Vice-presidente responsável pela União Energética na Comissão Juncker voltará a assumir uma vice-presidência no executivo comunitário com a pasta das Relações Interinstitucionais.
O eslovaco Maroš Šefčovič voltará a assumir uma vice-presidência no executivo comunitário liderado por Ursula von der Leyen (se for confirmado pelo Parlamento Europeu), desta vez com a pasta das Relações Interinstitucionais. Manterá sob sua alçada a Aliança Europeia para as Baterias – um projeto que interessa particularmente Portugal por causa do lítio.
Em entrevista ao ECO após mais uma reunião de stakeholders da Aliança em Bruxelas, Šefčovič diz que o lítio poderá ser para Portugal “o novo ouro” devido à sua importância estratégica no futuro para o fabrico de baterias elétricas. O responsável acrescenta que “é um pouco ilógico” subsidiar produtos fósseis ao mesmo tempo que as empresas europeias pagam preço alto do CO2 e que o investimento estrangeiro (e chinês) é bem vindo se houver reciprocidade nas condições para as empresas europeias.
O objetivo da Aliança Europeia para as Baterias é criar uma cadeia de valor competitiva assente em baterias sustentáveis no sentido de promover a transição para veículos limpos em 2030 e um mercado europeu de baterias. Qual é o ponto da situação? É possível atingir esses objetivos?
Estou absolutamente seguro que sim e estou muito animado com os resultados da sessão desta semana da Aliança Europeia para as Baterias. Estou muito feliz por informar os ministros da economia [da UE] sobre as discussões. O que alcançámos em três anos demonstra claramente que, na Europa, podemos atuar rapidamente, podemos ser muito flexíveis e obter muito bons resultados em pouco tempo se atuarmos em conjunto. E o resultado mais importante da Aliança Europeia para as Baterias é que hoje ninguém duvida que a Europa será claramente o continente que vai produzir as baterias mais limpas, mais “verdes”, e continuar a produzir os melhores carros do planeta que serão também os mais limpos.
Conseguimos juntar 260 importantes protagonistas industriais que cobrem toda a cadeia de produção. Em relação a Portugal: será sempre um campeão das energias renováveis. Tem promovido a mobilidade elétrica desde há muitos anos e, claro, tem grandes reservas de lítio. Penso que Portugal tem esta combinação única de eletricidade renovável e de fortes reservas de lítio.
Esta semana ouvimos que os vossos vizinhos em Espanha estão prontos para investir na refinação. Penso que haverá uma oportunidade de negócio muito interessante, não só para Portugal e Espanha, mas também para toda a União Europeia porque atualmente importamos lítio e temos que refinar na China. Então por que não fazer tudo aqui assim que tivermos isso na Europa? Estará próximo das linhas de produção e penso que será uma grande oportunidade para a Europa e para Portugal.
Portugal deve acelerar a sua produção de lítio para contribuir para a cadeia de valor europeia?
Sei que Portugal é desde o início um apoiante muito entusiasta da Aliança Europeia para as Baterias. Creio que já disse que o lítio poderá ser o novo ouro para o seu país. E realmente penso isso porque é uma matéria estratégica para o futuro. Precisamos de baterias para carros, para uso industrial, para armazenamento de energia, para habitação. O futuro será simplesmente elétrico. Para isso precisamos de armazenar energia e o lítio será claramente necessário para essas soluções.
O que foi muito importante para Portugal foi superar o facto de o negócio da extração e das minas não estar muito na moda nos últimos anos. Estou muito contente por o Banco Europeu de Investimento ter sido tão cooperativo em mudar a sua política e agora todos as fases da cadeia de valor de produção de baterias são financiáveis pelo BEI, incluindo extração e refinação. E aqui é como um terreno por explorar porque não temos refinarias para o lítio na Europa, as únicas são na China. Estamos a descobrir que há lítio e que não precisamos de importar. Portanto há aqui uma forte oportunidade para este negócio quando vemos a procura de baterias na Europa. E tenho a certeza de que Portugal tirará vantagem disso.
Na próxima Comissão, vai continuar a ser vice-presidente responsável pelo dossiê das baterias, se for confirmado pelo Parlamento Europeu. Quais serão as prioridades? Acelerar a criação de consórcios europeus? Conta com Portugal num desses consórcios?
Diria que há dois grandes assuntos. Neste momento estamos à espera da primeira proposta para os designados Projetos Importantes de Interesse Europeu Comum [IPCEI], que são consórcios de empresas de vários países que estão habilitados para as legítimas ajudas de Estado. Esperamos em breve pela apresentação de dois consórcios, um liderado pela França e o segundo pela Alemanha. E vemos que há cada vez mais empresas interessadas em juntarem-se a estes projetos.
