“Numa década, o Chega será, possivelmente, o maior partido em Portugal. O PSD vai acabar”

Num país, se os "eleitores têm uma literacia económica e financeira baixa, facilmente caem na banha da cobra de certos políticos”, afirma o economista Nuno Palma, referindo-se a Portugal.

O economista Nuno Palma, que editou recentemente o livro “As causas do atraso português”, não gosta de falar da espuma dos dias, preferindo analisar “a profundidade histórica” dos problemas nacionais, mas, perante os resultados das eleições legislativas, sublinha que “há uma grande parte do país que está profundamente insatisfeita com PS e PSD”. Com a instabilidade que a nova composição parlamentar vai determinar, o professor da Universidade de Manchester vaticina que a legislatura não vai chegar ao fim e o cenário mais provável para daqui a uma década, é o Chega ser, possivelmente o maior partido em Portugal”.

“Ou o Chega e o PS terem uma bipolarização, com alguns outros partidos bastante mais pequenos”, acrescenta. Mas, na sua opinião é ponto assente: “O PSD vai acabar”.

“Acho mesmo que o Chega vai dar cabo do PSD”, diz. Mérito de André Ventura ou desmérito de Luís Montenegro? “Ambas”, responde. “Mas não é só [Luís] Montenegro”, reconhece. “É praticamente todo o PSD. Não tem sido capaz, já há anos, de reagir. Sistematicamente tem tomado muitas decisões erradas“, defende. “A questão das linhas vermelhas é absolutamente errada, a meu ver, só tem beneficiado o Chega, deixando-o vitimizar-se”, exemplifica.

Nuno Palma defende ainda que o “PSD nunca se devia ter deixado meter nesse canto ridículo que aceita geringonças com a extrema-esquerda, mas não com o Chega”, porque do seu ponto de vista, os partidos à esquerda, nomeadamente o PCP são claramente antidemocráticos.

Quanto ao episódio em torno da eleição do Presidente da Assembleia da República diz ser “a democracia a funcionar quando não existe maioria”, mas reconhece que, “quanto mais confusão, quanto mais circo, mais o Chega vai beneficiar”.

Defende que Portugal tem um atraso…

O atraso do país não vem de agora. É, ao mesmo tempo, um atraso económico e político, institucional, que tem a ver com o funcionamento das instituições políticas. E num país em que o funcionamento das instituições políticas é fraco, e que o capital humano das pessoas, dos eleitores, é baixo é um país em que esses eleitores têm uma literacia económica e financeira baixa, que facilmente caem na banha da cobra de certos políticos, em que os níveis de escrutínio, da sociedade civil e da opinião pública não são tão grandes como seriam noutros países. Numa democracia, e bem, os políticos são sempre escravos da opinião pública. Um partido político que defenda reformas liberais, por exemplo, que fariam o país crescer, pode não ter grande apoio da opinião pública se o ambiente cultural e social e mediático do país não estiver em linha com essas reformas. Até porque o capital humano das pessoas não é o suficiente para perceberem quais são as reformas que podem criar crescimento económico e beneficiar todos no longo prazo

Considera que o resultado eleitoral, que tornou o Chega na terceira maior força política do país, é uma chamada de atenção por parte do eleitorado de que não concorda com a forma como as coisas estão a ser conduzidas até agora?

Sim. Não gosto muito de comentar a política de muito curto prazo, porque é tudo um bocadinho espuma. Acabo por me interessar mais na razão pela qual escrevi este livro é, precisamente, tentar explicar a profundidade histórica de todos estes problemas. Não veem de agora, nem dos últimos dez anos, nem do último Governo. São coisas que têm muito mais profundidade histórica. Mas é evidente que há uma parte grande do país que está profundamente insatisfeita. E está insatisfeita com os dois principais partidos. Há muito a ideia no centro direita em Portugal que os 50 deputados do Chega representam a insatisfação das pessoas com o PS. Mas não, isso é claramente uma ideia errada. Representa a insatisfação com o PS e com o PSD. Até um partido que deveria defender reformas liberais e que deveria defender coisas liberais, como é o caso da Iniciativa Liberal, ficaram na mesma.

Há muito a ideia no centro direita em Portugal que os 50 deputados do Chega representam a insatisfação das pessoas com o PS. Mas não, isso é claramente uma ideia errada. Representa a insatisfação com o PS e com o PSD.

