Álvaro Santos Pereira, economista-chefe da OCDE, alerta para o equilíbrio das contas públicas em Portugal e aponta o dedo às grandes barreiras que ainda persistem à concorrência em alguns setores.
Portugal continua a enfrentar desafios na gestão da dívida pública e na melhoria da competitividade e produtividade da sua economia. O mais recente relatório da OCDE sobre os Indicadores de Regulação do Mercado de Produtos (PMR) revela que o país continua a apresentar numerosas barreiras à entrada de empresas e à concorrência em vários setores de atividade, como o retalho e na área da comercialização de medicamentos.
Em entrevista exclusiva ao ECO, à distância, Álvaro Santos Pereira, economista-chefe da OCDE e ex-ministro da Economia entre 2011 e 2013, analisa alguns destes desafios e lança soluções para impulsionar o crescimento económico do país, não hesitando em apontar as fragilidades da economia portuguesa.
“É fundamental reduzir a burocracia na criação de empresas, liberalizar as profissões reguladas e aumentar a concorrência no setor de serviços.”
“Portugal continua a apresentar demasiadas barreiras à concorrência no setor de serviços, demasiadas barreiras à entrada e à concorrência nas profissões reguladas, e demasiada burocracia na criação de empresas”, afirma Álvaro Santos Pereira, sublinhando a urgência de reformas estruturais para tornar o país mais competitivo e atrativo ao investimento.
E no centro dessa estratégia está a necessidade de o país promover políticas que garantam “prudência fiscal” porque, segundo o economista-chefe da OCDE, “qualquer que seja o Governo tem de haver um esforço para diminuir a dívida pública.”
O mais recente relatório da OCDE sobre os indicadores Regulação do Mercado de Produtos (PMR) indica que Portugal apresenta mais barreiras regulatórias do que a média dos países da OCDE. Quais são os setores mais afetados?
Os nossos indicadores mostram que Portugal está acima da média da Zona Euro e da OCDE em termos de barreiras à entrada e à concorrência. Isto é especialmente evidente no setor de serviços e nas profissões reguladas como contabilistas, notários, advogados e engenheiros civis. Também identificamos problemas significativos no setor do retalho e na comercialização de medicamentos.
Que barreiras são essas no retalho e que prejudicam a competitividade do setor?
No setor dos serviços, por exemplo, para registar um novo comércio, além do registo normal, é necessário um registo adicional específico. Também são necessárias autorizações especiais das autoridades locais e estatais para áreas acima de 2.000 metros quadrados. Há ainda restrições específicas para abrir novos estabelecimentos, principalmente na área alimentar, de bebidas e de roupas.
E no setor dos medicamentos, que barreiras mais relevantes vos chamaram a atenção?
No setor da venda de medicamentos persistem restrições quanto ao número de farmácias que podem ser localizadas numa determinada área e onde podem ser instaladas. Por exemplo, uma farmácia tem de estar localizada a uma distância de mais de 350 metros de outra e não pode estar a menos de 100 metros de um centro de saúde ou hospital. Além disso, os horários de abertura e fecho das farmácias ainda são impostos por lei.
Como é que estas barreiras afetam a competitividade e a produtividade da economia portuguesa?
Estas barreiras têm um impacto negativo significativo. Elas limitam a concorrência, reduzem a inovação e a eficiência, e, consequentemente, afetam a produtividade. Países com menos barreiras tendem a ser mais competitivos, atraem mais investimento e criam mais emprego.
Que medidas poderiam ser adotadas para melhorar esta situação?
É fundamental reduzir a burocracia na criação de empresas, liberalizar as profissões reguladas e aumentar a concorrência no setor de serviços. Também é importante melhorar a avaliação da regulação e regulamentar o lobby para aumentar a transparência.
“Deve-se saudar a atividade da Autoridade da Concorrência que, principalmente nos últimos anos sob a liderança da Margarida Matos Rosa, lançou várias investigações importantes em setores estratégicos para o país para tentar aumentar a concorrência em várias áreas.”
O relatório da OCDE também foca alguns problemas relacionados com conflitos de interesses. Há um problema sério de transparência e seriedade por parte do poder político em Portugal na gestão dos fundos públicos?
Embora existam regulamentos que abordam os conflitos de interesses, há poucos requisitos em matéria de divulgação das interações dos funcionários públicos com os lobistas. Isto pode levar a uma falta de transparência e potencialmente a situações de influência indevida.
O relatório refere, por exemplo, que “em Portugal, embora existam regulamentos que abordam os conflitos de interesses e que exigem que os funcionários públicos respeitem um período de reflexão após a cessação das suas funções, existem muito poucos requisitos em matéria de divulgação das suas interações com os lobistas.”
Quando olhamos para os países bem colocados nestas áreas, esses países regulamentam o lobby. Nós ainda temos caminho para andar nesta matéria. É uma área em que Portugal pode aumentar a transparência para que as empresas, que sejam mais dominantes, não tenham uma influência desmedida comparativamente às outras empresas.
