“Espero que a tendência seja uma diminuição dos setores com impactos mais negativos”

Nathalie Ballman, fundadora e sócia da consultora Sair da Casca, mostra-se otimista quanto à evolução da sustentabilidade no mundo corporativo, e prevê que setores menos sustentáveis percam força.

A Sair da Casca dedica-se à consultoria no ramo da sustentabilidade há mais de 30 anos. Tudo começou com a vinda de Ballan para Portugal, país no qual, com a ajuda de um fax e cartas “cheias de erros ortográficos”, conseguiu convencer três gestores de empresas – entre eles, Belmiro de Azevedo – a reunirem consigo e a participarem num projeto de educação ambiental nas escolas.

Face à recetividade, acabou por criar a empresa e começou por trabalhar a cultura de sustentabilidade interna dos clientes. Depois, os serviços foram diversificando e evoluindo: “Crescemos também com a maturidade dos nossos clientes“, conta.

Nathalie Ballan, que assume ao dia de hoje o papel de sócia na consultora, tem por isso acompanhado de perto os desenvolvimentos nesta área ao longo dos últimos 30 anos. Quando a empresa começou, apesar de se assumir como uma jovem preocupada com as temáticas sociais e ambientais, Ballan afirma que “não fazia bem a ligação entre tudo” aquilo que hoje faz parte do universo da sustentabilidade.

Hoje, afirma que “a beleza da sustentabilidade é a interligação e interdependência entre os modelos económicos, os impactos sociais e ambientais“.

Nathalie Ballan, fundadora da Sair da Casca, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Agora num novo capítulo, depois da Sair da Casca ter sido comprada pela S317 Consulting e formado o maior grupo nacional de consultoria em sustentabilidade e ESG, Ballan indica que a sua empresa ganhou escala, novas competências e maior capacidade de abraçar projetos fora das quatro fronteiras de Portugal.

Isto, numa altura em que, apesar da instabilidade criada pela administração norte-americana, contrária à sustentabilidade, e também alguns ‘vaivéns’ na legislação europeia, Ballan assume-se confiante no “bom senso” das empresas e na capacidade de continuarem o seu percurso ‘verde’. Pelo caminho, acredita, deverão ficar os setores com impactos mais negativos.

Que diferenças se foram verificando ao longo do tempo, na forma como as empresas abordam a sustentabilidade?

Nos anos 80 houve um grande foco em certificações. De ambiente, qualidade, higiene, segurança e eficiência de recursos. Daqui passamos a uma dimensão importante, de responsabilidade social, para com os colaboradores e também para as comunidades onde as empresas estão enraizadas. Isso faz evoluir para uma preocupação com a transparência e o reporte.

Nos anos 2000, as empresas começam, de uma forma relevante, a fazer os seus primeiros relatórios de sustentabilidade e a ter um foco na gestão sustentável: passamos de três temas importantes, que era qualidade, eficiência, responsabilidade social, para uma visão global de como é que se pode e se deve gerir uma empresa de uma forma sustentável.

Mais perto de 2010 surge a preocupação com o produto. Como posso ter um produto verde? Então aqui entramos na inovação, na tentativa de criar novas gamas, de desenvolver novos negócios. Dez anos depois, hoje, não é um produto ou outro, é o negócio. As empresas que trabalham connosco, já têm uma visão completamente integrada, a estratégia de sustentabilidade e a estratégia de negócio são a mesma.

E quando estamos a falar dos produtos ou dos serviços prestados, a sustentabilidade não é só de uma gama eco, é do universo total do que estamos a prestar ou a produzir.

Quantas empresas a Sair da Casca já acompanhou nesse processo de convergência entre a estratégia de negócio e de sustentabilidade?

Centenas. Mais de 300 empresas.

Nathalie Ballan, fundadora da Sair da Casca, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Quão direta é a relação entre a sustentabilidade no negócio e a criação de valor para a empresa?

