“Refletir ajudas aos agricultores nos preços dos produtos é uma miragem em termos de resultados imediatos”, diz presidente da CAP

Presidente da CAP considera que a única coisa que está a funcionar é o IVA zero, queixa-se dos atrasos nos pagamentos dos apoios, mas diz que não há necessidade de rever o acordo tripartido.

Enquanto as ajudas não chegarem aos agricultores, os preços dos alimentos descem apenas em virtude do IVA zero e do comportamento do mercado. O alerta é do presidente da Confederação dos Agricultores e Portugal (CAP) que frisa que “fazer refletir estas ajudas nos preços dos produtos é uma miragem em termos de resultados imediatos”.

Eduardo Oliveira e Sousa, em entrevista ao ECO, sublinha que “o IVA zero tem de ser entendido como uma ajuda que o Governo dá à população que significa não receber X para que esse X fique no consumidor”. Nada mais do que isso. Admite que a medida já poderia ter sido adotada há mais tempo, mas considera que a verdadeira medida impactante teria sido baixar o IVA de todos os produtos alimentares.

Pede que os apoios ao gasóleo e eletricidade sejam pagos o quanto antes, princípio de maio, porque as sementeiras de primavera já estão a decorrer e a seca em que o país já está obriga a usar os sistemas de rega. Quanto aos apoios dependentes de Bruxelas, Eduardo Oliveira e Sousa não tem quaisquer perspetivas porque não tem “confiança nenhuma no Ministério da Agricultura”.

Apesar de considerar que o acordo assinado a 27 de março entre o Governo, a distribuição e os produtores não é revisionável, considera que os apoios são um paliativo.

A introdução do IVA zero está a ter os resultados que antecipavam?

Não faço ideia, porque o IVA zero são uns trocos, uns cêntimos que as pessoas diariamente deixam de pagar. Mas é apenas isso. Não tem a ver com uma redução do preço do produto. Esse é exatamente o mesmo e vai sofrer as oscilações, para cima ou para baixo, em função do funcionamento do mercado e da disponibilidade dos produtos no mesmo.

Por isso, o IVA zero tem de ser entendido como uma ajuda que o Governo dá à população que significa não receber X para que esse X fique no consumidor. É só isto. Ao fim de cinco meses, significa 400 a 500 milhões – montante previsto – que o Governo não arrecadará de IVA durante este período e que não foram despendidos. Não tem a ver com o preço dos produtos, com a ajuda prometida aos agricultores. É apenas uma não-despesa que os consumidores fazem.

Teria sido benéfico para os consumidores que a medida tivesse sido introduzida há mais tempo, quando os preços estavam mais altos?

Na minha opinião, esta medida para ser efetivamente impactante, e até como mensagem da ajuda do Governo para com a população – independentemente do volume que isso obrigaria o Governo a disponibilizar em termos de não arrecadação de receita –, seria IVA zero para todos os produtos alimentares.

Se durante cinco meses nenhum produto alimentar no mercado não pagasse IVA, seja 6, 13 ou 23%, porque está a fazer falta às pessoas agora, durante esta crise, isso sim seriam uns milhões de euros que o Estado permitiria que ficassem nos bolsos dos consumidores.

Mas o IVA zero é uma medida injusta porque beneficia as pessoas de igual forma.

É verdade. Mas estes 44 produtos que desmultiplicados pelas suas diferentes formas significa uns milhares de etiquetas como diz a APED. É uma trabalheira enorme e vai refletir-se em alguns euros nas compras, mas não uma coisa muito expressiva.

Estamos a falar de uma medida puramente política?

Obviamente é uma medida política, mas é uma manifestação de vontade de participar numa escalada de preços que é incontornável.

Mas é uma tentativa que surge num momento em que já se arrecadou muito milhões em receita quando os preços estavam no seu pico, por isso reitero a questão se a medida não deveria ter sido tomada antes?

Sim, na minha opinião sim. Mas o Estado é sempre muito lento a tomar decisões que o obriguem a mudar o seu estilo e as suas formas de conduzir os “negócios” do Estado. O IVA, quer queiramos quer não, é uma fonte de receita do Estado, e estava a receber um excedente que lhe estava a saber bem, que lhe permite depois fazer floreados à volta dessa arrecadação extraordinária. Alguns floreados maus, também, como por exemplo injetar mais dinheiro na TAP, ou alimentar a absurda situação em que a TAP chegou.

Em vez de canalizar esse excedente de receita para ter coragem de tomar atitudes em sentido inverso, como olhar para a carga fiscal e fazer uma redução efetiva da mesma, a começar nas empresas para que isso se reflita em aumento de salários e começar a promover um bem-estar acrescido na população fomentando a criação de riqueza.

Mas fomentar a criação de riqueza é um registo um bocadinho ao contrário da matriz do próprio Governo. Este Governo, na ausência da geringonça, mantém uma linha de atuação e talvez até de pensamento muito parecida com esse tempo. Criar de riqueza para eles parece que faz impressão e isso na minha ótica é que está na razão do nosso atraso estrutural em relação aos países da Europa. Estamos sempre na cauda. Vivo mal com isso.

