António Saraiva, presidente cessante da CIP, diz que houve uma "demissão dos partidos políticos na defesa das empresas" na agenda do trabalho digno.
António Saraiva garante que não se sente usado ou enganado pelo Executivo relativamente às alterações introduzidas ao Código do Trabalho, no âmbito da Agenda do Trabalho Digno. Mas admite que se sente “defraudado” na sua confiança, “tal como todos os parceiros subscritores do acordo”, porque “assinaram na expectativa de que o acordo fosse balizador de comportamentos futuros dos parceiros, empresariais, sindicais e Governo”.
O patrão dos patrões, que vai entregar o testemunho da presidência da Confederação Empresarial de Portugal a Armindo Monteiro no próximo dia 12 de abril, não defende a necessidade de revisão do acordo assinado, já que este tem inscrita uma cláusula de revisão, mas defende que os parceiros signatários ficaram “muito mais despertos para os timings de execução do acordo”.
“Os parceiros sociais subscritores do acordo são esses que têm legitimidade moral para o apreciar e renovar [o acordo]. Que não venham os que não o subscreveram querer de lá retirar ou colocar o que quer que seja. Estou a falar da CGTP, vamos chamar as coisas pelos nomes”, disse António Saraiva em entrevista ao ECO. “Seguramente que, na avaliação, e previsível revisão que teremos de fazer do seu clausulado, em setembro, outubro, este aspeto dos timings será apreciado”, acrescentou.
Ficou surpreendido com o facto de grande parte da Agenda do Trabalho digno só entrar em vigor em maio e não ter sido feita uma exceção para reduzir, já em abril, o fim dos descontos a cargo do empregador para o Fundo de Compensação do Trabalho e para o Fundo de Garantia?
Fiquei. E não deixa de ser curioso que a ministra do Trabalho tenha defendido a bondade e o mérito da Agenda do Trabalho Digno nestas 86 medidas que contém. Quer esquecer-se que, sendo tão benéfica na avaliação da ministra, todos os dirigentes patronais e sindicais a rejeitaram. Só é meritória na cabeça da senhora ministra e deste Governo, porque senão uma das partes tê-la ia aprovado. Ambos a contestaram.
Dito isto, não posso deixar de lamentar o método. O Governo levou numa quarta-feira 74 medidas à concertação social e foram rejeitadas por todos os parceiros, no dia seguinte aprovou 78 no Conselho de Ministros e estas quatro não apresentou na véspera à concertação, o que levou o primeiro-ministro a pedir desculpa aos parceiros sociais. Reconhecemos o gesto e desculpámos.
Depois assinámos o acordo de concertação para a legislatura de quatro anos, em outubro do ano passado, em que o primeiro-ministro assinou, pela sua mão, esse mesmo acordo, mas depois não teve mão para instigar o grupo parlamentar a honrar o que o Governo levou a Parlamento. Dir-me-ão, mas o Parlamento tem toda a legitimidade. Claro que tem. Nem o quero contestar. Mas ponho em causa a metodologia que o Governo usou e a capacidade do primeiro-ministro de, após assinar um acordo para a legislatura de quatro anos, que define regras para todas as partes, incluindo o Governo, compartimentar as alterações para respeito do acordo e da Concertação Social, que é um elemento de estabilidade social.
A maioria parlamentar que suporta este Governo extravasou as 78 medidas para 86.
Sente-se usado?
Não, mas sinto-me defraudado na minha confiança, tal como todos os parceiros subscritores do acordo, porque assinaram na expectativa de que o acordo fosse balizador de comportamentos futuros dos parceiros, empresariais, sindicais e Governo. Não pode o Governo sentir-se livre, depois do acordo, de permitir que o grupo parlamentar que lidera…
Mas há separação de poderes…
Claro que há separação de poderes. Mas não sejamos ingénuos pensar que o primeiro-ministro, enquanto secretário geral do PS não tem o poder de orientar o Governo, mas também o partido. Não me venham dizer que, porque há separação de poderes, o primeiro-ministro se demite das iniciativas do seu grupo parlamentar.
Não me sinto enganado, mas sinto que não houve o respeito das regras de jogo por parte do Governo no acordo. E é curioso que o Governo dá isso como mérito da sua governação. António Costa não se cansa de elogiar o acordo de concertação. E outros, que não assinaram, vão lá buscar o que lhes convém. Uns de uma maneira e outros de outra. Era bom que tivéssemos responsabilidade política e moral para os que subscrevessem o acordo o honrassem, cumprindo-o em todas as dimensões e os que não celebraram, não queiram tirar dele as vantagens que ele tem.
Era bom que tivéssemos responsabilidade política e moral para os que subscrevessem o acordo o honrassem, cumprindo-o em todas as dimensões e os que não celebraram, não queiram tirar dele as vantagens que ele tem.
Então, não deveriam sentar-se à mesa e tentar renegociar o acordo?
Não. O acordo tem uma cláusula de revisão – na altura nem queriam aceitar essa nossa sugestão. Este é um mundo com alterações permanentes, com a velocidade com que as coisas alteram, a imprevisibilidade que hoje existe, pelas tensões sociais, geopolíticas, por isso introduzimos esta cláusula de revisão.
