“Ministério da Economia tem de ser mais musculado e concentrador”

José Manuel Fernandes clama por “apoios inspiradores e mobilizadores” para atrair mais investimento estrangeiro e sugere interlocutor único no Governo para “simplificar a relação com os empresários".

O presidente do Conselho Geral da Associação Empresarial de Portugal (AEP) diz que, tal como o próximo Governo, que “os empresários não querem [que seja] uma nova geringonça de esquerda”, também os empresários “têm de ser tocados no entusiasmo da ambição para terem projetos mais ousados e integrarem cadeias de valor mais fortes”, defendendo um Ministério da Economia “mais musculado e concentrador para permitir políticas públicas mais efetivas”.

Em entrevista ao ECO, o histórico industrial nortenho dramatiza a oferta de “apoios inspiradores e mobilizadores” para atrair mais investidores estrangeiros. Depois de o PT2020 ter “[falhado] redondamente na capitalização das empresas”, adverte que “é muito valioso trazer um líder mundial de uma área industrial para Portugal do que entregar empresas portuguesas com notoriedade, capacidade de marca e internacionalização a um fundo de private equity”.

Teme nos próximos tempos um maior abrandamento da economia portuguesa?

Sim. Mais pelas variáveis externas negativas. Portugal poderia estar a passar neste momento por um plano negativo menos inclinado, com mais resiliência, se tivesse uma estrutura empresarial com produtos e serviços de mais valor acrescentado. Temos ainda um caminho grande a percorrer. Será aquele que nos vai permitir no futuro caminhar com uma maior aproximação ao grupo da frente dos países mais desenvolvidos da União Europeia e fugir da média, com um crescimento mais consolidado. Precisamos de mais ambição da parte do novo Governo e os empresários têm de ser tocados no entusiasmo da ambição para terem projetos mais ousados e integrarem cadeias de valor mais fortes.

E aqui o investimento direto estrangeiro tem um papel muito importante. Não pode ser um papel secundário. Não basta ter uma loja aberta no aeroporto Sá Carneiro ou no Humberto Delgado e ficar à espera que os estrangeiros cheguem e se dirijam ao guiché e digam: ‘olhe, tenho aqui estes milhões, quero investir em Portugal’. Nada disso. Portugal tem de ter uma estratégia. Tanto a componente da internacionalização como do investimento estrangeiro têm de depender do Ministério da Economia. O Ministério da Economia tem de ser mais musculado, mais concentrador, para permitir políticas públicas mais efetivas. Não é bom haver partilha da [tutela da] Economia com os Negócios Estrangeiros e inclusivamente com a Ciência e Tecnologia. [Um único interlocutor] iria simplificar a relação com os empresários e dar maior robustez à qualidade das decisões.

José Manuel Fernandes, presidente do Conselho Geral da AEP, em entrevista ao ECO - 15DEZ23
José Manuel Fernandes, presidente do Conselho Geral da AEPRicardo Castelo/ECO

Se fosse ministro da Economia, que medidas concretas tomaria para atrair mais investimento estrangeiro?

Temos de ter capacidade negocial fora do país. Podemos e devemos fazê-lo – porque há alguns países que já o fazem – através dos adidos comerciais, nas embaixadas, nessas origens. Fazer um procurement de tecnologia, de produtos, de investimento direto nas fontes. Portugal não pode estar à espera que aconteça, tem de fazer acontecer. Tem de ter a ousadia de procurar investimento direto estrangeiro para setores estratégicos para a nossa economia. E chegarem cá e terem uma ligação imediata, contratualizada na base dos apoios que possam receber – apoios inspiradores e mobilizadores para que venham para Portugal. E ao mesmo tempo terem âncoras com nossas universidades, esses protocolos envolverem as nossas fontes de desenvolvimento e de conhecimento.

Criando um departamento específico para a captação de investimento?

