Martim Guedes, líder da Aveleda, diz que “empresas pagam impostos a mais” e “inflexibilidade laboral não é benéfica para trabalhadores”. Funcionários públicos “esperam muita coisa que não é realista”.
Martim Guedes, co-CEO da Aveleda, “só [vê] a imigração como positiva e absolutamente necessária” para o crescimento da economia portuguesa, que teria igualmente “avanços grandes” com uma reforma na Justiça que poderia ser feita “com um esforço viável e que Portugal pode suportar”. Ao contrário das promessas que diz serem irrealistas feitas a vários grupos profissionais da administração pública e que, não sendo “sustentáveis”, irão provocar “conflitos sociais” no país, adverte o gestor da empresa que detém a marca Casal Garcia, para quem “não é necessariamente de injeções de dinheiro que a agricultura precisa”.
Em entrevista ao ECO, o líder da histórica produtora de vinhos, que fatura 47 milhões de euros e emprega 185 pessoas, defende a diminuição da carga fiscal e lamenta o hábito de “acenar com bandeiras de grandes apoios” nos fundos europeus que depois, na prática, “não são nada daquilo que parecem”.
O empresário de 46 anos, formado em Finanças e que trabalhou seis anos na banca de investimento antes de entrar no negócio da família, critica ainda o “caminho de inflexibilidade laboral que se fez nos últimos anos” e que também “não foi benéfico para os trabalhadores”. Aponta mesmo a legislação laboral como “uma limitação que inibe as empresas de darem alguns passos maiores”.
Como avalia o estado atual da economia portuguesa? Está menos ou mais otimista do que em relação ao setor do vinho?
Estou otimista porque vejo uma tendência muito forte no turismo, que tem sido um grande motor da economia portuguesa, que faz mexer toda a economia e traz muito emprego. Nada indica que esse crescimento esteja a abrandar, pelo contrário, e tem crescido em termos qualitativos. Acho que o turismo pode trazer todo o resto da economia atrás. Temos esse grande setor que vai continuar a puxar pela economia. Felizmente, Portugal tem-se posicionado num turismo de qualidade.
Mas é um risco ter uma economia tão dependente do turismo. Em que outros fatores assentam esse otimismo?
Temos outros fatores que nos ajudam muito, como o acordo feito com os PALOP, com quem temos alguma facilidade de intercâmbio e que nos permite ter acesso a mão-de-obra de países que têm a nossa língua e alguma proximidade cultural. Quando olho para outros países da Europa, vejo que têm muita dificuldade de integração dos imigrantes. Aqui temos essa grande vantagem, que pode ajudar muito a crescer em setores que precisam de mão-de-obra. Objetivamente, se apenas tivéssemos trabalhadores nascidos em Portugal, hoje não tínhamos mão-de-obra suficiente para dar resposta [às necessidades]. Falo em geral, mas também na nossa empresa. Até no enoturismo temos recorrido a ela e com sucesso. Fará parte do nosso crescimento sermos cada vez mais multiculturais também enquanto empresa.
Assusta-o o discurso anti-imigração que começa a entrar também em Portugal?
É um tema político quente, mas para mim não é. Vejo claramente a imigração como algo necessário e positivo para este crescimento. Se conseguimos fazer bem a integração destas culturas, não vejo razão nenhuma [para esse discurso] – e os dados não mostram que isto tenha sido um problema nos últimos anos para o nosso país em termos sociais, económicos ou políticos. Há ideologias que estão mais preocupadas com isso, mas, quando olho para a economia, só vejo a imigração como positiva e absolutamente necessária. É a única forma de fazer crescer a economia portuguesa.
E vê margem para a economia portuguesa continuar a crescer, apesar das sombras e ameaças que pairam?
Sim. A economia portuguesa tem feito um caminho grande também ao nível da qualificação da indústria e hoje temos empresas de ponta ao nível dos serviços tecnológicos, dos serviços financeiros ou dos serviços partilhados. Portugal começa a ser um hub importante nessa área qualificada, que não era há 20 anos, de todo. A qualidade de vida também ajuda porque traz muito investimento direto estrangeiro (IDE) de empresas. Sobretudo a partir do momento em que temos o trabalho remoto, o país passou a ser ainda mais interessante para empresas de tecnologia de ponta. E vão progressivamente substituir algumas indústrias mais tradicionais, em que Portugal pode perder alguma força. Se conseguir substituí-las por indústrias de maior valor acrescentado, o saldo é positivo. Não podemos depender de um modelo de salários baixos. Não penso que esse seja um modelo de futuro e que nos torne mais competitivos. Temos claramente de ter uma convergência salarial com a Europa e foco em indústrias de criação de valor.