A resposta fácil é dizer que existem milhares de estudos que comprovam que as empresas conforme desempenham em sustentabilidade têm melhores resultados financeiros. Eu francamente posso arranjar outros estudos que dizem o contrário. Agora, a resposta difícil: as alterações climáticas são um facto, a escassez hídrica é um facto, a perda de biodiversidade é um facto e nós, como humanos, dependemos da riqueza natural do planeta.

Para as empresas serem resilientes, elas têm de se adaptar. Têm de fazer uma estratégia e têm de pensar onde é que estão os riscos e as oportunidades. Não quer dizer que todas as empresas vão mudar, que vão se transformar e vão só ter impactos positivos, mas a decisão de definir uma ou outra prioridade, investir ou não investir, pelo menos vai-se tornar uma decisão consciente.

Eu acho que isso é a responsabilidade dos líderes das empresas. Há um momento na sua vida de líderes e decisores em que é preciso pôr numa folha quais são os impactos positivos e negativos, quais são os riscos dos desafios ambientais e sociais e geostratégicos para a atividade.

Existem setores, ou determinadas atividades, onde a integração da sustentabilidade possa não se traduzir em melhores resultados? Quais são, no fundo, as limitações da integração da sustentabilidade, consoante também atividades e setores?

Há setores que desaparecem com o tempo. Hoje em Portugal não temos nenhuma central a carvão, e estamos ok com isso. Imaginando agora que há alguém que adora a sua empresa que faz carvão e quer ser sustentável. É difícil, mas estou a partir de um caso excessivo. Provavelmente, ao nível das suas emissões com efeito estufa, não vai conseguir nada de especial, embora possa ser mais eficiente e possa ter uma fábrica o mais limpa possível, pode até ter uma política de recursos humanos fantástica, mas vai continuar a emitir.

O que vamos ver, possivelmente, é uma evolução, ou seja, setores que vão crescer e setores que vão diminuir. Isso depende da aceitação social dos setores. Mas sim, todos os setores podem fazer um esforço de maximizar impactos positivos e de diminuir impactos negativos. Há setores com impactos negativos muito relevantes.

E vamos ver com a história quais os setores que vão subsistir e outros que vão desaparecer. Há uma evolução também no mundo dos negócios: independentemente dos temas sobre sustentabilidade social e ambiental, sempre ouve negócios que desapareceram e outros que nasceram. Tem a ver com capacidade do ser humano de inovar. Por isso, eu espero que a tendência seja, obviamente, uma diminuição dos setores com impactos mais negativos.

Nathalie Ballan, fundadora da Sair da Casca, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Como é que avalia, então, o ritmo a que as empresas têm evoluído nas áreas da sustentabilidade?

Ao nível da União Europeia, Portugal foi sempre um bom aluno. Há uma grande cultura em Portugal de empresas familiares viradas para o legado, viradas para o impacto positivo. E isso eu acho que está a contagiar de forma muito positiva o setor empresarial por cá. Ao nível da Europa, também somos bons alunos, porque temos para além também de um conjunto de empresas pioneiras, a União Europeia foi pioneira em termos de regulamentação.

Na Europa temos uma democracia, temos um mercado interno, temos uma regulamentação inovadora e temos um sistema de financiamento da sustentabilidade.

Há uma grande cultura em Portugal de empresas familiares viradas para o legado, viradas para o impacto positivo. E isso eu acho que está a contagiar de forma muito positiva o setor empresarial por cá.

Como é que vê exigências de sustentabilidade a nível europeu, e sobretudo as recentes alterações que foram propostas no âmbito do pacote Omnibus, que muita gente está a ver como um recuo?

Eu compreendo a inquietação de empresas, nomeadamente PME, sobre o esforço de terem de fazer um reporte tão sofisticado. E que o relatório Draghi foi uma wake up call , pôs o dedo na ferida de uma forma estruturada. Percebo que haja inquietação face a outros países e continentes que não tenham a mesma exigência em matéria de sustentabilidade.

Por isso entendo perfeitamente que haja uma pausa. Na realidade, há um princípio que se vai manter, que é o da dupla materialidade, que obriga a olhar a risco, impacto e oportunidades, ou seja, é uma forma inteligente e criativa de olhar para uma empresa. O facto de diminuir a quantidade de indicadores para as empresas com menos de mil colaboradores não me choca.

