Em entrevista ao ECO, o dirigente da FENPROF critica quem acusa o sindicato de andar calado, e fala dos problemas que precisam de soluções urgentes, como desgaste e envelhecimento do corpo docente.
Em antecipação do dia de luta dos professores esta quarta-feira, Mário Nogueira, secretário-geral da FENPROF, falou ao ECO sobre as grandes questões que preocupam os docentes, e para as quais exigem soluções: o descongelamento das carreiras, a precariedade, após a profissão ter sido deixada de fora do grande programa de regularização de precários do Governo, e o desgaste e envelhecimento do corpo docente — por exemplo, no grupo de Português, “por cada colega com menos de 50 anos temos 700 professores com mais de 50 anos”, assinala.
O sindicalista que já foi acusado pessoalmente pela Juventude Social Democrata (JSD) de controlar o Governo também respondeu às críticas de que as organizações sindicais não se manifestam tanto devido ao acordo parlamentar de esquerdas. “Hoje os deputados do PSD e do CDS são verdadeiros incapazes”, afirmou.
Tendo em conta o estado atual da carreira, os jovens continuam a querer ser professores? O que os desmotivaria?
Penso que a única coisa que continua a ser apelativa para um jovem ser professor é que professor é uma profissão com futuro, por um lado, e que é para quem gosta, e há muitos jovens que gostam. Não deixa de ser uma profissão que tem muitos aspetos extremamente positivos e que entusiasmem qualquer um que goste de trabalhar com crianças e jovens.
Não é só uma questão que tenha a ver com a carreira, mas também com o emprego. Hoje, muitos dos mais jovens na profissão estão desempregados, a trabalhar nas mais diversas tarefas, ou tiveram de emigrar porque não tiveram emprego. Depois há um problema de precariedade também muito forte, mais de 20% dos docentes são precários, e nem falamos aqui em muitos jovens. Há dois anos, a profissão tinha, em mais de 110 mil professores, menos de 500 jovens até 30 anos. [Os dados vêm da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, de um estudo publicado em julho de 2016, que pode consultar aqui em PDF.] E depois há o problema de carreira também. Os mais jovens que conseguiram entrar nos quadros e deixaram de ser precários ficaram rigorosamente com o mesmo salário quando eram contratados.
Isso é mau porque afasta da profissão os melhores. Uma profissão que garanta emprego, estabilidade e uma carreira valorizada atrairá também os melhores para a profissão.
Preocupa-o o envelhecimento dos quadros de docentes?
Evidentemente que sim. Hoje temos situações, por exemplo, no grupo de Português, em por cada colega com menos de 50 anos temos 700 professores com mais de 50 anos. Há dias estive numa escola em que o professor mais novo tinha 52 anos. Os estudos que existem no nosso país apontam para que cerca de um terço dos docentes tenha neste momento problemas de burnout, o que também tem a ver com o envelhecimento da profissão. [O estudo foi divulgado pela Lusa em fevereiro do ano passado, e realizado pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada].
O próprio relatório do PISA, recentemente divulgado, apontava como um dos constrangimentos a um melhor desempenho dos professores precisamente o envelhecimento, no caso do português. Temos estudos também a nível nacional: ainda um recente notava que o envelhecimento da profissão acaba também por ser um fator que controla menos a indisciplina dentro das salas de aula. [Os dados vêm do projeto aQeduto, uma parceria entre o Conselho Nacional de Educação e a Fundação Francisco Manuel dos Santos, que pode ser consultado aqui].
E depois há um outro problema último que tem a ver com o encontro entre gerações. Algo que é muito importante é sempre que a nova geração, com outros instrumentos de trabalho, outras dinâmicas, outra força, se cruze com a geração mais antiga, o que é importante porque também têm muito a aprender com a experiência.
E como é que se enquadra nesta dinâmica a proposta da FENPROF de um regime especial de aposentação para os professores?
Há uma geração de professores que está hoje a atingir os 60 anos e que vê pela frente mais uma data de anos em que ainda tem de trabalhar quando era suposto, quando estava a iniciar a sua atividade, já estar hoje aposentada. Depois de terem feito todos os seus descontos, se saírem agora têm cortes da sua pensão que fazem com que a sua remuneração mensal seja reduzida a menos de metade.
O regime especial era bom para tudo: para os próprios, para as escolas, para o erário público, e já agora para os jovens [professores], que assim encontrariam espaço para se poderem encaixar. A criação deste regime especial de aposentação é uma questão de justiça mas também de necessidade. E é uma questão de justiça para os alunos, porque também têm direito a terem professores mais jovens, porque precisam disso, de alguém mais próximo deles. Todos ficariam a ganhar e acho que o próprio Ministério da Educação reconhece isso.
Então vê abertura do lado do Ministério para aplicar um regime especial de aposentação?
Não… reconhece isso, mas não tem abertura. Reconhecem este envelhecimento — também seria difícil não reconhecerem, só se estivessem a olhar para outro país — e dizem que pela parte deles também gostavam que houvesse uma forma de os professores menos penalizados poderem ser substituídos, mas que não depende deles. Portanto se não depende deles, depende de alguém no Governo. Dependerá do Ministério das Finanças, do primeiro-ministro, do Governo na sua globalidade, e eventualmente terão medo que, ao abrir esta porta para os professores outros venham dizer que também têm este problema.
