“Não é viável gerir o Ministério Público contra a vontade de três quartos dos seus magistrados”

O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público - liderado por Paulo Lona - anunciou uma paralisação nacional para Julho. A Advocatus falou com o magistrado sobre esta decisão.

O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) – liderado por Paulo Lona – anunciou uma paralisação nacional para os dias 9 e 10 de julho e paralisações regionais para 11, 14 e 15 de julho, para contestar o movimento de magistrados. Em causa está o aviso publicado a 4 de junho em Diário da República que inclui lugares a ocupar pelos procuradores a partir de setembro em vários departamentos e tribunais em simultâneo.

Em causa a decisão do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), sob proposta do procurador-geral da República (PGR), em manter o movimento de magistrados. Em declarações aos jornalistas, à saída da cerimónia de lançamento do Centro de Conhecimento dedicado à investigação e promoção do Direito e dos Direitos da Criança da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, o PGR Amadeu Guerra disse que, por proposta sua, o CSMP decidiu manter o movimento de magistrados, que produz efeitos a partir de 1 de setembro, mas com “uma nuance” que pretende evitar arbitrariedade e sobrecarga na distribuição de serviço.

A Advocatus falou com o líder sindical sobre esta decisão de paralisação e os seus fundamentos.

 

Pode explicar aos nossos leitores a medida decidida pelo CSMP relativo ao movimento de magistrados, em termos práticos?

A recente deliberação do CSMP extingue lugares de efetivo, agrega vagas a concurso e amplia, de forma transversal, o conteúdo funcional de muitos outros cargos. Esta decisão introduz uma combinação de competências provenientes de áreas distintas, numa tentativa de mascarar a grave carência de magistrados do Ministério Público, em detrimento destes profissionais e do serviço prestado aos cidadãos.
Com esta medida, deixaremos de contar com uma magistratura especializada em domínios fundamentais, como a família e menores, para passarmos a dispor de uma magistratura multifuncional e generalista, à qual será exigido o tratamento de processos de natureza muito diversa. Um procurador que, nos últimos 15 anos, se dedicou à proteção de crianças e jovens, não está preparado para despachar inquéritos de violência doméstica ou de criminalidade económica complexa. O resultado inevitável será a perda de qualidade no trabalho especializado que até agora era desenvolvido, comprometendo-se, simultaneamente, a resposta na área criminal.

O CSMP foi irredutível na reunião que manteve convosco?

A direção do SMMP reuniu-se com o Procurador-Geral da República, enquanto Presidente do CSMP, a quem transmitiu a vontade expressa de 75% dos magistrados do Ministério Público, manifestada através de uma carta aberta, no sentido de anular a referida deliberação. Contudo, a posição clara da larga maioria dos magistrados foi ignorada, não tendo sequer sido colocada à votação no CSMP a possibilidade de anulação ou suspensão do movimento. Foi esta intransigência que acabou por empurrar os magistrados para uma greve que, manifestamente, não desejavam.

Um procurador que, nos últimos 15 anos, se dedicou à proteção de crianças e jovens, não está preparado para despachar inquéritos de violência doméstica ou de criminalidade económica complexa. O resultado inevitável será a perda de qualidade no trabalho especializado que até agora era desenvolvido, comprometendo-se, simultaneamente, a resposta na área criminal”

Quantos magistrados mais precisam os nossos tribunais para que tudo funcione melhor?

Calculamos que faltam atualmente entre 120 a 150 magistrados para assegurar o cumprimento das funções essenciais atribuídas a esta magistratura nas suas diversas áreas de intervenção. Este número poderá, contudo, aumentar, tendo em conta as previsíveis saídas por jubilação e a necessidade de colmatar ausências resultantes de baixas por burnout e doença.

A greve que foi convocada pelo SMMP é também uma forma de alertar o poder político para a falta de magistrados do MP?

Antes de mais, esta greve constitui uma ação em defesa dos cidadãos, que são os destinatários finais do trabalho desenvolvido pelo Ministério Público e a quem deve ser garantida uma intervenção de qualidade e especializada nas diversas áreas de atuação desta magistratura — trabalho, família e menores, cível, comercial, execução, penal, administrativo e tributário.
Trata-se também de um apelo dirigido à Procuradoria-Geral da República, ao Conselho Superior do Ministério Público e ao Ministério da Justiça, para que reconheçam a realidade vivida no seio do Ministério Público: a exaustão dos seus magistrados — muitos em situação de elevado ou mesmo extremo risco de burnout —, a ausência de medicina no trabalho, a precariedade agravada pela extinção de lugares e pela conversão de cargos de efetivo em auxiliares, bem como a importância crucial da especialização, que não pode ser desvalorizada. É fundamental assegurar aos cidadãos um serviço público de excelência, qualificado e especializado.
Esta greve representa igualmente uma luta pelo bem-estar físico e psicológico dos magistrados do Ministério Público, que se encontram no limite das suas capacidades e correm o risco de já não conseguirem dar resposta às necessidades básicas da sociedade. Neste contexto, esta greve constitui também um alerta ao poder político para a grave carência de magistrados do Ministério Público e para as consequências que daí advêm, tanto para os próprios magistrados como para a sociedade em geral.

Paulo Lona

Acha que este governo está a ignorar as necessidades do MP?

Apesar de terem sido tomadas algumas medidas positivas e de se registar uma maior abertura ao diálogo com todos os profissionais do setor judiciário por parte do Ministério da Justiça, é fundamental que sejam criadas, a curto prazo, as condições necessárias para a realização de um curso especial de formação destinado a cerca de 120 magistrados do Ministério Público.

Este PGR – com esta medida – está a abrir uma guerra com o MP?

O apelo do SMMP foi claro: que a Procuradoria-Geral da República e o Conselho Superior do Ministério Público não ignorem a vontade expressa por 75% dos magistrados do Ministério Público, que subscreveram uma carta aberta a solicitar a anulação da deliberação do CSMP. Não é viável gerir o Ministério Público contra a vontade de três quartos dos seus magistrados. Reitero, por isso, o apelo ao bom senso da Procuradoria-Geral da República e do CSMP, para que abandonem a postura de intransigência que nos conduziu à situação atual.
Importa ainda sublinhar que esta greve não se dirige contra a hierarquia do Ministério Público, nem contra o Procurador-Geral da República, o Conselho Superior do Ministério Público ou, sequer, o Ministério da Justiça.

De que forma poderiam ter resolvido esta questão antes de decidir pela paralisação?

No passado dia 21 de junho, os magistrados do Ministério Público, reunidos em Assembleia Geral Extraordinária do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, recomendaram à Direção a convocação de uma greve nacional para os dias 9 e 10 de julho, bem como de greves regionais a realizar nos dias 11, 14 e 15 de julho, abrangendo as regiões de Lisboa, Porto, Coimbra e Évora.
Esta deliberação não foi tomada de ânimo leve, resultando da atitude inflexível do Conselho Superior do Ministério Público e do Procurador-Geral da República, que optaram por ignorar a carta aberta subscrita por 75% dos magistrados do Ministério Público, na qual era solicitada a anulação da deliberação do CSMP. Esta postura evidenciou o profundo descontentamento gerado pela decisão em causa. Caso a deliberação tivesse sido anulada ou suspensa, esta situação poderia ter sido evitada; note-se, aliás, que tal hipótese nem sequer foi considerada pelo CSMP.

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