Presidente da APESP denuncia "problemas gravíssimos" nos vistos para alunos internacionais, ao ponto de vários desistirem de estudar em Portugal. Prejudica reputação e finanças das escolas, alerta.
Ainda recentemente, 40 vagas de um mestrado do ensino superior privado estavam preenchidas com alunos estrangeiros, até que, perante atrasos persistentes nos vistos, estes decidiram desistir de estudar em Portugal. O caso é contado pelo presidente da Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado (APESP), que, em entrevista ao ECO, atira que, ou se resolvem estes problemas, ou a capacidade de o ensino superior atrair alunos estrangeiros fica em risco.
António Almeida Dias propõe que, para contornar os argumentos hoje existentes contra a agilização dos vistos, as instituições de ensino superior passem a monitorizar os alunos e a informar as autoridades, em casos de ausências mais prolongadas e não justificadas.
Já sobre a emigração, salienta que cabe às empresas reter os jovens qualificados portugueses, que são “muito bons”, e estas devem ser premiadas por fazerem esse esforço. Como? Através de um alívio fiscal, assinala.
De acordo com os dados mais recentes, o ensino superior privado português formou meio milhão de estudantes nos últimos 30 anos. Qual é o perfil médio de quem sai das universidades privadas portuguesas?
Há três áreas que se destacam. Uma delas é a da Gestão. Na área da Saúde, o setor privado foi dominante durante muito tempo, e ainda é em algumas áreas. Depois, temos o Direito, que já foi mais preponderante no nosso setor, mas ainda é forte.
Meio milhão de alunos em 30 anos, mas vamos ao pormenor. De ano para ano, como tem evoluído, mais recentemente? Tem havido um aumento ou não?
Não tem sido uma evolução uniforme. Nos anos 80, quando apareceram as primeiras instituições, o setor privado acabou por resolver as necessidades que a população tinha, porque muitas destas instituições desenvolveram projetos no interior. Com o tempo, o setor estatal foi crescendo e começaram a surgir também instituições estatais no interior, em formato de institutos politécnicos. Fez com que algumas das instituições privadas tivessem uma quebra e algumas até deixaram de operar no interior. Há uma altura onde a oferta começa a crescer muito, com a implementação dos institutos e institutos politécnicos estatais. Agora também vamos ter um decréscimo [de alunos] e esses próprios institutos têm já demonstrado dificuldade em preencher as vagas.
Há muitos cursos que ficam desertos.
Hoje toda a gente já percebeu que ou se criam condições de atratividade para o interior – fundamentalmente captando nichos de estudantes estrangeiros que queiram passar por Portugal para fazer a sua formação – ou vai ser muito difícil no interior conseguirmos ocupar tudo aquilo que já esteve disponível. O privado foi o primeiro a sentir essa dificuldade do interior e ficou muito mais nas zonas do litoral. Na crise financeira de 2010, o setor também teve uma quebra. Neste momento, estamos a crescer 6% ao ano. É o dobro do crescimento do ensino estatal.
No interior, só mesmo instituições que são financiadas pelo Orçamento de Estado conseguem sobreviver.
Só para rematar o interior, neste momento, já não têm qualquer expressão?
Hoje o interior é dominado pelos grandes institutos politécnicos, que, neste momento, também têm um problema de sobrevivência, porque a população é curta. Vamos notar um decréscimo maior a partir de 2027. No interior, só mesmo instituições que são financiadas pelo Orçamento de Estado conseguem sobreviver.
Referiu a possibilidade de o interior atrair certos nichos. O privado não vê aí uma oportunidade?
O privado já está a trabalhar essa oportunidade há bastante tempo. O setor privado tem de estar em locais onde a população existe, porque, se não existir, não pode continuar. Há um ponto de equilíbrio a partir do qual os custos deixam de ser viáveis. O privado percebeu isto muito cedo e começou o processo de internacionalização. Há cursos com 70% de estudantes estrangeiros. No interior, os mais atentos também já começaram a captar estudantes internacionais de fora da Europa. Esses estudantes, salvo alguns acordos, deveriam pagar, no mínimo, o custo real da sua formação. Não está a acontecer.
Há alguma possibilidade de as contas serem viáveis ou o interior está condenado?
É preciso que haja medidas que facilitem essa internacionalização. Por exemplo, temos problemas com os vistos fora da Europa. São problemas gravíssimos. Ainda recentemente, tivemos um curso que estava basicamente preenchido com estudantes que vinham para Portugal e ao fim de uns dois ou três meses tiveram que desistir, porque não conseguiram obter vistos para vir estudar para Portugal. Isto tem de ser resolvido rapidamente, porque senão vamos perder essa capacidade. Só será possível resolver o problema do interior, se houver tempo e vontade para se definir uma estratégia a médio-longo prazo.
Tem havido uma transformação nos processos de imigração com este novo Governo. Sente algum impacto dessas mudanças?
Muito objetivamente, em relação ao tempo de resposta, não sentimos mudança nenhuma. Há logo dois aspetos negativos, que é a reputação das instituições e a questão da economia das próprias instituições. Tem de se resolver isso rapidamente. Aquela ideia que começa a passar de que isto é questão de segurança nacional… Tem de se ultrapassar essas dificuldades de outra forma, não é não dando vistos que vamos lá chegar.
Faria sentido ter um tipo de visto diferente para atrair especificamente alunos que venham de fora da UE?
