Chic by Choice: É assim tão estranho as startups falharem?
No ecossistema, o lema passa por falhar e parar ou falhar até acertar? O ECO falou com investidores, empreendedores e incubadoras para perceber se o caso da Chic by Choice é único ou normal.
As dúvidas em torno da sustentabilidade do negócio da Chic by Choice começaram ainda em 2017, quando alguns trabalhadores começaram a sair da empresa. Esta semana, a incerteza tornou-se discussão pública, após uma investigação do Observador ter apontado que a empresa estaria mesmo sem funcionar.
A Chic by Choice, startup portuguesa fundada por Filipa Neto e Lara Vidreiro, marcou desde então o espaço de discussão pública, acrescentando-se-lhe o facto de, já em janeiro, a Forbes ter escolhido os nomes das fundadoras Filipa Neto e Lara Vidreiro para integrar a famosa lista 30 Under 30. Também a Wired, em setembro do ano passado, se tinha referido à empresa que aluga vestidos como uma das 100 startups mais “hot” da Europa.
A incoerência destes acontecimentos suscitou inúmeras reações nas redes sociais. Mas como era possível que uma empresa que aparentemente não funciona tivesse as suas fundadoras como exemplos a seguir? Até que ponto isto do empreendedorismo não passa de uma bolha especulativa?
Chic by Choice dispara nas pesquisas
E quando se têm em conta as estatísticas mais recentes, a resposta parece estar dada: segundo o último estudo da Informa D&B, que apontou a lupa ao tecido empreendedor nacional, 68% das startups criadas nos últimos dez anos sobreviveram ao primeiro ano de atividade. Mas à medida que se avança no tempo, mais vulnerável se torna o negócio. Cinco anos depois do start, menos de metade das empresas está viva para contar a história.
Mas, mesmo que a Chic by Choice — a segunda startup fundada por esta dupla — tenha perecido e, mesmo que muitas das startups nacionais e internacionais desapareçam nos primeiros anos, até que ponto se pode questionar a competência ou as capacidades dos seus fundadores? Ou mesmo a essência do empreendedorismo? O setor diz que não se pode ir muito longe.
Falha é sinónimo de incompetência?
Para os empreendedores, há uma grande diferença entre falhar e ser incapaz de ser bem-sucedido. Estão em polos diferentes, na verdade. “Primeiro é preciso definir o que é um fracasso. Hoje temos eletricidade porque foi preciso muitas coisas correrem mal”, argumenta Paulo dos Santos, fundador da Kinematix, uma startup que resistiu à primeira década mas que acabou por cair. Paulo vai ainda mais longe e diz: “Nunca vi ninguém crucificar um cientista que está à procura da cura do cancro e já tenha falhado uma data de vezes.”
Nunca vi ninguém crucificar um cientista que está à procura da cura do cancro e já tenha falhado uma data de vezes.
“A maior parte das pessoas não entende, principalmente quando falamos de startups de tecnologia, que vão para além dos limites”, confessa o empreendedor. “As empresas falham, passam por processos que não conseguem cumprir, e não é por incompetência, mas por incapacidade financeira, tecnológica ou até regulatória.”
Pedro Colaço, da FailProof Academy, partilha do mesmo ponto de vista do fundador da Kinematix, estabelecendo diferentes níveis de perspetiva em relação ao empreendedorismo. “Há quem esteja dentro do negócio, há quem gravite à volta do negócio e, depois, há o público geral, para quem a palavra erro ou falhanço tem uma conotação altamente negativa. Mas o falhanço tem dois lados“, garante Pedro.
É sobre esta visão que se edificou a FailProof, uma academia que quer ajudar os empreendedores a prevenir o fracasso e, sempre que este primeiro ponto falha também, a encontrar as respostas necessárias para voltar a levantar e retirar o que há de mais positivo neste cenário tão negativo.
Também as incubadoras se afastam desta visão avessa ao falhanço, deixando, no entanto, uma crítica. “A facilidade com que tanta gente, muita dela do ecossistema, se apressou a atirar pedras às fundadoras é, no mínimo, reveladora do enorme caminho que ainda temos de percorrer em direção à maturidade do dito”, esclarece Miguel Fontes, diretor da Startup Lisboa.
“Aqui ou em qualquer outra parte do mundo, falir não é uma bizarria ou uma excecionalidade. Faz parte do jogo”, aponta ainda o responsável pela incubadora lisboeta. “Precisamos de lidar com o falhanço de uma forma descomplexada e naturalizá-lo. A ser verdade, o que falhou foi a empresa e não as pessoas. As pessoas são muito mais do que um projeto na sua vida.”
Só se pensa assim do lado de cá do Atlântico
Este modo de conceber os percalços e, em último caso, a ruína, é apontado pelos empreendedores como algo tão português como o fado. “Ainda existe um estigma muito pesado sobre aqueles que, por diferentes motivos, não são bem-sucedidos nos seus negócios”, aponta Rafael Alves Rocha, da Associação Nacional de Jovens Empreendedores (ANJE).