A Iniciativa Liberal não conseguiu eleger mais do que os oito deputados que tinham na anterior legislatura.

Internamente aquilo funciona bastante mal. Um partido que fala do mérito, mas depois internamente expulsa alguém como a Carla Castro é uma coisa vergonhosa e que mostra as contradições internas e iliberais dentro de um partido que se diz liberal. Querem ser a favor da concorrência, mas não o são internamente. Todas essas coisas refletem um país profundamente iliberal. Nessas condições, um partido que grita que as coisas tem de mudar a alta voz, ainda que, a meu ver, não tenha soluções credíveis, que é o caso do Chega, as pessoas acabam por votar em protesto. Querem mudança.

Nos últimos dias, os episódios para a eleição do presidente da Assembleia da República acabou por empurrar PSD e PS para a viabilização de dois nomes e dividir a legislatura. Essa tentativa de protesto do Chega acabou por aproximar os dois partidos tradicionais, não é o contrário do pretendido?

Isso é uma democracia a funcionar quando não há uma maioria absoluta. Não há nada de anormal.

Mas não é contraditório com os interesses do Chega?

Não. Acho que isto vai beneficiar imenso o Chega. Claro que sim. André Ventura é o político mais inteligente que existe no espetro político nacional atual. Acho que vai mesmo dar cabo do PSD.

Mérito de André Ventura ou desmérito de Luís Montenegro?

Ambas. Mas não é só Montenegro. É praticamente todo o PSD. Não tem sido capaz, já há anos, de reagir. Sistematicamente tem tomado muitas decisões erradas. A questão das linhas vermelhas é absolutamente errada, a meu ver, só tem beneficiado o Chega, deixando-se vitimizar. Esta questão da segunda figura do Estado, a mesma coisa. Deixou André Ventura dizer: ‘são a mesma coisa o PS e o PSD. Lá estão eles a entender-se. Eu é que sou a alternativa que o país precisa.

Qual a sua previsão em termos de durabilidade desta nova legislatura?

Sou historiador económico, sou melhor analisar o passado do que a prever o futuro. Isso é para as cartomantes. Creio que não deve durar muito tempo. Certamente não vai durar uma legislatura inteira. Isto é muito instável. Só vai beneficiar o Chega.

Numa próxima eleição o Chega conseguirá recolher ainda mais votos? Além dos 50 deputados que já tem?

Acho que sim. Quanto mais confusão, quanto mais circo — e este país é um bocadinho um circo –, mais o Chega vai beneficiar.

Numa próxima eleição as pessoas não vão preferir a ideia do bloco central para criar uma maior estabilidade?

É possível. Mas se houver um bloco central isso é que vai acabar de vez com eles.

Nuno Palma, professor e economista, em entrevista ao ECO - 28MAR24
Nuno Palma considera que o episódio em torno da eleição do presidente da Assembleia da República é “a democracia a funcionar quando não há uma maioria absoluta”. “Não há nada de anormal”, diz em entrevista ao ECO.Hugo Amaral/ECO

Uma penalização semelhante à que aconteceu com os partidos de esquerda após a famosa geringonça? Que acabou por fragilizar os partidos mais à esquerda?

Tento explicar no meu livro as causas do atraso português. Portugal tem um ambiente político cultural diferente da maior parte dos países europeus.

Em que sentido?

É um ambiente muito mais estatista e, para simplificar um bocadinho, mais à esquerda: contrária à concorrência corporativista, contrária ao mérito individual. Isso é verdade em quase todas as partes da Administração Pública, seja na magistratura, seja nos professores, seja na saúde. É preciso perceber este ambiente cultural que existe em Portugal para perceber porque é que um partido como o PSD se deixou meter neste canto ridículo que é geringonças à esquerda com partidos antidemocráticos, com provas dadas de serem antidemocráticas. O caso do PCP, basta ler António Barreto, “A anatomia de uma revolução”, por exemplo. Basta saber o que o próprio Mário Soares dizia do PCP no famoso “Olhe que não, olhe que é o debate”. O PCP é um partido claramente antidemocrático e com isso ninguém se incomoda de haver uma geringonça, acordos com partidos diretamente antidemocráticos, que tentaram derrubar a democracia. Que sempre foram Estalinistas, a favor da União Soviética e sempre a favor de ditaduras como a Coreia do Norte. Dizem que não há gulags. Com um partido destes pode haver geringonças, mas com o Chega não pode haver geringonças à direita.