Por outro lado, ainda não vi os resultados finais do trabalho da Comissão Europeia, pelo que é um pouco cedo para erguer uma bandeira e entrar em guerra, de um lado ou do outro. Há empresas que estão a exagerar na simplificação, ou seja, que querem usar isso simplesmente para evitar qualquer exigência à transparência.

Mas vejo também que os investidores continuam a pedir uma enorme transparência às empresas, os consumidores são cada vez mais conscientes, por isso estou muito expectante e tenho confiança no bom senso das empresas.

Nathalie Ballan, fundadora da Sair da Casca, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Nos Estados Unidos têm sido promovidos recuos importantes no ESG. O presidente Donald Trump já pôs em causa tecnologias como as renováveis, e tem vindo a querer forçar instituições, mesmo aqui na Europa, a largarem políticas de diversidade. Como é que a União Europeia e as empresas em particular se podem proteger deste tipo de investidas?

Empresas que não são afetadas no seu negócio pelos Estados Unidos, não vejo que haja um grande impacto. Depois, uma coisa são as declarações do presidente, e depois há a liberdade dos Estados. Há Estados que estão, pelo contrário, a reforçar o investimento de renováveis. Há tribunais que também estão a atacar medidas que não estão de acordo com a lei em vigor.

Na União Europeia, temos os direitos comuns, temos uma transição ecológica justa, temos uma Constituição em cada um dos nossos países que defende uma certa ideia de justiça e de inclusão e, até agora, eu não vejo que tenhamos de mudar. No geral, vejo que o tema de diversidade, equidade e inclusão é abordado pelas empresas de uma forma serena, aberta.

A sustentabilidade já está suficientemente lançada para se manter como uma tendência ou há, ainda assim, o risco de existirem recuos relevantes com estas ideias contraditórias, que vêm tanto dos Estados Unidos como também podem vir na discussão do Omnibus?

Nós [União Europeia] não estamos a questionar o nosso compromisso com o Acordo de Paris. Estamos a falar de uma coisa muito específica, que é a CSRD [Diretiva de Reporte Corporativo de Sustentabilidade]. É uma obrigação de reporte e não de atuar. O que me interessa a mim é o que fazem as empresas.

Nathalie Ballan, fundadora da Sair da Casca, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Então não vê o reporte como um motor dessa ação?

Eu vejo o financiamento e o investimento como um motor da sustentabilidade. Ou seja, a forma como escolhemos as atividades económicas que queremos financiar ou a quais queremos aplicar uma bonificação. O reporte é um exercício muito importante, interessante e rico, que é o repositório do que nós estamos a fazer, da forma como o estamos a fazer e dos nossos compromissos.

Mas não há empresas que, se não for pela compliance, não vão dar o passo à frente com a rapidez necessária?

Há empresas que, se não for obrigatório o relatório, não o vão fazer, o que não quer dizer que não vão ter práticas sustentáveis. Obviamente que, se amanhã, em relação ao reporte, voltasse tudo a zero, ficava preocupada. Mas não acredito que isso vai acontecer, estamos a falar de uma simplificação. É do equilíbrio de tensões entre as diferentes partes interessadas que vai sair a próxima proposta.

Obviamente que, se amanhã, em relação ao reporte, voltasse tudo a zero, ficava preocupada. Mas não acredito que isso vai acontecer, estamos a falar de uma simplificação.

Apesar de já estarmos numa fase em que existe uma integração do ESG no modelo de negócio, ainda há lugar tanto para o mecenato como para a responsabilidade corporativa?

É uma coisa que as pessoas esperam das empresas. Faz parte da cultura empresarial e faz parte da cultura empresarial em Portugal. Não vejo nenhuma incompatibilidade, pelo contrário, o que eu vejo é cada vez mais um maior alinhamento estratégico entre o que vocês chamam de responsabilidade social ou mecenato com a visão conjunta da empresa.

É mais um elemento que traz inovação, criatividade, coesão interna e também uma boa relação com a sociedade.

Nathalie Ballan, fundadora da Sair da Casca, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

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