Quais deviam ser as prioridades do novo ministro da Economia, Pedro Reis? Que tipo de medidas transversais aos vários setores podiam ser atacadas?
Por exemplo, este caminho de inflexibilidade laboral que se fez nos últimos anos não foi benéfico, nem para os trabalhadores nem para as empresas. O princípio de que há menos flexibilidade laboral, mais assente na antiguidade do que no mérito, torna mais difícil haver mudanças. É sempre uma limitação e pode inibir as empresas de darem alguns passos maiores. Para Portugal captar mais investimento estrangeiro tem de se posicionar como uma economia moderna e aberta, e não a como uma economia que está a regredir em termos de legislação laboral para aquilo que era há quase 50 anos.
Antevê que a instabilidade política no país seja um problema para a economia?
Provavelmente, vamos ter governos mais curtos do que tínhamos no passado. É o novo normal a que temos de nos habituar. Mas é normal em todos os países na Europa, pelo que para nós, empresários, essa não pode ser a desculpa para as empresas portuguesas não crescerem mais. Isso existe em todos os países e em Espanha ainda é pior. Esta é a realidade em que as empresas vão ter de crescer. Em termos de política económica, gostava de ver um planeamento mais a longo prazo, e não a um ano, como vemos agora. Temos ciclos políticos cada vez mais curtos e há uma preocupação de muito curto prazo, e não de longo prazo.
Este caminho de inflexibilidade laboral que se fez nos últimos anos não foi benéfico, nem para os trabalhadores nem para as empresas. É uma limitação e pode inibir as empresas de darem alguns passos maiores.
Como avalia o nível de carga fiscal a que estão sujeitas as empresas em Portugal?
Portugal vinha numa tendência de decréscimo, a ganhar competitividade. Mas nos últimos anos, até com o aumento progressivo da derrama, houve alguma alteração [nesse caminho], ao passo que outros países da Europa estão a ganhar alguma competitividade fiscal. Esse deve ser um tema em Portugal. Temos conseguido captar investimento direto estrangeiro, mas este é um tema a ter atenção. As empresas pagam impostos a mais em Portugal. Não que o IRC seja particularmente elevado, mas quando consideramos a globalidade de todos os impostos e de todos os custos de contexto que temos. Uma pequena economia aberta como Portugal devia ser mais competitiva, quando comparada com outros países, e ter uma carga fiscal mais baixa.
Isso prejudica também as empresas portuguesas face às concorrentes de outros países. As pequenas economias, como a nossa, têm de ser muito dinâmicas. Quando um produto português compete com um produto francês ou italiano, tenho sempre de entregar mais por menos preço, por causa do histórico e da reputação de cada país. Portanto, devíamos ser mais ágeis e ter uma carga fiscal mais baixa do que países como França ou Itália, para sermos mais competitivos e crescermos mais. Se a nossa prioridade é o crescimento, isso é importante. Num prazo longo, Portugal tem crescido menos do que a União Europeia e o crescimento económico deve ser uma grande preocupação.
E as grandes empresas deviam ser mais chamadas a esse exercício e ser-lhes dada mais atenção?
As empresas têm feito o seu papel. De facto, o discurso político aponta sempre mais para as PME, mas as grandes empresas têm sempre perspetivas de crescimento. O que causa às vezes um bocadinho de ruído é falarem-nos constantemente de muitos fundos [europeus], do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], habituarem-se a acenar com bandeiras de grandes apoios e depois quando se vai ver as letras pequeninas é como nos contratos de seguros: quando vamos esmiuçar, na maior parte dos casos os apoios não são nada daquilo que parecem. É uma questão de gestão das expectativas que se criam de que há grandes apoios e depois eles acabam por ser muito mais direcionados para investimentos públicos do que para investimentos privados.
Além da legislação laboral, da carga fiscal e da aplicação dos fundos europeus, há algum outro ponto relevante que o preocupe, enquanto empresário?
