“É um Orçamento pobre e escasso nas medidas para o setor empresarial”, diz Luís Marques, da EY

O fiscalista da EY considera que o OE 2021 é "pobre e escasso" para as empresas, principalmente para as grandes. Mas reconhece que o Governo fez tudo o que podia em 2020 para ajudar os empresários.

Em entrevista ao ECO, Luís Marques, Country Tax Leader da EY em Portugal, compreende a “equação difícil” para o Governo na construção da proposta do Orçamento do Estado para 2021 (OE 2021), principalmente por causa da “pouca folga orçamental” dada a elevada dívida pública. No entanto, o fiscalista considera que o OE é um “vazio” para as empresas no próximo ano pelo que os empresários têm razão de queixa. Já em relação a 2020 Luís Marques considera que foi feito tudo o que era possível.

Muitas vezes os fiscalistas queixam-se dos Orçamentos por estarem sempre a mexer no sistema fiscal. Este OE tem, de certa forma, a crítica contrária. Nesta crise, o Governo deveria ter usado mais a política fiscal para estabilizar a economia?

Essa tem sido uma crítica feita até por confederações empresariais e vários quadrantes dos partidos políticos mais situados à direita. Há aqui uma equação difícil: por um lado, há pouca folga orçamental para o Governo aliviar a carga fiscal das empresas; por outro, havia também necessidade de dar às empresas, para além dos incentivos financeiros que foi dando ao longo do ano de 2020 (nomeadamente o lay-off simplificado). O Estado podia ter ido mais além porque a economia e as receitas fiscais também precisam de contribuintes sólidos e com capacidade de gerar receitas. É uma equação difícil, mas é factual que o Orçamento pobre e escasso do ponto de vista de medidas para o setor empresarial.

Quando olhamos para o Orçamento vemos muitas medidas para o lado das famílias, como os apoios sociais, e pouca coisa do lado das empresas. Há duas medidas para as PME, há medidas que penalizam as empresas que não mantenham os postos de trabalho, prejudicando o acesso a benefícios fiscais e às linhas de crédito, mas a única medida fiscal que se pode dizer que o OE tem é para uma pequena medida para as PME que está relacionada com a tributação autónoma caso registem prejuízos fiscais em 2020 e 2021, em determinadas circunstâncias. Tirando isto, o Orçamento é um vazio do ponto de vista daquilo que são medidas de alívio fiscal, de algum expansionismo ou de algum estímulo para as empresas.

O Governo devia ter ido mais além?

O Governo optou por dar mais aos apoios sociais. O que ficou para dar às empresas foi muito pouco ou mesmo marginal. Se há um decréscimo das receitas no ano corrente, se há um défice das contas públicas que vai ter um nível histórico, se o PIB vai decrescer bastante, se a dívida pública vai aumentar, se o Governo opta também por razões políticas por fazer um Orçamento mais expansionista do lado das famílias, que também é uma área crítica. Naturalmente que quando se tapa de um lado também se destapa do outro. Os recursos são limitados e não houve essa folga. Agora, podia ter havido mais algum equilíbrio. As empresas fazem muita falta à nossa economia.

Colhe o argumento do Governo de que o reforço do rendimento dos cidadãos vai aumentar o consumo privado e, por isso, as receitas das empresas?

Quando começamos a fazer a equação com efeitos indiretos é sempre difícil de estimar porque depois não sabemos como é que as famílias se vão comportar em termos de consumo. É como a medida do IVAucher… É difícil de perceber se aquilo vai ter impacto. Vai depender do perfil e da confiança. Por exemplo: se no início do ano tivermos de confinar, a medida do IVAucher não vai ter impacto porque os restaurantes e hotéis estarão fechados. Esperemos que não para bem de todos. Mas são efeitos indiretos. Uma redução da taxa nominal do IRC, desagravar o regime de utilização de prejuízos fiscais, incrementar as taxas de benefícios fiscais, dar benefícios fiscais às empresas que empregam, incentivando-as, em vez de penalizar quem despede ou, pelo menos, para equilibrar as coisas, já que vamos penalizar quem vai reduzir os postos de trabalho, então vamos beneficiar quem mantém o emprego — que já é algo bastante satisfatório — mas também dar um incentivo extra a quem incrementa a sua massa laboral… Quem aumentar deveria ter um prémio pela via fiscal. Essa parte ficou pobre.

Dito isso, as empresas podem queixar-se deste OE 2021?