Mas não tem a ver com procurar um privilégio para os professores. Tem a ver mesmo com o problema do desgaste. Há estudos nacionais e internacionais que mostram que o desgaste nesta profissão é acentuadíssimo.
É irresponsável da parte do Governo manter a situação que hoje temos. A renovação de uma geração de docentes é absolutamente indispensável, não se pode adiar mais.
Estamos a falar da profissão de professor. Se estivéssemos a falar de um oleiro, sem desprestígio para a profissão, se a peça que ele está a fazer sair com defeito ele deita fora e faz outra — ou vende mais barato. Neste caso não é bem assim, porque os professores trabalham com crianças e com jovens. E um erro cometido na educação de uma criança ou de um jovem em determinada idade não se pode corrigir fazendo a criança voltar à mesma idade. Não é solúvel. Portanto, é irresponsável da parte do Governo manter a situação que hoje temos. A renovação de uma geração de docentes é absolutamente indispensável, não se pode adiar mais.
Falando sobre esta quarta-feira, em relação à petição que foi entregue no Parlamento, já tiveram algum feedback dos grupos parlamentares? Qual o impacto que esperam ter no Parlamento?
Esperamos que os grupos parlamentares vão além daquilo que foram até hoje, que é dizer que reconhecem os problemas, mas resolvê-los é que é um… problema. É um discurso que ouvimos frequentemente de alguns grupos parlamentares, em particular dos que por norma são partidos maioritários do Governo, seja o PS ou o PSD: o problema existe, conhecemos o problema, reconhecemos o problema e até achamos que é preciso fazer qualquer coisa. Depois queremos saber o que é essa coisa, e isso é que eles já não dizem.
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Algo que o ministro nos disse na reunião de 5 de abril foi que aposentação antecipada não poderia ser, mas é necessário haver um ajustamento funcional. Um ajustamento funcional parece-nos a nós que quer dizer que tem de se pegar no que são as funções docentes e aliviar a carga de algumas tarefas ou horas de trabalho. Mas como ele só disse que era um ajustamento funcional, não sabemos muito bem o que é.
Que aspetos aborda a petição entregue no Parlamento?
Aborda três aspetos com quatro medidas, que são importantíssimas para os professores. A primeira é a questão da precariedade. Os professores ficaram excluídos do programa nacional de combate à precariedade, o chamado PREVPAP, que é este programa em que as pessoas requerem entrada nos quadros dos serviços. Não temos nada contra isso porque pensamos que é melhor para os professores que a sua vinculação ou entrada dos quadros se faça diretamente no Ministério da Educação.
É isso que diria aos professores que se mostraram indignados por não estarem abrangidos pelo PREVPAP?
Sim, acho que isso não tem sentido. A criação de um mecanismo de vinculação extraordinária de professores, que permita o seu ingresso nos quadros, partindo do Ministério da Educação, seria perfeito. Não fazemos questão de estar no PREVPAP, mas fazemos questão de saber como se resolve o problema da precariedade dos professores. É o setor que tem a maior taxa de contratação a termo em toda a Função Pública — 46,7% da contratação a termo é por conta do Ministério da Educação, sendo que destes a grande maioria são professores. O que reivindicamos é que em 2018 e 2019 haja novos momentos de vinculação extraordinária que possam resolver o problema.
Quais os outros aspetos abrangidos pela petição?
O segundo é a questão do desgaste, sobre a qual já falei. Aqui temos duas propostas. Por um lado, o regime especial de aposentação. Para os outros, que ainda não estão perto da idade de aposentação, será uma intervenção no âmbito dos horários de trabalho.
Os horários estão absolutamente pervertidos. Os professores têm uma componente letiva, que representa as aulas e interação direta com os alunos, uma componente de estabelecimento, que é a das tarefas que se fazem na escola, onde se incluem as reuniões, e depois tem uma componente individual de trabalho, que são as correções de testes e preparação das aulas, entre outras tarefas. O que é que fez o Ministério da Educação? Encheu a componente letiva só com as aulas. Tudo o que são outras atividades diretas com os alunos, sejam apoios a grupos, que muitas vezes são a turma inteira, sejam coadjuvações, quando dois professores trabalham com a mesma turma, foram passados para a secção de “atividade de estabelecimento”. Sendo assim, atividades que incluem as reuniões tiveram de ser empurradas para a secção de “atividade individual”.
Preenchidas as 35 horas desta forma, o professor não pode chegar ao fim do dia e não preparar as aulas. Acaba por ter de o fazer nas horas em que devia estar a dormir ou estar com os filhos… Fizemos contas com um inquérito a que responderam mais de cinco mil professores, e o horário médio do professor é de 46 horas semanais, o que não tem paralelo em mais nenhuma profissão. [O inquérito foi realizado pela FENPROF e divulgado em março deste ano. Os dados podem ser consultados aqui, em PDF.] O professor não pode dispensar-se, porque já cumpriu as suas sete horas, de preparar uma aula, ou de corrigir testes e trabalhos.