A captação do investimento direto estrangeiro não pode estar ocupada por políticos, mas sim por gestores de topo e que não podem ser mudados a cada ciclo político. Têm de ser pessoas altamente especializadas, subordinadas ao governo que estiver na altura, mas com uma estratégia de continuidade. A partir de um organismo ligado ao Ministério da Economia, um gabinete focado apenas no acompanhamento desses dossiês. Com uma estratégia para esse gabinete trabalhar a nível internacional, passar a vida em aviões. E com autonomia, reportando ao ministro da Economia e ao primeiro-ministro, angariando investimentos estratégico para Portugal.

Não fico satisfeito quando me dizem que Portugal aumentou o investimento direto estrangeiro em 30%. Isto não me diz nada porque pode ser no imobiliário, pode ser nos vistos gold. Não chega comprar uns bons prédios na Avenida da Liberdade, em Lisboa, ou ali na Avenida dos Aliados. Isso não dá nada ou dá muito pouco. Os de cá também são capazes de fazer o mesmo. Agora, investimento direto estrangeiro orientado para a nossa economia empresarial, trazendo recursos e conhecimento, isso é fundamental. E protocolando esse conhecimento com conhecimento a ser desenvolvido em Portugal. Temos uma base de engenheiros e de investigadores extremamente válida, reconhecida já internacionalmente, e isso é um vetor de captação favorável ao investimento direto estrangeiro qualificado.

O investimento direto estrangeiro não pode ter um papel secundário. Não basta ter uma loja aberta no aeroporto Sá Carneiro ou no Humberto Delgado e ficar à espera que os estrangeiros cheguem, se dirijam ao guiché e digam: ‘olhe, tenho aqui estes milhões, quero investir em Portugal’.

Por outro lado, vê as empresas portuguesas suficientemente abertas a acolher esse capital estrangeiro?

Na questão da mobilidade das empresas em relação aos capitais, temos dois blocos distintos: o primeiro é a entrada de capital estrangeiro com know-how para muscular projetos em Portugal; o outro é a ‘jogatana’ dos fundos, o private equity, que muitas vezes não percebem nada de nada do core business. Investem numa ótica financeira, de aumentar a rentabilidade, com práticas de gestão, investimentos pontuais, para aumentar o valor das empresas e mais tarde revender. Não é o ideal. O ideal é o investimento direto estrangeiro em parceiros da área do negócio. Este é o futuro.

Embora no private equity também encontremos investidores especializados — não podemos estar a criticar todos por igual –, é muito valioso trazer um líder mundial de uma área industrial para Portugal do que estarmos a entregar ou a aceitar um negócio numa empresa portuguesa com uma certa notoriedade, com capacidade de marca e internacionalização, a um fundo de private equity –- e que, passados três, quatro, cinco anos é revendida porque foi alavancada em 20% ou 30%

Muitas vezes só há disponibilidade para alienar a participação quando já estão com a corda na garganta.

Há muitas decisões de empresários portugueses que vendem as suas empresas num contexto de dificuldades ou de desânimo em relação a um certo tipo de esforços de investimento em que as coisas não resultam, por vezes por causa de um certo envelhecimento da capacidade de gestão. Por isso é que os nossos empresários devem olhar para a renovação dos talentos, dos corpos de gestão. Um ponto de grande valor é as empresas absorverem jovens licenciados, terem até um número superior [ao necessário] em certas áreas do negócio, para permitir a preparação das novas gerações para assumirem lideranças e para a renovação do próprio corpo de gestão.

Não é demais uma empresa ter um ou dois engenheiros, economistas ou gestores a mais porque há a questão da sucessão, do envelhecimento, e isso tem de ser acautelado. E muitas vezes a seleção de um bom gestor, de um bom quadro, de um bom talento é feita num espaço em que há dois ou três numa determinada área. Ao mesmo tempo, ficam com uma reserva intelectual, de conhecimento, de liderança que pode ocupar esse espaço e responder rapidamente. Às vezes não há tempo de preparação. As oportunidades que podem inspirar as empresas a redimensionarem-se e a crescerem acontecem num espaço de partilha, de encontro.

