Seria ótimo para o ecossistema que esse investimento tivesse acontecido, iria abrir portas a outras empresas e criar novas oportunidades, mas infelizmente não aconteceu. Em julho tivemos de rever e repensar todo o modelo da Chic by Choice.
FN: Ou seja, passámos de pensar que íamos capturar um investimento que muito poucas startups conseguem para passarmos de ter que, no fundo, reestruturar uma equipa de forma completa, mudar operacionalmente o negócio, mencionando que o aluguer estava indisponível e que, o que fazemos agora é a venda de vestidos, a preço de saldo. Isto também porque existiam negociações: a Chic by Choice era conhecida por alugar vestidos e, portanto, o que fizemos foi, com sentido de responsabilidade, reestruturar completamente uma operação para ter custos muito mais reduzidos e continuar a ter a marca ativa e continuar a ter clientes. Era importante fazer exercício das nossas responsabilidades.
E também para aproveitar os ativos?
FN: Para recuperar a parte toda que tinha sido acumulada em termos de passivo. A questão aqui foi garantir que, por um lado, a CbC reduzia de forma drástica os custos operacionais. Por outro, conseguia continuar a fazer a entrada de capital. E garantindo também que seria relevante para outros players com os quais podia fazer parcerias. Em julho, estávamos num contexto em que ainda estávamos envolvidas na empresa. E a tentar encontrar soluções dentro deste mesmo âmbito: de continuarem a estar envolvidas na empresa porque a empresa é líder de mercado e, portanto, existiriam outras empresas interessadas em comprar a operação ou, em conjunto, continuar uma operação. Isto aconteceu durante bastante tempo — houve várias conversas — e chegamos a outubro.
"O que fizemos foi, com sentido de responsabilidade, reestruturar completamente uma operação para ter custos muito mais reduzidos e continuar a ter a marca ativa e continuar a ter clientes. ”
Antes disso, em outubro de 2016, a Portugal Ventures (PV), um dos investidores da CbC, abandona a administração da empresa. Poderia ser um sinal de que eles podiam ter dúvidas em relação à viabilidade do negócio?
LV: Foi meramente porque a pessoa que estava a acompanhar a empresa saiu da PV, foi trabalhar para outro sítio, e entretanto não houve nenhuma nomeação. Não nos foi passado qualquer contexto. E achamos que isso é uma pergunta relevante para fazer aos investidores e portanto, não nos cabe a nós.
LV: Acho que, nessa altura, tínhamos conversações frequentes com esse fundo, portanto as coisas estavam a avançar bem, até que recebemos a term sheet no final desse ano. Foi mesmo uma questão operacional da qual não temos conhecimento.
FN: Mas a Portugal Ventures continua a acompanhar presencialmente as reuniões. Apesar de não estarem na administração, sempre estiveram envolvidos nas reuniões e nos debates e, portanto, mesmo no momento em que existiu a term sheet em cima da mesa, foi confirmado que eles teriam disponibilidade para acompanhar. Havia a possibilidade de acompanhar até um valor limite.
E isso cobria o investimento total?
FN: A parte nacional restante não. Seria um valor que eles determinaram.
LV: A Portugal Ventures iria fazer parte da ronda. E isso é um voto de confiança de que o negócio faz sentido para eles a nível de sustentabilidade.
FN: É um ponto importante porque, quando se está a levantar capital no estrangeiro, um investidor nacional é um selo de qualidade. E, por exemplo, quando temos fundos de investimento nacionais que vão negociar com fundos internacionais durante seis meses temos uma situação que é ingrata para várias pessoas: para os empreendedores, para os fundos envolvidos. Tal como os nossos atuais acionistas fizeram questão de dizer que teriam interesse em acompanhar a ronda — isto em tempo útil — é complicado termos uma situação semelhante, com um fundo nacional, em que durante seis meses há interesse, confirmações de interesse, expectativa e depois, por falta de timing, o acordo não acontece.