Tendo em conta que os motivos apresentados são motivos de segurança, temos de encontrar um modelo que consiga monitorizar a presença destes estudantes cá. A ideia que nos foi apresentada há pouco tempo é que os alunos inscrevem-se e, depois, andam pela Europa de forma livre e até “desaparecem” das instituições. Se estas instituições tiverem o cuidado de monitorizar, e, ao fim de uma ausência muito curta, informarem que há aluno que deixou de aparecer por algum motivo, acho que é possível termos mais confiança.
As instituições estariam disponíveis para fazer este trabalho extra?
As instituições têm de estar disponíveis, porque, do ponto de vista demográfico, não há outra hipótese.
Os problemas dos vistos estão a travar a internacionalização do ensino português? À boleia, estamos a dar um tiro no pé da economia portuguesa?
Está a dificultar muito a única solução que vejo para rapidamente resolvermos a questão demográfica. Isto tem de levar daqui uma volta, mas não pode ser pensado a um ano, nem a dois anos.
O setor privado quer ser regulado, porque só com uma boa regulação garantimos a qualidade de todos. A diferença é que, a partir do momento em que nos dizem que temos condições para ter, por exemplo, 100 alunos, as instituições privadas têm de ter a liberdade de dizerem se querem só são estrangeiros.
Em relação a reforçar a atração de novos alunos, a APESP pediu mais autonomia para o fazer. Em concreto, o que é que pretendem?
É o ponto mais relevante que o setor privado precisa de ter. Não podemos estar a desenvolver uma atividade espartilhada por um conjunto de regras, que temos de ter um determinado número de alunos determinado perfil, um outro número de alunos maiores de 23 outros, e outros alunos podem ser mudança de curso e instituição. O setor privado quer ser regulado, porque só com uma boa regulação garantimos a qualidade de todos. A diferença é que, a partir do momento em que nos dizem que temos condições para ter, por exemplo, 100 alunos, as instituições privadas têm de ter a liberdade de dizerem se querem só são estrangeiros, e não serem obrigadas a ter só uma quota. Autonomia noutro aspeto que é o ensino privado não ser, como tem vindo a ser ao longo dos anos, subsidiário do ensino estatal.
Pode esclarecer?
Quero inovar, quero criar uma oferta diferente, mas até agora, se não houvesse já uma oferta instalada, não era autorizado. É preciso preparar os recursos humanos para a economia e a empregabilidade para uma mudança como a questão da Inteligência Artificial.
O privado padece do mesmo problema que o ensino público, que é, tradicionalmente, haver um desencontro entre a academia e o mercado de trabalho?
Menos, mas não posso fazer grandes mudanças num programa curricular, sem que ele seja visto e registado. E depende de quem vai avaliar. Temos um problema relativamente grave, porque as avaliações são feitas fundamentalmente baseadas naquilo que é a opinião de pessoas. Precisamos de um sistema de avaliação que tenha regras muito claras, que não dependa de emoções e que dependa do cumprimento de coisas que sabemos quantificar. O que acontece atualmente é que é muito frequente haver uma grande diferença entre aquilo é a opinião que a instituição tem sobre si própria, de acordo com determinados parâmetros, e a opinião que uma comissão externa acaba por ter. Isso desacredita o sistema de avaliação.
Em relação ao financiamento, são conhecidos os problemas no ensino público. E no privado, que retrato faz?
Dependemos da capacidade de compra das famílias. Mas temos de pensar que cada vez mais vamos ter ensino superior na vida adulta, isto é, temos de garantir a qualificação ao longo da vida.
Isso é uma oportunidade para o financiamento do ensino superior privado?
É, mas só se a regra que está em cima da mesa for cumprida. A regra é que as instituições estatais, no segundo e terceiro ciclo, devem trabalhar numa margem de preços semelhantes ao privado. O Estado oferece o primeiro ciclo, mas o segundo e o terceiro não é obrigado a oferecer. Aí, o privado ganha uma vantagem: está a competir nas mesmas condições com as estatais. Mas não é o que acontece. O financiamento que as instituições estatais têm para determinados investimentos, como instalações e equipamentos, depois são usados para o segundo e terceiro ciclo.
Não oferecemos condições atrativas para os jovens ficarem cá, porque os nossos jovens são muito bons.
Em relação à emigração, o governador do Banco de Portugal disse que o país está a ser um recetor de licenciados, contrariando a ideia da fuga de cérebros. Das pessoas que saem do ensino superior privado, está a ser possível retê-las?
Não podemos olhar de forma uniforme para essa afirmação. Com as condições que oferecemos de emprego, os jovens vão à procura de empregos onde têm uma melhor retribuição. Não é o ensino superior que não consegue reter. É o mercado. Não oferecemos condições atrativas para os jovens ficarem cá, porque os nossos jovens são muito bons.
Medidas como o IRS Jovem têm impacto ou são só pensos rápidos? Ou nem isso?
Estamos a falar de salários que são duas, três ou quatro vezes superiores aos salários portugueses. A retenção de talentos tem de passar muito pelas empresas. É importante dar estímulos às empresas para reterem talentos no mundo, não é trabalhar nos impostos pessoais dos jovens.
Está a pensar numa baixa do IRC ou em incentivos específicos para a retenção de talento?
Premiaria as empresas que investem nos talentos e o prémio pode ser uma redução de impostos.
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