Nós queremos que, com mais concorrência, toda a gente tenha mais ou menos as mesmas oportunidades. E quando o lobby não é regulado não há transparência suficiente. Isso faz com que as empresas incumbentes, as empresas dominantes, possam ter uma influência na legislação ou junto do Governo ou dos concursos públicos muito superior àquela que devia ser. Algo que não sucederia se houvesse maior transparência.
Outro ponto enumerado no relatório da OCDE é que “a governação das empresas públicas poderia ser mais bem alinhada com as melhores práticas da OCDE, com o intuito de garantir condições de concorrência equitativas com as empresas privadas.” Significa que a generalidade das empresas públicas em Portugal é mal gerida?
Não. Curiosamente, a nível das empresas públicas, Portugal está ligeiramente acima da média da OCDE em termos de governança. No entanto, ainda há espaço para melhorias para garantir condições de concorrência equitativas com as empresas privadas.
Em 2019, numa conferência na Fundação de Serralves, afirmou que “o combate à corrupção, ao compadrio e ao corporativismo deve ser a prioridade total, ser a número um”, argumentando com os elevados custos suportados pelos contribuintes devido ao peso das corporações que “não gostam da concorrência”. Considera que houve melhorias nesta matéria deste então?
Eu vejo algo a acontecer principalmente ao nível dos reguladores. Deve-se saudar a atividade da Autoridade da Concorrência que, principalmente nos últimos anos sob a liderança da Margarida Matos Rosa, lançou várias investigações importantes em setores estratégicos para o país para tentar aumentar a concorrência em várias áreas.
É importante, primeiro, que os reguladores continuem bastante ativos e que mostrem exatamente a importância de termos uma política de concorrência cada vez mais forte. E, por outro lado, é fundamental aumentarmos a concorrência nestes setores, principalmente no setor dos serviços, que continua a ter barreiras muito elevadas, para conseguirmos ter um país mais produtivo e mais dinâmico.
Mas houve melhorias nesta área nos últimos anos?
No último ano avançou-se com algumas alterações às leis governamentais, nomeadamente ligadas às reformas do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] na área das profissões reguladas e na área de alguns serviços. Mas é importante lembrar o que se passou depois de 2012/2013, em que depois de se terem feito alterações grandes, quando se chegou à parte regulamentar, de fazer a legislação secundária e terciária, que é fundamental para a implementação da reforma, isso não aconteceu.
Em que matéria é que isso aconteceu?
Houve uma Lei Quadro em 2012 das profissões reguladas que promovia uma grande liberalização das Ordens e também das profissões reguladas, e depois ficou por implementar. Uma coisa é fazer uma reforma e depois faz-se uma legislação, mas depois tem de haver uma implementação. Ou seja, é fundamental que essas alterações sejam verdadeiramente implementadas. Se não forem implementadas, o impacto é nulo.
“O mais importante é que se houver medidas de despesa tem de haver medidas compensatórias. O que é importante é que a dívida continue a baixar.”
Como é que mais e melhores políticas que promovam a competitividade e a produtividade da economia se compactuam com uma gestão de finanças públicas equilibrada que a OCDE tem vindo constantemente a chamar a atenção dos vários governos?
A prudência fiscal tem de ser mantida nos próximos anos. Ainda temos uma dívida perto dos 100% do PIB. Portanto, qualquer que seja o Governo, tem de haver um esforço para diminuir a dívida pública. É fundamental para não estarmos tão vulneráveis, principalmente a crises que possam surgir, como aconteceu durante a pandemia e anteriormente. Portugal tem de baixar o nível de dívida pública. Não há dúvidas nenhumas disso.
Reduzir o rácio da dívida pública face ao PIB deve ser uma prioridade do Governo?
Tem de ser uma prioridade total. Mas as reformas que estamos a falar ao nível da concorrência, das reformas de mercado de produto e de tornar o país mais competitivo e menos burocrático, ajuda as finanças públicas. Ao fazermos estas reformas — ao aumentarmos a concorrência e ao diminuirmos a burocracia –, vai ajudar à criação de emprego, vai ajudar a atrair mais investimento, dando azo a mais crescimento e a um rácio da dívida face ao PIB mais baixo. Portanto, é fundamental baixar a dívida.
No passado, defendeu a necessidade de haver um acordo de regime entre os grandes partidos na contenção orçamental. Ainda defende essa ideia?
Acho que nessa área há um consenso político relativamente grande entre os principais partidos e é fundamental que isso continue próximos tempos.
Como é que olha para uma série de proposta do Governo e da oposição que apontam para um aumento da despesa pública e outras para uma redução da receita, que leva inclusivamente o Banco Portugal a antecipar que, só com as medidas já conhecidas, as contas públicas deverão voltar a apresentar um défice em 2025?
O mais importante é que se houver medidas de despesa, tem de haver medidas compensatórias. O que é importante é que a dívida continue a baixar. Isso é fundamental. Haver prudência fiscal é fundamental para que o país continue a recuperar e, principalmente, continue a ser um país atrativo para o investimento e que não tenha problemas no futuro. É fundamental manter a prudência fiscal, sobretudo para um país que tem uma dívida pública perto de 100% do PIB, como sucede com Portugal.
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