LV: É importante colocar aqui o contexto: estando num mercado como o Reino Unido onde a concorrência é gigantesca e onde tínhamos 90% do nosso negócio, cada dia nós perdemos a oportunidade de ser investidas porque existem muitas outras oportunidades para aquele dinheiro a todo o momento. E portanto, é muito complicado gerir seis meses de negociações.
Como é que, perante essa mudança de business model, os vossos acionistas e investidores reagiram?
LV: Em todas estas etapas sempre tivemos apoio e contacto. Logicamente que discutimos e apresentámos todas as soluções. Mas é muito importante dizer que nessa altura tínhamos outras negociações em cima da mesa que viabilizavam o negócio de aluguer. Não fazia qualquer sentido continuarmos a empresa se essas possibilidades não existissem.
FN: E ainda hoje existem. O que fizemos foi comunicar que vendemos vestidos, por uma questão operacional.
Mas essa seria uma solução temporária?
FN: Sim, exatamente. O que continuamos a fazer é tentar encontrar uma solução para a empresa em que nós assumimos que não temos de fazer parte da solução para a empresa ter sucesso e conseguir continuar com o mesmo modelo de negócio. O que continuamos a fazer é discutir, — e há acordos confidenciais com potenciais parceiros — negociações com parceiros que estão interessados em viabilizar o mesmo modelo de negócio. E outros modelos de negócio. Não poderíamos fazer mais do que dizer que os alugueres se encontram indisponíveis.
LV: No meio desta reestruturação surgiu então o contacto da Forbes que dizia que fazíamos parte da lista pre-selecionada.
Foi em que altura?
LV: Outubro ou novembro, final de 2017.
FN: Em dezembro, dizemos à Forbes que não estamos interessadas em enviar qualquer informação e que vamos optar por ‘passar’. Porque não era o momento certo — a operação estava frágil –, e queríamos garantir que havia uma transição para uma nova fase. E, apesar de recolhermos o enorme prestígio que é estar numa publicação como a Forbes, achámos que não era o momento indicado para estar a referenciar a empresa. Não obstante, também reconhecemos que há muito poucas histórias semelhantes à da CbC no contexto de e-commerce e de retalho europeu, que é a categoria onde nos incluímos.
Como é atribuído?
FN: Os prémios da Forbes não são medalhas eternas: são uma celebração de objetivos atingidos que, no fundo, distinguem pessoas que conseguiram, de certa forma, atingir resultados fora do comum dentro da sua categoria. Em termos de contexto, existe uma pool de membros que nomeiam outras pessoas, onde estão pessoas de várias áreas, algumas delas já premiadas em anos anteriores. Recebemos também, no ano anterior, à qual não demos qualquer destaque. Fomos duas vezes distinguidas pela Forbes, das duas vezes não demos qualquer destaque, das duas vezes não fornecemos informação, dissemos que preferíamos passar.
LV: O que acontece é: mandámos o email e eles pedem mais informações para caso sejamos as selecionadas.
FN: E recebemos uma resposta da Forbes que dizia que, independentemente da nossa resposta, queriam que soubéssemos que podiam fazer uso de informação pública para nos selecionar e escrever.
LV: Isto serve para desmistificar: nós não fazemos uma candidatura, não aceitamos prémios. Nós não fomos a nenhum festival e não nos deram um prémio. Isto também vem muito dos prémios que tivemos internacionais, não são só pessoas que recomendam internamente, que já ganharam. São também os peritos da indústria que ajudam nesta seleção.
FN: A história da CbC é muito própria e é única. Se as pessoas forem ao mercado, na Europa, e tentarem ver uma história de e-commerce e de retail nos últimos anos, e que seja semelhante, não é fácil encontrar exemplos. Sempre pusemos os interesses da empresa à frente dos nossos interesses, e às vezes isso significa silêncios, às vezes significa passar prémios, às vezes significa trabalhar ao sábado e ao domingo, como muita gente faz.