Se olharmos para o ano de 2020, penso que as empresas não têm muito para se queixar. O Governo permitiu o pagamento mais tardio dos tributos para quem efetivamente estava com dificuldade, permitiu que as empresas mantivessem os postos de trabalho com o lay-off simplificado e agora com o novo apoio à retoma. São incentivos burocráticos, mas também é difícil não serem burocráticos. É difícil ligar para a Segurança Social e pedir o dinheiro imediatamente. Tem de haver aqui algum controle porque estamos a tratar de dinheiro dos contribuintes. O Estado tem de ter o mínimo de garantias de que atribui o dinheiro a quem efetivamente precisa e para aferir essa condição do precisar tem de olhar, tem que analisar, e isto demora tempo. Percebo que quem está com a corda na garganta queira que a burocracia seja o mais ligeira possível. Por mais que se aligeire, vai haver sempre alguém que acha demais. Este processo de lay-off foi o mais rápido que alguma vez tivemos em Portugal. Tivemos clientes nossos que apoiamos nesse processo e que tiveram experiências mistas. Dependia de um pormenor ou outro dos formulários mal preenchido. Às vezes um formulário mal preenchido levantava um problema burocrático enorme e uma entropia no processo. Mas tivemos outros casos que correram lindamente. Tivemos clientes a dizer maravilhas do processo, mas também tivemos outros a dizer não tantas maravilhas do processo. A burocracia é inevitável em situações destas.

Em 2020, as empresas não têm razão porque o Governo fez o que era possível e reagiu rapidamente quer ao nível do controlo da pandemia quer ao nível das medidas que conseguiu implementar. O Orçamento do Estado Suplementar trouxe um incentivo fiscal que é o crédito fiscal extraordinário ao investimento que foi recapturar algo que foi feito no tempo da troika. Teve algum efeito útil para as empresas. O que faltou foi mais qualquer coisa em 2021. As empresas já estavam satisfeitas com o que foi feito em 2020. A crítica é para 2021 porque parece que não vem nada.

Que medidas deveriam estar no OE 2021? Esta seria a altura certa para baixar o IRC, um imposto sobre lucros, quando a maioria das empresas nem vão ter lucros?

Tinha de ser uma combinação de medidas e todas deviam ter um caráter transitório. Estamos a viver tempos excecionais que exigem medidas excecionais. Quando acabar a situação de exceção, acabam as medidas excecionais. As empresas provavelmente vão ter prejuízos fiscais. Então estes podem ser utilizados lá à frente, sem qualquer limitação temporal ou quantitativa. Hoje em dia uma empresa para utilizar os prejuízos fiscais tem de o fazer em cinco anos e com um quantitativo que era de 70% e passou para 80% no Orçamento Suplementar para 2020. Por que não acabar com o prazo temporal como outros países fizeram? Isto para os prejuízos gerados em 2020 e em 2021 que são os anos em que se estima que a pandemia terá efeitos mais duros.

Nos anos de 2020 e 2021 para as empresas que, ainda assim, têm lucro, talvez reduzir em um ou dois pontos percentuais a taxa nominal do IRC. Ter um regime excecional para investimentos que se façam em anos de crise, seja com amortizações mais aceleradas, ter incentivos fiscais… Se eu criar emprego, deveria ter direito a, por cada 100 unidades monetárias que pago ao meu empregado, recuperar 120 ou 130. Mas isto tudo temporário. Chegados a 2022 havia uma reavaliação da situação económica e todas estas medidas acabavam. Voltaríamos ao que estava em 2019. O que se critica aqui é a ausência de medidas. O Governo, aliás, fez algumas medidas só para 2021, como é o caso da penalização das empresas que despeçam, o IVAucher e o apoio extraordinário aos trabalhadores. Há um conjunto de medidas que o Governo já está a tomar de forma transitória. Para as empresas também o podia ter feito. Há medidas de índole fiscal que podiam ter sido feitas e não foi por falta de alertas porque nós próprios fomos escrevendo artigos dando sugestões e os nossos concorrentes também o fizeram. Há todo um conjunto de ideias que podiam ser pensadas e o tecido empresarial ficaria um pouco mais agradado. Assim existiria a compensação que as empresas tanto se queixam que não tiveram.

Se for necessário, o Governo diz que injeta mais estímulos…

Este orçamento tem de ser lido em conjunto com os fundos da União Europeia. O Governo não está a dar muito porque não tem muita mais margem para ir. O próprio Presidente da República alertou que o país pode vir a ter dificuldades de endividamento nos mercados como tivemos em 2011 e nos obrigou a ter a troika cá durante três anos. Podemos estar a caminhar para uma situação parecida. Se tivermos os fundos europeus, que é uma fatia importante, aos quais podem ser adicionados os empréstimos a taxas bonificadas, então aí o Governo talvez tenha mais margem, mas vai depender da evolução. Estamos todos à espera de ver a economia em 2021 a recuperar, ainda que cresça numa base mais baixa. A pandemia é um ponto de interrogação muito grande. Vamos ver como é que isto evolui de facto.

O IVAucher será eficaz no terreno ou tem pouco alcance? Haverá alguém a efetivamente consumir mais (do que faria num cenário sem IVAucher) por causa deste benefício fiscal?