“É fundamental ter ambição e não temer o risco nos negócios, mesmo que a sociedade portuguesa persista em estigmatizar quem falha. Há que ‘tentar outra vez, falhar outra vez, falhar melhor’, como escreveu ironicamente o dramaturgo Samuel Beckett”, continua o também empreendedor.
Precisamos de lidar com o falhanço de uma forma descomplexada e naturalizá-lo. A ser verdade, o que falhou foi a empresa e não as pessoas. As pessoas são muito mais do que um projeto na sua vida.
Já Simon Schaefer, responsável pela Startup Portugal, associação responsável pela missão estatal para o empreendedorismo, garante ainda que, na Alemanha, a aversão ao risco atinge outros níveis, refletindo-se também nas leis de insolvência comuns aos países da Zona Euro.
“Eu diria que o que este debate aceso sobre a Chic by Choice veio provar foi que este é um território novo em que o público, os jornalistas e os fundadores estão inseguros e incertos acerca da forma de lidar com a falha“, considera o líder da Startup Portugal. “Assim que o tecido empreendedor for mais maduro, isto irá mudar”.
Mas qual é o termo de comparação? Qual é o sítio onde o erro consegue ser transformado numa rampa de lançamento, num espaço de aprendizagem? “Nas culturas mais dinâmicas e proativas como a norte-americana, tradicionalmente viradas para o empreendedorismo e para a ação, o risco está mais presente”, aponta Pedro Colaço. Voltando à metáfora dos dois lados, “nós cá olhamos para o lado negativo, para a sombra, lá fora começa-se a olhar mais para a luz.”
"Depois de errar uma vez, a probabilidade de voltar a falhar é muito baixa.”
O cofundador da FailProof afirma ainda que, aí, os próprios investidores preferem negócios geridos por empreendedores que tenham falhado, “porque percebem que essas pessoas têm essa aprendizagem e não são incompetentes”. Aliás, “depois de errar uma vez, a probabilidade de voltar a falhar é muito baixa”.
Abraçar a cultura de erro
Quando falam do caso específico da Chic by Choice e da maneira como as fundadoras estão a lidar com o assunto, a opinião também é transversal: a melhor maneira de ultrapassar uma falha é assumi-la, por pior que seja, para depois retirar conclusões.
"A falha é uma componente necessária do sucesso, mas só é boa quando se aprende com ela.”
“A falha é uma componente necessária do sucesso, mas só é boa quando se aprende com ela”, explica Schaefer. “Ao não abordar o fracasso, a Chic by Choice não aprendeu. E, tendo evitado falar acerca disso e esperar que desapareça, torna-se questionável que tenha gerado as conclusões e reflexões certas de como e porque aconteceu”.
Também Paulo dos Santos defende que, tal como fez, o mais acertado é vir a público e explicar o que aconteceu. “Isso só é um problema quando se encaram os incapazes. Os mais inteligentes só têm respeito, mesmo que não concordem, que percebam que houve um erro aqui ou ali.”
O empreendedor garante também que, para além do erro positivo para quem o pratica, gera também um “fator positivo” para todos aqueles que estão envolvidos. Assim, a receita destes especialistas em fracassos é pequenas doses de falhas várias vezes por projeto, sempre acompanhadas de vontade de aprender.
“Quem bebe um bocadinho deste mundo de Silicon Valley apercebe-se da necessidade de experimentar e de errar. De fazer ciclos mais curtos de testes e erros, criar mini-fracassos”, aponta Pedro Colaço. “Quando se olha para os erros de uma perspetiva micro, os fracassos não parecem tão grandes”.
Taxa de sobrevivência das startups portuguesas
Fonte: Informa D&B
“Se todos sabem que a estatística de sobrevivência e de sucesso neste mundo do empreendedorismo é particularmente agressiva, onde está a surpresa? Somos assim tão ingénuos ou cruéis connosco próprios para acharmos que Portugal iria ser diferente?”, questiona, em jeito retórico, Miguel Fontes, numa publicação no Facebook. “E como diria alguém: Habituem-se!”
Mas há dedos a apontar…
Ainda assim, com o cair e levantar — e voltar a cair e a levantar — a ter de ser encarado como um processo de aprendizagem indispensável neste meio, os empreendedores com quem o ECO falou consideram que há culpas que não podem morrer solteiras, nem neste caso, nem noutros semelhantes.
"Este deveria ser um artigo sobre a maneira como se faz o ranking 30 Under 30 da Forbes, e da má gestão do insucesso da Chic by Choice. E não do falhanço em si.”
“Este deveria ser um artigo sobre a maneira como se faz o ranking 30 Under 30 da Forbes, e da má gestão do insucesso da Chic by Choice. E não do falhanço em si”, avalia Simon Schaefer.
Também Paulo dos Santos aponta o dedo à Portugal Ventures, a gestora de capital de risco pública, que é investidora da Chic by Choice. “Aquilo que eu não consigo entender é o porquê de o investidor não falar. Esse sim, tem de ser profissional”, critica o empreendedor, que viu o seu negócio ficar sem fundos depois de a mesma gestora ter retirado o investimento sem justificação. “A solução da Portugal Ventures tem sido passar entre os pingos da chuva e, se possível, fritar em lume brando o empreendedor”, critica.
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