Há ainda outro que é transversal, a Justiça. Felizmente, é um ponto que não nos tem afetado muito [na Aveleda], mas a lentidão global da Justiça é algo que preocupa. Nestes casos mediáticos, o que mais me chama a atenção é realmente o tempo que eles duram e quanto se prolongam. E quando falamos na captação de investimento direto estrangeiro, este é sempre um fator relevante para quem investe. Parece-me uma área em que, com um esforço viável e que Portugal pode suportar, se podiam dar avanços grandes [com benefício] para a nossa economia.
Assistimos nesta fase a negociações e reivindicações de vários setores que vão levar ao aumento da despesa permanente. Preocupa-o esse cenário para as finanças públicas?
Mais uma vez, é um tema de expectativas. Em todo o tecido social criou-se uma expectativa muito grande de que vêm aí anos gordos. E se não vierem, sabemos que vão dar origem a greves e a instabilidade [social]. Isso vai ter de ser gerido com muito cuidado. Já nos últimos anos tivemos greves que têm conseguido paralisar — quanto a mim de forma excessiva — setores como os Transportes ou a Saúde, que são vitais. Isso pode ser muito grave. Portanto, essas expectativas [de valorizações salariais na Função Pública] têm de ser geridas com muito cuidado porque as pessoas estão à espera de muita coisa que, provavelmente, não é realista. (…) Por outro lado, se essas promessas não forem todas sustentáveis, vamos ter conflitos sociais.
O novo Governo quer que o salário mínimo nacional chegue aos mil euros até 2028, comprometendo-se para isso a fazer aumentos em linha com a inflação acrescida dos ganhos de produtividade. Parece-lhe um valor e um plano adequados?
Não me preocupa o aumento do salário mínimo. Esse é o caminho que temos de seguir — e de convergência com o resto da Europa. Quando entrei na empresa, há 15 anos, lembro-me que o salário mínimo eram 383 euros, tenho esse número de memória. Hoje estamos acima dos 800 [820 euros, desde 1 de janeiro]. Foi um aumento muito significativo e é algo de que o país se deve orgulhar. É um caminho natural de melhoria das condições de vida das pessoas. Outro caminho seria de retrocesso. Temos é de ter também um aumento da produtividade, e aqui a tecnologia pode ajudar.
Expectativas de aumentos na Função Pública têm de ser geridas com muito cuidado porque as pessoas estão à espera de muita coisa que, provavelmente, não é realista. (…) Por outro lado, se essas promessas não forem todas sustentáveis, vamos ter conflitos sociais.
70% da faturação da Aveleda é feita nos mercados da exportação. Qual é atualmente a imagem externa do país? O que lhe dizem os clientes?
Mudou muito nos últimos anos. Sobretudo quando vamos para geografias mais distantes, como os EUA, mudou muito a perceção que têm de Portugal. Há uns anos perguntavam-nos onde ficava esta província de Espanha e se a nossa capital era Madrid [risos]. Hoje em dia, muito por via do turismo, Portugal passou a ter um lugar [de maior destaque] e está muito na moda. Quando vou lá fora, toda a gente me diz que esteve ou está a pensar vir de férias a Portugal, o nome do país é cada vez mais falado. Esse interesse e essa curiosidade não existia.
Num paralelo com o mercado dos vinhos, há uns anos íamos a uma garrafeira num mercado internacional e tínhamos prateleiras para Espanha, para Itália, para França, enquanto Portugal ou estava na prateleira de Espanha ou estava numa que dizia “resto do mundo”. Agora, normalmente, já há uma prateleira para nós. Portugal já está no mapa. É uma mudança muito grande e ajuda sobretudo às exportações com valor. O país é hoje visto com maior credibilidade, como sendo capaz de produzir produtos de qualidade e pelos quais vale a pena pagar mais, e não por produtos de primeiro preço.
Concorda com a reintegração da AICEP no Ministério da Economia? E o que devia a agência fazer de diferente na promoção externa e na captação de investimento estrangeiro?
Não temos um contacto muito frequente com as delegações da AICEP fora do país. O que temos é positivo. Pontualmente, pedimos ajuda e temo-la tido. É uma rede que acho que funciona e que nos ajuda. Não lhe sei dizer [se a mudança de tutela] vai ser positiva ou negativa, mas diria que essa rede é algo que não devemos perder.
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“Imigração é a única forma de fazer crescer a economia portuguesa”
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