(…) não estamos no dia-a-dia da empresa, mas tomámos um conjunto de medidas para garantir que a empresa continua ativa, porque isso é fundamental para as negociações. É fundamental garantir que a empresa continua ativa para que as negociações cheguem a bom porto.
Quem é que hoje assegura o dia-a-dia da empresa?
FN: Temos uma empresa de outsourcing logístico que faz todo o processo, desde a venda à entrega dos vestidos. Montámos um processo que não depende de nós, reduzimos o acompanhamento — apenas fazemos o acompanhamento de clientes porque a empresa não tem capacidade de responder às centenas de emails que recebe por dia — e uma das questões é que há dados que são públicos. O Facebook publica a percentagem de respostas que uma pessoa dá e em quanto tempo. A empresa tem 90% das respostas respondidas em menos de duas horas e meia. Há aqui questões relativas à operação que são externalizadas, agora a questão é: nós não nos vemos a continuar na empresa, não estamos no dia a dia da empresa, mas tomámos um conjunto de medidas para garantir que a empresa está ativa porque isso é fundamental para as negociações que continuam ativas. É fundamental garantir que a empresa continua ativa para que as negociações cheguem a bom porto.
LV: Esse foi um dos fatores para não termos aceite o prémio e também para não termos querido falar antes. É muito importante que exista um pouco de contenção para que a empresa tenha continuidade. Seja através de investidores nacionais mas também internacionais, seja de outras empresas, ou outro tipo de modelos que estão também a ser postos em consideração. E o nosso papel agora é seguir essas negociações.
São vocês que estão a acompanhar estas negociações?
LV: Somos nós. Mas logicamente é um nível de envolvimento diferente do que quando a startup era o nosso único projeto.
FN: No fim do ano passado, há um momento em que existe uma potencial proposta, conversações, que permitiriam dar continuidade à empresa. E há uma altura em que essa oportunidade — que teria fit, que fazia sentido e para a qual eu ainda me sentia com forças e vontade de continuar e estar envolvida — acaba por não acontecer. Foi nessa altura que tivemos de dar o passo e reconhecer que a empresa ainda podia continuar, mas já não connosco. Portanto nós, pessoalmente, investimos tudo o que pudemos durante vários meses em encontrar soluções das quais nós também fizessemos parte. Mas há uma altura em que reconhecemos que podemos já não fazer parte da solução.
LV: E foi aí que nós começámos a pensar, sem nunca poder comunicar essa questão, de que forma é que poderíamos continuar a ajudar, não só o ecossistema mas também outras empresas. Porque, mal ou bem, adquirimos um know how ao nível de internacionalização muito forte e, durante muito tempo e em países difíceis de difícil acesso a empresas portuguesas. E aqui, o nosso objetivo é usar esse conhecimento para ajudar as empresas da melhor forma. E nunca deixar de dar a cara, ajudar novos empreendedores.
FN: Nós sempre fizemos isso e reconhecemos que foram as pessoas que nos ajudaram o início, que mudaram a nossa vida. Eram essas pessoas que se sentavam connosco: eram empreendedores, tinham tido momentos de sucesso ou de insucesso, e foram essas pessoas que nos colocaram o bichinho quando nos apoiaram, para nós seguirmos estas fases todas. Quando uma pessoa monta uma startup, sabe que a probabilidade de chegar ao final é ínfima. É a vida entre a certeza e a incerteza: num dia podemos estar a levantar milhões de financiamento, no outro podemos estar a despedir uma equipa inteira.
Em seis meses, passámos de ter uma viabilidade completa para dois anos de atividade, para despedir a equipa inteira.
LV: É mesmo o que a Filipa diz: é importante dizer que, em seis meses, passámos de ter uma viabilidade completa para dois anos de atividade, para despedir a equipa inteira.