Um efeito ainda do fantasma da ditadura e de 40 anos de poder de Salazar? Não foi feita ainda paz com esse capítulo da história nacional?

Exatamente. Ou seja, a história do século XX pesa muito ainda na consciência nacional, por um lado. E por outro lado, a forma como a transição foi feita para a democracia também pesa muito, porque em Espanha foi muito diferente. Em Espanha não houve uma revolução, mas uma transição negociada. Isso nunca sujou, digamos, a direita democrática liberal, da forma que sujou em Portugal, a meu ver, de forma muito injusta. As pessoas de direita hoje em Portugal, em geral, não são antidemocráticas. Há mais esquerda antidemocrática em Portugal, às claras, do que de direita. Há aquele partido, o PNR ou Ergue-te, esses é que são salazaristas ou próximo disso.

O Chega corre o risco de se tornar antidemocrático?

O Chega é uma coisa vaga.

O problema é não se perceber ao que vem?

Mas por ser vaga, não sabemos. Enquanto o PCP, é explicitamente antidemocrático. É um duplo padrão inaceitável, a meu ver. E o PSD nunca se devia ter deixado meter nesse canto ridículo que é geringonças com a extrema esquerda, tudo bem, com o Bloco de Esquerda, com o Livre, tudo isto partidos comunistas, de uma forma ou de outra. Mas com o Chega não. Isto ajuda o Chega.

O PSD nunca se devia ter deixado meter nesse canto ridículo que é geringonças com a extrema esquerda, tudo bem. Mas com o Chega não. Isto ajuda o Chega.

À sobrevivência política de Luís Montenegro passa por conseguir estabelecer acordos efetivamente à direita em detrimento do PS?

Isso é espuma. Interessa-me muito mais tentar perceber por que é que a história do país e, nomeadamente neste assunto, estamos a falar da história do século XX em Portugal, ainda pesa tanto no nosso presente? Pesa muito no imaginário coletivo de um povo. A forma como pensamos, a forma como a bolha mediática fala de todas estas coisas reflete de uma forma, nunca explicitamente declarada, mas que está subjacente, uma forma de pensar, de interpretar a nossa história que afeta depois estas decisões e que condiciona muito os políticos e as decisões políticas.

Quando estamos à beira de celebrar 50 anos do 25 de Abril, tal como ditam os ciclos de Kondratiev, a história vai-se repetir e vamos começar a assistir a uma escalada da extrema direita?

Este é um problema da Europa toda. Não é um problema exclusivamente português. Portugal até tem chegado atrasado a essa subida destes movimentos destas direitas radicais. Infelizmente, parece-me inevitável que, mais cedo ou mais tarde, o partido de Marine Le Pen ganhe as eleições em França. Vai ganhar nos próximos anos. Não sei se ainda vai ser com ela ou com os líderes seguintes, o Rassemblement National, a antiga Frente Nacional. Acho que é infeliz, sou um apoiante da União Europeia. É preciso não confundir a crítica a uma política específica da União Europeia, que é as políticas dos Fundos de coesão e dos fundos estruturais com o projeto europeu como um todo, que apoio. Estes partidos considero-os de bastante mau gosto. A União Europeia precisa ser reformada, sim. Um exemplo que costumo dar para explicar porque é que o Chega é um partido que considero de mau gosto, e sem boas soluções, é o facto de se aproximar desses partidos e estar no mesmo grupo europeu desses partidos. E André Ventura faz-se fotografar várias vezes ao lado de Marine Le Pen.

Para tentar capitalizar esse tipo de votos.

E com a Alternativa para a Alemanha. Eles estão nessa linha. A meu ver, isso é lamentável. É mais um exemplo de como apontam problemas, mas não têm boas soluções. Como essa onda vai chegar à Europa toda, é inevitável, há-de chegar a Portugal. Parece-me que o cenário mais provável para daqui a uma década, o Chega a ser, possivelmente o maior partido em Portugal. Ou o Chega e o PS terem uma bipolarização, com alguns outros partidos bastante mais pequenos.

Vai engolir o PSD?

O PSD vai acabar.

  • Diogo Simões
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