O IVA, quer queiramos quer não, é uma fonte de receita do Estado, e estava a receber um excedente que lhe estava a saber bem, que lhe permite depois fazer floreados à volta dessa arrecadação extraordinária.

Vai ser necessário prolongar a medida para lá de outubro?

Pelo lado do IVA não faço a menor ideia. Pelo lado dos apoios aos agricultores espero que me faça essa pergunta em outubro e possa dizer: ‘sim senhora, recebemos’. Porque, se calhar, em outubro, ainda não recebemos. Essa é uma das nossas ansiedades já neste momento.

Esperava que os apoios ao gasóleo agrícola e à eletricidade fossem pagos antes do final de maio, data anunciada pela ministra da Agricultura?

Se pagarem nos primeiros dias de maio está bem, se pagarem no fim de maio já me parece que há uma demora pouco entendível. Reconheço que decisões desta natureza, que implicam mexer no Orçamento, autorizações de cariz orçamental, têm uma forma de funcionamento complexa ao nível do Ministério das Finanças. Uma decisão tomada à segunda-feira não pode transformar-se numa efetivação na sexta. Mas se demorar dois meses já me parece pouco plausível.

O acordo já foi assinado a 27 de março…

O acordo já tem quase um mês e ainda não há uma data para pagar, pelo menos, essas duas que, acho eu, não precisam de uma grande complexidade de burocracia associada a Bruxelas. Eventualmente precisarão de uma espécie de um ‘sim senhor’, porque é uma ajuda de Estado e como tal tem de ser enquadrada numa determinada autorização de Bruxelas. É para isso que serve o primeiro-ministro e a sua facilidade de relacionamento com a Comissão.

E agora existe uma maior flexibilidade nas negociações das ajudas de Estado por parte dos vários Estados-membros.

Exato. Pelo menos o gasóleo que coincide com a época em que há muita despesa com gasóleo. Estamos em plena época de sementeiras de primavera e por isso, todos os agricultores estão a consumir gasóleo porque têm tratores. Aproveito para reiterar que a CAP, quando faz um acordo desta natureza, representa todos os agricultores de Portugal. Está no próprio nome.

As estruturas são abrangidas de igual forma [mesmo que não tenham assinado este acordo]. A medida mais rápida de fazer chegar algum dinheiro aos agricultores é em vez de gastar 100, gastar 80 ou 90. Era importante que isso estivesse já a acontecer.

A CAP quando faz um acordo desta natureza representa todos os agricultores de Portugal. Está no próprio nome. As estruturas são abrangidas de igual forma [mesmo que não tenham assinado este acordo].

A eletricidade vai começar a ter um pico de consumo a partir de agora, à medida que se vai intensificando a rega. Já estamos em seca outra vez, por isso prevê-se que o consumo de eletricidade seja expressivo para que as culturas de regadio possam ser levadas até ao final. Assim que houver uma quebra no valor fatura da eletricidade é uma ajuda. Igual à do gasóleo, direta. Todos os meses paga-se menos X. Ainda não está em funcionamento. Fala-se na eletricidade verde, mas…

E como todas estas coisas passam por alguma intervenção do Ministério da Agricultura aí a complexidade transforma-se num drama, porque o Ministério está um frangalho a todos os níveis. E isso vai ter consequências de diferentes níveis, algumas mais graves do que outras. AS outras ajudas, essas sim, precisam de Bruxelas.

Mas o Ministério da Agricultura só as vai notificar a Bruxelas dia 26 de abril…

Exatamente, e a ministra prevê dois ou três meses…

Mas Bruxelas pode levar seis a decidir.

Pode e se disser que demora, muito provavelmente a ministra aceitará.

Mas isso atira a decisão para outubro, fim do prazo previsto para o acordo.

Exatamente, e por isso dizemos que fazer refletir estas ajudas nos preços dos produtos é uma miragem em termos de resultados imediatos. O que é que as pessoas gostariam que acontecesse? Ao baixar o IVA, que houvesse uma redução do valor dos próprios produtos. Não poderia ser imediato porque os produtos que estão neste momento a ser consumidos já foram produzidos e têm em cima deles uma determinada estrutura de custos.

Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), em entrevista ao ECO - 19ABR23
Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Mas os produtos que estão a ser produzidos agora – alguns vão entrar nos mercados em dois meses –, como é o caso das alfaces, que têm um ciclo de produção curto, ou uma maçã ou uma pera que está agora em pleno início de campanha e que vai ser colhida em agosto. Se agora começarem a chegar as ajudas, que se reflitam no preço dos fertilizantes do gasóleo da eletricidade, e chegarmos ao fim da época e o conjunto de despesas for inferior ao conjunto de despesas do ano passado – e não houver carência no mercado internacional (porque o mercado internacional também funciona) – é provável que haja um certo abaixamento do produto e aí sim há uma ligação direta da ajuda ao preço. Neste momento, isso não é possível fazer, porque são produtos que já foram produzidos e porque não há ajudas nenhumas. Neste momento, a única coisa que está a funcionar é o IVA zero.