FN: Uma equipa que é fantástica. Acho que, em termos de lição, há um ponto importante a passar: achamos que tínhamos uma equipa fantástica, tinhamos os parceiros certos para avançar internacionais, temos imensa pena de os nacionais não terem conseguido dar resposta e formalizar a resposta em tempo útil. E nisto tudo, o timing foi o mais importante e… o timing não aconteceu. Para uma startup, é tão importante ter a equipa certa como é importante estar no contexto certo, no tempo certo. E claro que é difícil pensar que o tempo, que é uma coisa que não depende só de nós, pode ter tanto impacto. Mas foi o que teve mais impacto nesta história.
Neste momento, quem são os acionistas da CbC?
LV: Os mesmos que eram em 2016, não houve alterações.
FN: Houve ainda entrada de capital durante o primeiro trimestre de 2017, por isso a empresa angariou um valor superior a dois milhões de euros, na medida em que as responsabilidades, nos primeiros meses do ano, foram respondidas. Continuou a manter-se com a equipa até ao verão.
LV: Até percebermos que as negociações não iriam a bom porto e que teríamos de tomar medidas. Em outubro entendemos que não seríamos essenciais e que às vezes podemos não ser parte da solução, ainda que uma solução ainda possa existir. E que, até isso acontecer, não podíamos falar sobre isso.
FN: Não podemos falar sobre as negociações em curso. Eu entendo que a curiosidade e a vontade de dar informação às pessoas que acompanharam e ao ecossistema sejam enormes. Mas há motivos e razões mais altas pelas quais tivemos de dizer que ‘passámos de um modelo de aluguer de vestidos, operamos num modelo de venda de vestidos, e a empresa está a encontrar novas soluções e novas alternativas’, quando nos solicitaram informações.
"Eu entendo que a curiosidade e a vontade de dar informação às pessoas que acompanharam, e ao ecossistema, sejam enormes. Mas há motivos e razões mais altas pelas quais tivemos de dizer que ‘passámos de um modelo de aluguer de vestidos, operamos num modelo de venda de vestidos, e a empresa está a encontrar novas soluções e novas alternativas’, quando nos solicitaram informações.”
E na venda dos vestidos, recuperaram quanto dinheiro?
LV: Não podemos divulgar esses números.
FN: Mas todos os meses há responsabilidades às quais a empresa faz face, e portanto é a única coisa que podemos divulgar. Neste momento, a empresa consegue fazer pagamentos referentes a meses anteriores.
LV: É importante dizer que não queremos, de maneira nenhuma, que o facto de termos tido este percurso — que consideramos uma oportunidade fantástica para outros empreendedores conhecerem outras formas de empreender — possa ter, com este tipo de publicação, algum impacto negativo. Existem efetivamente oportunidades, existem pessoas que devem ser empreendedoras, e especialmente mulheres que têm de começar também, cada vez mais. É essa a nossa mensagem: o timing foi complicado para nós mas existe uma percentagem, ínfima que seja, que pode ser bem sucedida.
FN: Para haver 1% de unicórnios há todo um outro mundo que não é de unicórnios. Há 97% das startups que não são um sucesso, que não conseguem chegar.
Acham que falharam, de alguma maneira?
FN: É difícil falar em fracasso num processo em que estás a construir uma empresa e no qual, ao longo destes anos todos, há muito pouca distinção entre o que é a Filipa e a Lara e o que é a Chic by Choice. Criámos um negócio em que queríamos ao máximo comunicar e dar visibilidade à marca e não a nós, que são coisas diferentes. Indiretamente, existiu visibilidade sobre a Filipa e sobre a Lara. O processo de construir uma startup é quase de loucura e de obsessão.
LV: E de desafios constantes, todos os dias. Portanto, vais falhar muitas vezes e ter sucessos muitas vezes, todos os dias. Acho que o conceito de falhar…
FN: Acho que nunca sentimos que tivemos sucesso, isso posso dizer. Nunca senti que tivesse tocado no sucesso ou, se senti, foram cinco segundos e passou. Acho que ser empreendedor é estar em bicos de pés todos os dias.