Obtiveram alguma resposta do Governo acerca dos resultados desse inquérito?
Não houve resposta nenhuma. Deve ser definido com clareza o que é letivo e não letivo, impedindo que a gestão seja feita de uma forma que, na nossa opinião, não é correta.
E qual é o terceiro aspeto previsto na petição?
O terceiro aspeto é a questão das carreiras. Anuncia-se o descongelamento das carreiras para 2018, diz-se que toda a Administração Pública vai ter esse descongelamento, e depois olhamos para as verbas previstas no âmbito do chamado Programa de Estabilidade até 2021, e somos levados a concluir que aquelas verbas não contemplam o descongelamento das carreiras dos professores tal como elas existem, o que seria absolutamente inaceitável. Portanto, são estas quatro questões: a precariedade, as carreiras, os horários de trabalho, e a aposentação, são as quatro questões da profissão.
A FENPROF mantém o ultimato de mover para greve se não houver uma reunião com o ministro da Educação até 26 de maio para fazer um compromisso negocial?
Não diria que seja um ultimato, embora pareça por haver uma data limite. O que achamos é que há prazos para tudo. Estamos a falar de situações que são complexas, temos consciência disso, e não íamos pedir que se resolvesse amanhã o que anda a acumular-se há uma década. No primeiro ano de governação houve alguns problemas importantes para nós que foram sendo resolvidos, mas agora já estamos a meio da legislatura e é preciso fazer mais qualquer coisa, para não ficarem por resolver as questões de fundo. Estamos disponíveis para que esse compromisso seja calendarizado até ao final da legislatura. Se não for assim, evidentemente que vamos avançar para ações.
Se não houver [compromisso com o Governo] avançaremos ou com uma grande manifestação nacional, ou com uma greve, e neste caso inevitavelmente coincidirá sempre com avaliações.
Ou até dia 26 há um compromisso de negociação…
É evidente que se não houver avançaremos ou com uma grande manifestação nacional, ou com uma greve, e neste caso inevitavelmente coincidirá sempre com avaliações, uma vez que elas começam no dia 7 de junho, ou com as duas coisas, quem sabe. Depende de como as coisas evoluam até lá. O que mais queremos quando marcamos uma forma de luta é não ter de a fazer, mas não ter de a fazer porque o problema está resolvido.
Como vê o atual Governo no que toca à sua posição face às escolas e aos professores?
Este Governo em relação à educação tem uma coisa inegavelmente distinta do anterior: um discurso de defesa da escola pública. Discurso que teve uma ação concreta quando foi feito um primeiro corte, que esperemos que seja continuado, no financiamento a colégios privados com contrato de associação em zonas onde havia resposta pública.
Mas para defender a escola pública não basta ter um discurso, ou fazer um corte no privado. É preciso investir nessa mesma escola pública. Sabemos que a escola pública tem problemas que são todos conhecidos, e se o Ministério da Educação não investir para que as escolas tenham boas condições e boas respostas, são os próprios pais que um dia destes vão concluir que lá não há condições. A nível de investimento, este Governo ainda não fez nada. Quebrou o ciclo de corte, mas também era difícil não estancar o corte, mas ainda não o reverteu, ainda não voltou a investir na escola.
Parece-lhe que os sindicatos têm mais ou menos poder junto deste Governo relativamente aos anteriores?
Há mais diálogo. Isso não quer dizer que haja mais soluções. E repito: resolvemos problemas no primeiro ano desta legislatura que se arrastavam há anos. Nesta fase agora, não é por falta de diálogo que as coisas não se resolvem, é mesmo por falta de medidas. Reconhecemos que reunimos mais com este Governo do que com o anterior. O problema é que este diálogo não está a ser consequente. Por isso é que instamos ao ministro a colocar a questão do compromisso: não basta irmos reunir e ele dizer que reconhece muitos dos problemas que colocamos. Tem é de estar disponível para se comprometer a resolvê-lo.
O que responderia a quem o acusa, tanto a si diretamente como aos sindicatos em geral, de estar “mais calado” devido ao novo acordo parlamentar?
São as acusações normais da direita, porque temos uma direita absolutamente incapaz. Hoje os deputados do PSD e do CDS são verdadeiros incapazes. Já tivemos gente de direita com quem podíamos discordar sobre as soluções que tinham para o futuro da educação mas reconhecíamos-lhes capacidade, inteligência… e hoje não.
Achavam que se os sindicatos contestassem eles aproveitavam, montavam-se ao colinho e tentavam desgastar assim o Governo. Achavam que andámos seis anos contra a PAC, de repente a PAC acabava e fazíamos uma manifestação? Andámos a dizer que era ilegal e até inconstitucional que os nossos salários tivessem cortes no seu valor pleno. O Governo repõe os salários na íntegra e fazíamos dois dias de greve? Isto é idiota. E mostra que quem o diz… enfim, não tinha outra ideia. Mas digo-lhe uma coisa: houve acusações e até insultos que, vindos de quem vinham, até eram mimos.
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Mário Nogueira: Direita queria desgastar Governo “ao colinho” dos sindicatos
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