Todos os anos, durante quatro anos, vai ter reflexos no Orçamento do Estado do ano seguinte. Da mesma maneira que foi negociado, com alguma urgência, para que o OE pudesse absorver o que em acordo queríamos ver contemplado, todos os anos nos OE sucessivos vamos ter de fazer uma avaliação do acordo para ver o que falta cumprir ou que deve constar, que a realidade os obrigue a pôr lá, porque a nossa imaginação não foi tão fértil no ano anterior.
Já antecipam o que é necessário incluir?
O acordo foi negociado em outubro, mas em janeiro com a entrada em vigor do salário mínimo, deveriam ter início as contrapartidas: aumento de 2% da produtividade, serem extintos o Fundo de Compensação do Trabalho e o Fundo de Garantia.
Estão 600 milhões de euros no Fundo de Compensação do Trabalho. Foi criado em 2012 para acautelar caso uma empresa encerrasse e não tivesse capacidade de pagar pelo menos 50% do valor da indemnização dos trabalhadores que fossem para o desemprego. Historicamente foi muito pouco utilizado e todos os meses, as empresas estão a pagar milhões de euros para esse fundo. Está capitalizado em 600 milhões de euros. O dinheiro é das empresas. Mas não se destinando ao fim a que foi criado deveria ser devolvido. Até chegámos a sugerir uma metodologia de devolução, mas nunca foi aceite.
Este novo acordo acaba com as contribuições, mas ao invés de uma parte do dinheiro ser devolvido o que muito ajudaria a tesouraria das empresas, agora que os juros estão a aumentar, o Governo com a capacidade imaginativa que tem para umas coisas e de falta para outras veio dizer que esse dinheiro pode ser usado para duas coisas: formação profissional, algo em que o Estado deveria estar parcialmente envolvido nesta equação porque o país também beneficia com uma população mais qualificada, ou para apoio à habitação de público jovem. Mais uma função social que o Estado deveria promover.
Só o podemos ir buscar de acordo com estas regras espartanas que o Governo definiu. Mas como o Governo já tinha esta ideia de compartimentar o resgate, desta forma, deveria ter promovido iniciativas parlamentares para ajustar os timings. Aprovou para o Orçamento, mas estranho, não ajustou para a agenda do trabalho digno. Deveria ter tido a honradez de o ter feito. Já estamos em abril e só vai entrar em vigor em maio. Há um atraso na execução.
Reitero a pergunta: não se sente enganado?
Não. Sinto-me defraudado na expectativa. Enganado não, porque o Governo vai cumprir, mas com atraso. Mas ficámos muito mais despertos para os timings de execução do acordo. Os parceiros sociais subscritores do acordo, que são esses que têm legitimidade moral para o apreciar e renovar – que não venham os que não o subscreveram querer lá retirar ou colocar o que quer que seja.
Estou a falar da CGTP, vamos chamar as coisas pelos nomes. Seguramente que, na avaliação, e previsível revisão que teremos de fazer do seu clausulado, em setembro, outubro, este aspeto dos timings será apreciado.
Seguramente que, na avaliação, e previsível revisão que teremos de fazer do seu clausulado, em setembro, outubro, este aspeto dos timings será apreciado.
Esperava que uma atuação diferente do Presidente da República? Mais amigo das empresas?
Quando a Agenda do Trabalho Digno estava para aprovação no Parlamento solicitámos duas audiências: uma ao Presidente da República, que a concedeu quase imediatamente, e outra ao primeiro-ministro, que só a concedeu depois da aprovação da agenda no Parlamento. Lamentavelmente tarde para poder emendar o que fosse e daí, obviamente, também tirámos ilações.
Levámos os nossos argumentos ao Presidente da República, quando nos recebeu. Manifestámos a nossa visão de que algumas matérias mereceriam apreciação constitucional, dissemos quais e ele disse que iria chamar a atenção do Governo através dos canais que tem. Não nos deu obviamente garantias nenhumas de que iria vetar ou enviar para apreciação constitucional.
De facto, não nos deu essa garantia, mas também não disse não o faria. Ficou de falar com o Governo para reforçar junto do primeiro-ministro aquilo que era a posição dos parceiros sociais. O Presidente da República dizer que apenas teve em conta a opinião dos partidos políticos é caso para dizer que a Agenda só foi votada pelo PS. Logo o Presidente da República só levou em conta a vontade do PS.
O argumento de Marcelo Rebelo de Sousa foi, precisamente, o facto de a proposta ter sido aprovada, em votação final global, com os votos favoráveis do PS, abstenção do PSD, Chega, PAN e Livre e votos contra do BE, PCP e IL.
Aí se vê a demissão dos partidos políticos na defesa das empresas. O Presidente da Republica foi alertado para as nossas posições, lamentavelmente não pediu naquelas medidas a sua apreciação Constitucional e isso levou a que os parceiros sociais patronais tivéssemos solicitado essa apreciação.
Encomendaram um estudo a um constitucionalista…
Temos um parecer que vai ser entregue esta semana para demonstrar, espero, razão que nos assiste e entregá-lo-emos depois ao Presidente da republica apesar de ser um insigne constitucionalista e abordaremos, nós Conselho Nacional das Confederações Patronais os grupos parlamentares com aquilo que vier a ser o conteúdo do parecer com aquilo que espero que venha a ser onde possa demonstrar tecnicamente a razão que nos assiste.
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“Não houve respeito das regras de jogo por parte do Governo no acordo” da Agenda do Trabalho Digno
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