LV: Se tu nunca tocaste no sucesso, tu não podes falhar. Como tu experiencias a questão e a incerteza todos os dias, tu nunca tocas. Estamos a aprender todos os dias, nunca há a estabilidade. Todos os dias estávamos a criar: uma startup é uma empresa com características muito distintas. Para cresceres 90% de um ano para o outro, tens de mudar tudo todos os dias.
Ser empreendedor é estar em bicos de pés todos os dias.
FN: Tu, como pessoa, tens de crescer 90% ao ano, ou mais. O teu tempo também.
LV: Estamos a iterar sobre a nossa equipa, sobre o produto, sobre a forma como atuamos, e acho que isso é um processo super interessante mas com desafios gigantes. E o desafio é tão grande que não há sequer a palavra falhar ou ser bem sucedido. O desafio é tão constante que não tens essa opção. Não tens a opção de te deitar na cama e dizeres: “Hoje tive sucesso”.
FN: E quando as coisas correm bem tens sempre medo que as coisas comecem a correr mal.
LV: Às vezes era pior esse medo de perder. E quando as coisas correm menos bem, a resposta: ok, tens um problema, não tens tempo para pensar. Tens tempo para tentar resolver, encontrar energia, etc. Nós passámos esse processo todo e chegámos a uma altura em que percebemos que podíamos ajudar e crescer de outras formas. Nunca quisemos dar essa parte mais cor-de-rosa do empreendedorismo. Cada vez que alguém se sentava connosco, nós tínhamos três coisas que dizíamos sempre: vai demorar mais tempo, vai custar mais dinheiro e vai ser mais difícil. E era essa a nossa premissa.
FN: E contávamos as fases, os primeiros três meses em que andas literalmente a bater com a cabeça nas paredes, tens um modelo que tem clientes. Portanto, passar de ter uma ideia — que é alugar vestidos na internet — a lançar um site em três meses, a depois ter clientes que tinham transações de cinco mil euros anuais, a alugar vestidos. Alguém de enviar um email a dizer: desde que alugo vestidos não comprei mais vestidos. Há tantos pontos, independentemente de a CbC encontrar novas formas de trabalhar com outras pessoas, de validação, tantos pontos positivos do processo de passar de uma ideia a tudo o que foi conquistado por uma equipa. E depois a questão de podermos sempre ver o copo meio cheio ou meio vazio. E acho que escolhemos ver as coisas de uma forma que é o copo está meio cheio. O copo ficou meio cheio. E nós não vamos dizer, nunca, que teremos a perspetiva contrária. Por muito que nos possam de algum modo, tentar fazer com que tenhamos esta perspetiva contrária.
A história da CbC é um sinal da imaturidade do ecossistema?
FN: Acho que o ecossistema tem de perceber: sim, é difícil, são casos de sucesso ínfimos. Só uma percentagem ínfima de startups consegue fazer o percurso até receber uma term sheet, ter uma proposta formal de um investidor estrangeiro. E porque é que não temos um país contente porque houve uma proposta de investimento estrangeiro a uma startup portuguesa? Isso sim, que as próximas façam muito mais. As próximas vão ser muito mais maduras, o ecossistema vai ser maduro, ter muitos mais recursos, mais empreendedores que podem ajudar outros.
LV: E vai ter também capacidade de resposta no tempo certo, que eu acho que é isso que pode mudar o ecossistema. No fundo, com a equipa certa, ideia certa, vontade de fazer e com o timing, acho que não vamos ter problemas em fazer crescer o ecossistema. Temos é de chegar aí. Não existe ainda essa velocidade de resposta em momentos decisivos e que podem mudar realmente a vida das startups. Porque o seed é muito importante, mas é a dar o salto onde mais empresas falham.
FN: A ronda a seguir, é a ronda que tem mais mortalidade. E portanto é decisivo ter respostas em tempo útil nestes momentos tão críticos. É preciso ter um ecossistema que tenha essa maturidade e que tenha percebido o quão importante é o tempo.
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Filipa Neto e Lara Vidreiro em entrevista ao ECO: “Chic by Choice ainda pode continuar, mas já não connosco”
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