Uma coisa é a entrada de capital estrangeiro com know-how para muscular projetos em Portugal. Outra é a ‘jogatana’ dos fundos, o private equity, que muitas vezes não percebem nada de nada do core business.

Voltando ao tema da capitalização, foi feito o suficiente nos últimos pacotes de fundos europeus?

O PT2020 foi um programa bem delineado, bem ajustado, mas que pecou na comunicação da ambição e falhou redondamente na capitalização das empresas. E também no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a comissão de acompanhamento, da qual fiz parte, alertou em relação à preparação dos empresários para a capitalização. Porque uma coisa é ter programas de incentivo, outra coisa é a capacidade do recetor, do empresário. Há coisas que linearmente eles rejeitam. É preciso falar e saber o que se passa na cabeça dos empresários, e os governantes não conhecem esse ambiente. Para a maioria dos nossos empresários, das PME, significa alguém que se vai intrometer no seu poder de decisão dentro da empresa. E isto pouca gente tem discutido. É preciso dizer às empresas que há formas de entrada de capital nas empresas, mas que permitem ao mesmo tempo acautelar que não vem ninguém para criar entropias dentro da empresa. O empresário continua livre e responsável pela gestão e pelo rumo a dar à empresa, mas tem um conselheiro com a entrada de capital.

Antes do PRR já tinha havido uma tentativa de haver um programa específico para a capitalização das empresas, idealizado no espaço do legislador, não na área de aplicação. Falhou porque o empresário não tinha a literacia suficiente para tomar a decisão de admitir a entrada de capital na sua empresa, com receio da perda de controlo. Por outro lado, no Banco Português de Fomento as coisas não têm funcionado como deviam. Teve na fase de arranque uma instabilidade muito grande em encontrar a estrutura adequada para pôr em prática as políticas e aquilo que estava orientado no PRR em relação ao investimento no sentido da capitalização das empresas.

Qual deve ser o papel do IAPMEI?

Temos de colocar o IAPMEI mais próximo das empresas. Sei que o senhor ministro da Economia está atento a isto, temos falado com ele. Por exemplo, na Holanda, o IAPMEI lá do sítio é um parceiro que visita regularmente as empresas. Há um consultor para uma dada área da indústria que visita as empresas, fala com elas, faz perguntas e, por sua vez, também explica os programas. Esta é a receita que dá resultados, mas o IAPMEI não tem estado capacitado para o fazer. Há uma nova estrutura, mas no futuro não sei como será.

José Manuel Fernandes, presidente do Conselho Geral da AEP, em entrevista ao ECO - 15DEZ23
José Manuel Fernandes, presidente do Conselho Geral da AEP, em entrevista ao ECORicardo Castelo/ECO

No presente, o que vemos é lentidão e pouca agilidade nos sistemas de incentivos, por exemplo, com milhões em atraso nos apoios às empresas.

Essa lentidão das instituições do apoio à economia, à ciência, ao desenvolvimento do conhecimento é responsável por não termos atingido em tempo útil a aplicação do PT2020. E temo que o Portugal 2030 vá pelo mesmo caminho porque a máquina pública tem de ser alterada, precisa de um simplex. Pode recorrer a parceiros externos, a empresas de consultoria internacional que podem dar uma excelente ajuda aos governos para aumentar a produtividade da decisão das instituições públicas em prol da economia empresarial.

Já se pode dizer que o PRR foi uma oportunidade desperdiçada para as empresas?

Não posso dizê-lo. O PRR vem no sentido de reforço do investimento da administração pública. Ao princípio houve bastantes críticas desajustadas – contra a área empresarial falo -, mas o país tinha as suas dificuldades, projetos de investimento público na gaveta em diversos ministérios, e Bruxelas recomendou que os PRR fossem direcionados para colmatar necessidades fundamentais nos países em relação ao investimento público. Tivemos uma componente de 25% em relação à economia empresarial, mas há investimentos e orientações do PRR que têm repercussões na economia empresarial de uma forma indireta. Temos duas vertentes muito importantes e que só depois de o PPR ter sido lançado é que emergiram: a habitação e a mobilidade.

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