• Entrevista por:
  • Helena Garrido e Paula Nunes

Miguel Poiares Maduro defende imposto europeu como via para salvar a União

Ainda é possível salvar a União Europeia. A via que Miguel Poiares Maduro defende é a alteração do atual modelo europeu de recursos próprios.

Um imposto sobre transações financeiras ou sobre poluição transfronteiriça, um tipo de tributação que fosse neutral para os cidadãos é a solução para a União Europeia sair da situação de crise em que está. Com um modelo de recursos próprios diferente do atual, com um imposto, “a União estaria a redistribuir a sua riqueza e não a riqueza da Alemanha aos portugueses ou a riqueza dos holandeses aos espanhóis”.

Estamos na última parte da nossa conversa na entrevista ao ECO, em que Miguel Poiares Maduro fala do futuro da Europa. Evita fazer previsões porque diz, o quadro e tão complexo que se aplica a frase do jogador: “previsões só no fim”. Conclui dizendo que ainda é possível salvar o projeto europeu, embora não esteja muito otimista.

Na sua perspetiva o Brexit é o primeiro de muitos passos de um processo de desintegração europeia depois de 60 anos de integração?

Costumo dizer relativamente à União Europeia que é como dizia aquele futebolista: previsões só no fim. É difícil antecipar como é que a União reage às crises. A minha visão é, infelizmente, tendencialmente pessimista. Não no sentido de uma desintegração pela multiplicação de saídas de Estados-membros da União Europeia. Vejo é que seja muito difícil a criação de condições para a União gerar os compromissos necessários para os passos que têm de ser dados.

Nos cinco cenários que a Comissão apresenta, o que antecipo é um ‘carrying on’, uma continuação. Na minha perspetiva, a União vai tentando gerir casuisticamente as crises. Mas ao mesmo tempo isso vai minando as condições de legitimidade e o apoio popular ao processo de construção europeia, porque vai aumentar o ‘gap’ entre as expectativas que a União Europeia vai criando e aquilo que consegue depois concretizar e oferecer aos seus cidadãos. Há um risco de erosão progressiva do processo de integração europeia.

Dito isto, não excluo, até porque as variáveis que intervêm no processo de integração são muito diferentes, que possa, em determinado momento, existir uma conjugação de fatores que permita à União tomar duas ou três decisões importantes e particularmente necessárias para o seu futuro. A mudança do modelo de recursos próprios é o que poderia desencadear esse processo. O que contamina tudo o resto na União Europeia é que a solidariedade, o financiamento da União, a maior parte das políticas da União, são vistas quase sempre como jogos de soma zero e de transferências entre Estados-membros. Porque os recursos da União Europeia são transferências dos recursos nacionais. Se os recursos da União Europeia passassem a estar associados à atividade económica europeia, que a União Europeia ela própria colectava…

Está a propor um imposto europeu? Não é a pior altura para avançar com um imposto europeu?

Depende. Por exemplo, o Relatório Monti. Há vários impostos europeus que não são sobre os cidadãos. O imposto sobre as transações financeiras é uma hipótese. Há outros, sobre a poluição transfronteiriça, ou os que procuram tributar aquelas áreas da economia digital que escapam à tributação. Um imposto, que fosse neutral para os cidadãos, até pelo contrário, poderia ser um instrumento de legitimação e apoio popular à União Europeia. Porque a União Europeia poderia ser vista como reinstituindo uma justiça fiscal que estava a ser perdida.

Com este tipo de imposto, a União estaria a redistribuir a sua riqueza e não a riqueza da Alemanha aos portugueses ou a riqueza dos holandeses aos espanhóis.

Mas considera que é viável politicamente?

Não acho impossível. Lembro-me de uma vez estar numa discussão com umas pessoas e diziam-me que isso era impossível, mas a minha resposta foi que passamos um dia e meio a discutir as vossas propostas impossíveis, podemos passar 15 minutos a discutir a minha proposta impossível. Ou seja, na União Europeia todas as propostas são impossíveis. Quais é que politicamente conseguirão ser viáveis é difícil de definir.

O que é muito importante é gerar credibilidade e estar disponível para oferecer algo aos outros. Um erro, na posição negocial do Governo português, é aquilo que tem sido a sua posição face aos outros Estados-membros com mais resistência dar alguns passos no domínio da partilha de risco de risco na zona euro. Não é uma posição conducente a que esses Estados-membros tenham uma posição negocial para connosco. Depois de dizer uma coisa que é popular internamente dificulta as negociações para o compromisso necessário a nível europeu. Porque depois os alemães também fazem o mesmo. A política, no fundo, é a reconciliação de preferências diferentes. Um dos problemas atuais é que temos, ao mesmo tempo, de reconciliar preferências diferentes num espaço europeu e não num espaço nacional.

Isso é um diagnóstico que tem anos…

Mas não é entre interesses nacionais, é entre interesses políticos nacionais imediatos. Porque o nosso interesse nacional é conseguir gerar as condições para reconciliar essas posições a nível europeu.

Mas ia referir um aspeto relacionado com a impossibilidade das medidas necessárias para “salvar” a Europa.

O primeiro é criar as condições para ser possível atingir um compromisso e isso implica criar condições de confiança mútua. O segundo aspeto é apostar em algo que seja uma alavanca para tudo o resto. E digo que se eu tivesse poder de pôr as minhas fichas eu punha as minhas fichas na mudança de recursos próprios. Para mim, do ponto de vista estratégico, mudando os recursos próprios estamos em condições de mudar muitos outros aspetos difíceis e problemáticos na União Europeia.

Portanto, na sua perspetiva ainda é possível salvar a Europa?

Ainda é possível. Não é que eu esteja muito otimista, mas ainda é possível.

  • Helena Garrido
  • Paula Nunes
  • Fotojornalista

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