Depois, temos que trabalhar muito na questão da estandardização. Penso que todas as expectativas que o público europeu e a indústria europeia têm em relação a nós estão relacionadas com sermos capazes de produzir a vertente “verde” das baterias. Aí ver-se-á refletido o Pacto Ecológico Europeu [prioridade da próxima Comissão] e o impulso à produção de bens mais “limpos” na Europa. Podemos fazer tudo isto mas precisamos de estabelecer isso em “standards” e normas. E esse será o próximo foco legislativo.
Para alcançar a descarbonização, é importante que países como Portugal eliminem os benefícios fiscais aos combustíveis fósseis?
Penso que é por aí que estamos a ir. Ainda vivemos numa espécie de contradição em que, por um lado, era claro que os líderes europeus queriam que mudássemos a nossa forma de negociar emissões [de gases com efeito de estufa]. Então transformámos completamente o sistema de comércio de emissões e vemos que o preço de CO2 está agora quase a aproximar-se dos 30 euros. Então é um pouco ilógico, por um lado, carregar as empresas com um preço alto de CO2 e por outro estar a subsidiar os produtos fósseis.
Na agenda dos próximos cinco anos temos de ser capazes de oferecer melhores soluções, soluções mais “limpas” para a mobilidade, para os transportes e também em relação às tecnologias dependentes dos combustíveis fósseis.
Há uma outra contradição. Na União Europeia estamos a tentar obter energia mais “verde” mas ao mesmo tempo há empresas europeias – como a portuguesa EDP – que compram energia produzida em centrais a carvão em Marrocos. Faz sentido?
É claro que é muito difícil comentar sobre a política comercial de cada empresa. Mas creio que o que vai acontecer — e vimos isso em Nova Iorque [na cimeira do clima] –, é que estamos pouco a pouco a mudar a nossa maneira de falar. Falamos de emergência climática e não apenas de alterações climáticas. Penso que sobretudo a jovem geração deverá pedir no futuro uma espécie de certificado de origem da eletricidade e se eles tiverem oportunidade de escolher vão optar por eletricidade de fontes renováveis.
Vocês [Portugal] foram provavelmente um dos primeiros países no mundo, e definitivamente na Europa, a apostar essencialmente nas fontes renováveis. Isso prova que estão a fazer muito bem e terão uma energia que será não só “limpa” mas com custos de produção cada vez mais baratos porque as energias renováveis são muito eficientes. Portanto, as expectativas dos cidadãos, o impulso político para um pacto ecológico e o desenvolvimento tecnológico vão de alguma forma liderar a situação no mercado onde estas energias ocuparão um lugar predominante no mix energético.
Como é que a Comissão está a ver o investimento chinês em setores estratégicos dos Estados-membros como a energia e as infraestruturas?
Sei que durante o período de crise financeira em Portugal foi muito importante não só o foco na consolidação das finanças públicas mas também procurar novos investidores estratégicos. Tanto quanto sei quando falei com as autoridades portuguesas agradecem e apreciam o investimento. Penso que se o investidor respeitar as nossas regras, se estiver a fazer um bom trabalho e promover os objetivos europeus, e se o país de onde o investidor vier oferecer condições recíprocas às dos países dos investidores europeus então está tudo certo e tudo é bem-vindo.
Tívemos uma cimeira muita intensa entre a UE e a China. Estamos muito satisfeitos por ter conseguido na declaração conjunta UE-China todas as nossas reivindicações em relação à reciprocidade no comércio, à abordagem das empresas europeias e do investimento estratégico e claramente pedimos reciprocidade. Portanto está na agenda. Estou contente porque quando estive no “Belt & Road Forum” em Pequim isso foi reconhecido pelo presidente Xi Jinping. É algo em que a China reconhece que tem de trabalhar. Seria do nosso interesse europeu garantirmos o reforço das condições e abordagens dos governos para os investidores dos diferentes lados.
A nova Comissão vai propor mudanças na diretiva sobre taxação da energia, introduzindo por exemplo uma taxa sobre a aviação?
Se olhar para as orientações políticas da presidente-eleita, ela foi bastante clara ao colocar o Pacto Ecológico Europeu bem no topo da agenda e também foi clara em relação ao impulso a dar às decisões por maioria qualificada em certas áreas, incluindo na taxação da energia.
Tudo isto vai de certeza estar sobre a mesa quando a nova Comissão se juntar. Mas antes disso, todos nós [os comissários indigitados] temos de passar as audições no Parlamento Europeu.
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Maroš Šefčovič: “O lítio poderá ser o novo ouro” de Portugal
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