“Não é realista” reduzir semana de trabalho porque “Portugal precisa de aumentar produtividade”, diz Mota Soares

Mota Soares identifica a produtividade como um dos grandes desafios colocados hoje ao mercado de trabalho e diz que por isso mesmo "é irrealista" achar que é possível encurtar semana de trabalho.

Produtividade e qualificações. São estes os dois grandes desafios que se colocam hoje ao mercado de trabalho português. Quem o diz é Pedro Mota Soares. Em entrevista ao ECO, salienta que, face às dificuldades do país a respeito dos níveis de produtividade, “é irrealista achar que é possível reduzir a semana de trabalho“, como se discute atualmente em Espanha.

O antigo ministro da Solidariedade e da Segurança Social de Pedro Passos Coelho avança ainda a sua avaliação às medidas extraordinárias lançadas pelo Governo de António Costa, que diz terem sido sido “curtas” e “ausentes”, em alguns casos. Assume-se como reformista quando questionado sobre o teletrabalho e confessa estar preocupado, quanto à regulação futura do trabalho nas plataformas digitais.

Esta entrevista faz parte de um trabalho do ECO no qual foram colocadas as mesmas questões a Vieira da Silva, antigo ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social de António Costa.

Qual é hoje o maior desafio colocado ao mercado de trabalho português?

São os desafios da qualificação e da produtividade. Estamos numa revolução digital, estamos à beira de uma quarta revolução industrial e muitas das formas como vamos trabalhar no futuro serão diferentes de como trabalhamos hoje. O grande desafio que vamos ter é o de nos conseguirmos adaptar e isso implica qualificar e requalificar recursos humanos.

Depois, há outro desafio que pouca gente tem falado em Portugal: a produtividade. Isso implica termos leis de trabalho que se possam adaptar mais rapidamente a situações que são muito diferentes. Já tivemos a experiência no passado de que se tivermos a capacidade de fazer reformas nos sistemas laborais, essas reformas são amigas do emprego, da criação de postos de trabalho e não o contrário. Tivemos a possibilidade de, entre 2014 e 2015, fazer sistematicamente reformas importantes no mercado de trabalho. Lembro-me que na altura que essas reformas foram feitas se dizia que era um Código do Trabalho que ia ser amigo do despedimento, mas foi exatamente o contrário. A verdade é que, desde 2013 até à pandemia, tivemos permanentemente a capacidade de reduzir a taxa de desemprego, gerar mais postos de trabalho

O grande desafio que temos pela frente é o de mantermos a capacidade de reformar a nossa legislação laboral de forma a ser mais amiga do investimento, do empreendedorismo, da criação de postos de trabalho e da produtividade.

Que avaliação faz das medidas extraordinárias desenhadas pelo Governo para “salvar” postos de trabalho? Deveriam ter implicado um travão mais rígido aos despedimentos?

Houve medidas certas, medidas curtas e medidas ausentes. Certamente que criar o mecanismo de lay-off [simplificado] foi muito relevante, [mas] em muitas situações foi curto, muito burocrático e [teria sido] preferível estender mais esse apoio de forma a permitir que as empresas pudessem manter os postos de trabalho. Do ponto de vista de outras dimensões que também representam muito emprego — estou a pensar nos trabalhadores independentes –, aí as regras foram tardias e, nalguns casos, não chegaram mesmo.

Quando se entra numa crise, o emprego tem mais resiliência, e quando a crise acaba o desemprego muitas vezes não recupera logo. Temo que, desta vez, isto também aconteça.

Que projeção faz sobre o futuro, a curto prazo, do mercado de trabalho português? Antecipa que haverá recuperação relativamente rápida ou um agravamento e uma nova vaga de despedimentos assim que os apoios sejam retirados das empresas?

Os últimos números que conhecemos não são positivos. Tem havido aumentos muito significativos [do desemprego registado] quer em cadeia, quer em termos homólogos. Sabemos que, tradicionalmente, quando se entra numa crise, o emprego tem mais resiliência, e quando a crise acaba o desemprego muitas vezes não recupera logo, demora mais tempo a recuperar. Temo que, desta vez, isto também aconteça. Por isso, no curto prazo antevejo que não vai haver já uma recuperação de emprego, sendo que há setores que têm uma responsabilidade direta sobre o emprego e, se recuperarem mais rapidamente, recuperam mais rapidamente também os postos de trabalho. Estou a pensar no setor do turismo e da construção.

O Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho enumera uma série de linhas mestras para as políticas públicas futuras. Uma delas diz respeito ao teletrabalho. Que lhe parece o prolongamento até ao final do ano da obrigação de adoção desta modalidade, nos concelhos de maior risco pandémico? E em que sentido deveria ser aprofundada a regulação do teletrabalho?

O paradigma do teletrabalho tem de ser o acordo entre o empregador e o trabalhador. Portanto, impor até ao final do ano [o teletrabalho], quando na verdade não estamos a impor nenhum [outra] regra que tenha a ver com a pandemia, confesso que me custa muito a aceitar. Aliás, registei que houve um consenso, ou quase consenso, entre os parceiros sociais de não quererem uma medida como esta. [Quanto à regulação], sou um reformista e acho que é sempre bom termos a disponibilidade de olhar para as leis do trabalho e flexibilizá-las. Das propostas que tenho visto [no Parlamento], parece-me que não se está a reconhecer o que muito provavelmente vai ser o teletrabalho no futuro, que é um teletrabalho parcial.

O Governo assumiu como prioridade a regulação do trabalho nas plataformas digitais. Na sua perspetiva, o que deve ser feito nesse âmbito?

O que é muito relevante é termos a capacidade de separar o que são contratos de trabalho do que são prestações de serviços. Há aqui alguns problemas. O que me preocupa neste momento é não estarmos a reconhecer verdadeiras situações de prestação de serviços. Em Espanha, rigidificou-se tanto a norma que se atacou os verdadeiros prestadores de serviços. Aliás, é muito curioso que se começou a ver em Espanha manifestações de prestadores de serviços, que não querem ficar debaixo daquele regime, porque acham que não é benéfico, porque lhes retira a flexibilidade de poderem trabalhar para várias plataformas ou de não terem horário de trabalho.

Um país vai para a frente, tem a capacidade de ser mais rico, mais justo, mais coeso, se criar riqueza e isso implica que dinamizemos a nossa produtividade.

Em Espanha, debate-se a semana de trabalho de quatro dias. Em Portugal, tal seria possível? O futuro passa pela redução da semana de trabalho?

Portugal tem tido, nos últimos anos, dificuldades do ponto de vista da produtividade. No momento presente, com objetividade, achar que é possível reduzir a semana de trabalho não é realista num país como Portugal, que precisa de aumentar a sua produtividade. Um país vai para a frente, tem a capacidade de ser mais rico, mais justo, mais coeso, se criar riqueza e isso implica que dinamizemos a nossa produtividade.

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