“Geração muito qualificada dificilmente quererá ficar cá a trabalhar para pessoas que não têm qualificações”

O presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos frisa que os jovens portugueses são dos mais qualificados da Europa, mas são também dos que recebem menos. Daí que seja "inevitável" saída do país.

Atrair para Portugal profissionais qualificados que venham criar por cá projetos empreendedores não é apenas positivo para a economia nacional. Ajuda também a reter no país os jovens portugueses que estão a sair das universidades. O cenário é traçado pelo presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que, em entrevista ao ECO, adianta que é preciso, também para manter cá esses jovens, qualificar os líderes das empresas nacionais.

Esta é uma de três partes da entrevista de Gonçalo Saraiva Matias ao ECO. Nas outras duas, o presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos reflete sobre a imigração e o envelhecimento do país, bem como sobre as eleições de 10 de março.

Os jovens portugueses saírem é inevitável, já que temos uma geração que está no topo das qualificações na Europa e um país que está nas posições salariais mais baixas.

Gonçalo Saraiva Matias

Presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos

Falemos das saídas dos trabalhadores portugueses. A emigração é particularmente preocupante entre os mais jovens. Como podemos estancar essa fuga?

Acho que a atração de talento internacional ajuda a fixar o talento interno, porque a partir do momento em que trazemos pessoas qualificadas, que vêm desenvolver projetos, isso ajuda a criar oportunidades para aqueles jovens que estão em Portugal. Por outro lado, um aspeto de que porventura não se tem falado muito tem que ver com as pequenas e médias empresas e o baixo nível de qualificações dos gestores. Se temos uma geração que está muito qualificada, mais dificilmente quererá ficar em Portugal se estiver a trabalhar para pessoas que não têm qualificações e que nem sequer compreendem o valor acrescentado de terem a trabalhar consigo pessoas mais qualificadas. Depois, é preciso trabalhar a globalização do mercado de trabalho. Os jovens portugueses saírem é inevitável, já que temos uma geração que está no topo das qualificações na Europa e um país que está nas posições salariais mais baixas. Também temos de trabalhar para que os jovens tenham condições para regressar.

A propósito, o programa Regressar foi um sucesso ou um falhanço, com base nos dados que já se conhecem?

É um bom projeto, mas penso que poderia ser feito bastante mais nesse sentido.

De que modo?

Criando, por exemplo, dentro de uma agência para as migrações, uma dinâmica e um relacionamento com os nossos jovens que estão no exterior. É evidente que o problema salarial é difícil de ultrapassar e implica políticas macroeconómicas. Pode-se trabalhar também na dimensão fiscal e a questão da habitação é um problema gravíssimo. Além de tudo, acho que valeria a pena tirar partido daquilo que o país tem de bom e estabelecer contacto entre as pessoas que estão a sair e as nossas empresas, de modo a criar oportunidades de regresso.

Gonçalo Saraiva Matias, presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, em entrevista ao ECO - 09FEV24
Gonçalo Saraiva Matias, presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, em entrevista ao ECO Hugo Amaral/ECO

Disse que os gestores precisam de ter mais qualificações. A quem caberia incentivar esse processo de qualificação e também requalificação?

É preciso conhecer os dados. A fundação está a estudar isso. O pior que pode haver são políticas casuísticas e não informadas. Depois, é claro que há limitações naquilo que a política pública pode fazer. O Estado não pode pura e simplesmente interferir na vida das empresas. Mas é possível certamente criar incentivos positivos, no sentido de as empresas perceberem que têm vantagens em qualificar os seus trabalhadores e gestores, em crescer em escala, em internacionalizar os seus negócios. Portanto, há certamente mecanismos que podem dar um incentivo positivo nesse sentido.

Mecanismos fiscais?

Nomeadamente fiscais e outros incentivos públicos. Financiamentos europeus. Portanto, pode haver mecanismos positivos que favoreçam esta adaptação das nossas empresas.

O nosso mercado de trabalho não é sustentável se não tiver pessoas. Por outro lado, o nosso Estado social não é sustentável como um todo se não tiver pessoas ativas.

Gonçalo Saraiva Matias

Presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos

Na sua opinião, qual o grande desafio do mercado de trabalho, neste momento?

O grande desafio do mercado de trabalho, mas também do país é a demografia. O nosso mercado de trabalho não é sustentável se não tiver pessoas. Por outro lado, o nosso Estado social não é sustentável como um todo se não tiver pessoas ativas, se não tiver uma sociedade vibrante, que produz riqueza para poder distribuir. Esse é o grande desafio que temos e não é de resolução fácil.

E que temas está a Fundação Francisco Manuel dos Santos neste momento a estudar?

A fundação está a estudar temas que têm que ver com a pobreza, com as desigualdades, com a qualidade da democracia, com a corrupção, com o desenvolvimento económico e com as qualificações. São os temas que identificamos como prioritários, neste momento. Ao longo deste ano e do próximo, vamos lançar um conjunto de estudos, mas também de policy papers e de barómetros. Estes dois últimos são inovações que lançámos recentemente. Esperamos conseguir encontrar um conjunto de recomendações sobre estes grandes temas que preocupam os portugueses e que são fundamentais para o nosso desenvolvimento futuro.

  • Diogo Simões
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