Este benefício acaba por ser um sinal que o Governo dá de preocupação para três setores particulares: a restauração, o alojamento e a cultura. Agora, não é suficiente para a revitalização do setor. Nada disso. É um sinal positivo. Se evoluirmos para uma situação de confinamento podemos perder aqui parte do efeito útil disto. Pode induzir algum consumo adicional, mas é difícil prever o comportamento das pessoas. E é muito importante perceber como é que isto vai funcionar porque se isto for muito burocrático, se tiver de ir ao Portal das Finanças ativar um crédito, se não for uma coisa tão simples como: pago uma refeição num restaurante e identificou-se com o número de identificação fiscal e no trimestre seguinte vou a outro restaurante e automaticamente aquilo deduz o pagamento do serviço. Se for uma coisa complexa, perde totalmente o efeito e as pessoas não vão utilizar. Acaba por ser uma mão cheia de nada. Penso que é uma medida inovadora. Nunca tivemos algo parecido. A redução temporária do IVA, passar tudo para 6% durante 2021, tinha muito mais efeito na indústria do que esta medida. Isso claramente, não tenho dúvidas. Agora: teria um peso na receita muito superior.

O Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento dado às empresas será prolongado durante o primeiro semestre de 2021. Esta medida estimula efetivamente empresas a fazer investimento que não fariam de outra forma ou está apenas a subsidiar investimento que já seria feito de qualquer forma?

Podem é antecipar. Podiam ter investimentos programados e se tiverem condições financeiras vão antecipá-lo. Nenhum empresário que eu conheci até à data de hoje fez investimentos por questões fiscais. Pelo menos o empresário genuíno faz investimentos e só depois é que vai procurar saber se, dentro dos investimentos que tem, se há algum incentivo fiscal ou financeiro. Além disso, os investimentos só fazem sentido se tiverem retorno do ponto de vista do próprio negócio. Os empresários pensam assim. Mas também pensam que se há créditos fiscais para os investimentos vou tentar maximizar. Ninguém tem dúvidas quanto a isso. Esta medida pode incentivar antecipações de investimento. Ou seja, investimento que possam estar programados para mais tarde e que são antecipados para o quarto trimestre de 2020 ou para o primeiro semestre de 2021.

O incentivo fiscal às ações de internacionalização por parte de PME é relevante?

Para já, é apenas uma autorização legislativa. Vai ser regulamentada mais lá para a frente. As médias empresas têm alguma componente de internacionalização, mas as pequenas nem por isso. 99% das pequenas empresas trabalham para o mercado nacional porque não têm capacidade e não têm massa crítica para exportar. As médias [empresas] sim porque têm até 250 trabalhadores. Temos empresas com 200 e poucos trabalhadores a exportarem alguns produtos. A ideia é também dar um incentivo fiscal em participações em feiras e em convenções internacionais para expor os seus produtos. Não é nada de muito inovador — já existe –, mas é um sinal que o Governo quer passar. Agora é preciso esperar pela legislação em concreto para aferir a bondade do incentivo em 2021.

É excessivo este foco das medidas nas PME, face às grandes empresas, tendo em conta a composição do tecido empresarial português?

É justo e é adequado dar incentivos às PME. Não tenho dúvidas quanto a isso. São empresas que constituem uma grande percentagem do nosso tecido empresarial. A minha crítica é à ausência para as outras empresas. Esse é o que é o tema. Estas empresas [PME] são importantes pela proximidade com a população, por empregarem muita mão-de-obra, e muitas são de cariz familiar. Havia um incentivo fiscal à criação de emprego que vigorou entre 1999 e 2018. Acabou porque diziam que só beneficiava as grandes. Não é verdade. As grandes beneficiavam mais, claro, porque enquanto uma pequena cria dois ou três postos de trabalhos uma grande cria 200.

Se queremos ter políticas de promoção de emprego, acabar com o incentivo fiscal que beneficiava a criação de emprego parece-me uma contradição. Parece que ser uma grande empresa é uma coisa má. Não é. É uma coisa boa, saudável, recomenda-se porque as que são grandes hoje foram pequenas ontem. Parece que dar lucros também é uma coisa má. Não é. É bom porque esse é o objetivo das empresas. O Estado é que se financia com défices. O Estado normalmente é para dar zero, não é para excedentes, mas também não é para dar défices muito exagerados. As empresas não… As empresas existem para dar lucro. As grandes empresas não podem ser esquecidas. Concordo que se deve dar às PME, mas não se deve esquecer as grandes.

O Governo deveria reverter o fim desse incentivo fiscal à criação de emprego?

Sim, seria um bom sinal. Quem está a remar contra a maré… Há empresas que têm aproveitado a crise, por exemplo as que têm vendas online, as tecnológicas, entre outras, que têm crescido e têm empregado mais. Essas empresas que são anticíclicas não podem deixar de ser beneficiadas e premiadas pelo que estão a fazer. Estão a aproveitar a onda e deve haver benefícios para essas empresas. O incentivo devia ser para quem cria, mas também para quem mantém. Manter emprego no contexto atual é também… Não vou dizer um ato patriótico ou heróico, mas quero dizer que é um desafio grande hoje em dia porque o mais fácil é reduzir, se estamos com menos trabalho e menos volume. Mas há quem olhe em frente e não só para o ano de 2020 e 2021 porque acredita na retoma. Quem faz um esforço, reduzindo os seus lucros, e mantém os postos de trabalho também deveria ter um prémio fiscal por essa razão.

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