A sua expectativa é de que essas ajudas cheguem quando?

Não lhe sei dizer. Não tenho confiança nenhuma no Ministério da Agricultura.

Se essas ajudas não chegarem em tempo útil pode dar-se o caso de durante toda a vigência deste acordo, do lado da produção, nunca haver um reflexo na redução dos preços?

Obviamente. Porque estamos a falar de dinheiro.

Se assim for deveria haver uma revisão do acordo?

O acordo não é revisionável, porque foi estabelecido com um plafond. Há um plafond aprovado e ao ser autorizado em Bruxelas não pode ser alterado. Pode sempre ser alterado…

Tudo é negociável?

Tudo é negociável, obviamente. Mas essa é uma situação que só depois de percebermos quando as ajudas chegarão. Estamos a falar de um atraso no pagamento de uma ajuda, estabelecida no âmbito de um acordo de março de 2023, e as ajudas prometidas para fazer face à seca ou à guerra de 2022 não chegaram.

Estamos a falar de um atraso no pagamento de uma ajuda estabelecida no âmbito de um acordo em março de 2023 e as ajudas prometidas para fazer face à seca ou à guerra de 2022 não chegaram.

Não chegaram?

Chegaram algumas.

Quanto?

Não lhe sei dizer em números, talvez cerca de 50 milhões. Associado à seca zero, associado à guerra, houve um pacote que veio da reserva de crises estabelecida por Bruxelas que era cerca de 29 milhões. Ficam por pagar 1.900 milhões, que a senhora ministra continua a não pagar. Essa ajuda era para quatro setores: ovos, frango, leite e carne de porco.

Os quatro produtos diretamente ligados ao consumo de rações, que dispararam devido aos cereais da Ucrânia e ao aumento da energia. A reserva de crise que a Europa autorizou foi para esses produtos. Naturalmente os outros setores manifestaram-se: “Então e nós?” Foi feita uma solicitação a Bruxelas, cerca de 50 milhões que foram pagos em fevereiro deste ano e agora a senhora ministra diz que vai pagar o resto.

O que é “agora”?

Por estes dias. Quando a senhora ministra é questionada pelas ajudas, fala destes milhões como tendo sido pagos, considera uma ajuda maravilhosa porque diz “estamos a sofrer” e refere ainda o pagamento de milhões em junho e outubro que não têm nada a ver com isto que são as ajudas regulares. Mas, na cabeça dela, o facto de ter feito um pagamento, aquilo é uma ajuda ao setor. Mas não é.

O apoio de 200 milhões previsto no acordo vai chegar?

Chegar para?

Para se refletir na descida dos custos de produção, logo nos preços.

É uma ajuda. Um paliativo para um problema que se chama guerra, um mercado perturbado. Há setores que, mesmo em guerra, têm oscilações imprevisíveis. Alguém poderia pensar que dois países da UE iam recusar receber cereais da Ucrânia quando andámos de joelhos a pedir à Rússia que permitisse a saída dos cereais. Pelos países em si percebe-se. Já se fala que a Roménia também vai aderir.

Roménia, Bulgária, Hungria e Polónia não querem ser invadidos pelos cereais da Ucrânia por causa dos seus próprios cereais. Há um ano havia falta de cereais. Se afinal não há falta, o mercado vai funcionar normalmente. Ainda bem. Não há fome à vista. Se por exemplo, a Polónia, que é um gigante, tiver um excelente ano de produção de maçã e invadir o mercado europeu o preço vai descer, mas isso não tem nada a ver com as ajudas, mas porque chegou produto ao mercado. O mercado não funciona de forma agregada.

Se pudesse voltar atrás mudaria alguma coisa no acordo tripartido?

A APED cumpriu o que lhe pediram, nós cumpriremos aquilo que nos comprometemos (introduzir no circuito produtivo os valores das ajudas que nos venham a ser entregues). Só falta o Governo cumprir a sua parte – pagar. Não vejo que houvesse necessidade de alterar qualquer coisa.

A PARCA deveria ser repensada criar uma estrutura um pouco menor para produzir outro tipo de efeitos porque tem pouca objetividade.

Como têm corrido as reuniões da PARCA?

A PARCA é um organismo um tanto ou quanto estranho porque tem muita gente e todas as comissões e grupos de trabalho muito volumosos. A sua efetividade acaba por ser reduzida. É um pouco o que se passa na PARCA. As coisas importantes, que realmente poderiam fazer a diferença, as pessoas acabam por ter receio de as expor completamente porque pode haver sempre alguém no grupo que não seja a pessoa indicada para ouvir o que tem a dizer.

Os representantes das grandes superfícies querem ter um tipo de diálogo com os produtores, os produtores querem ter um tipo de diálogo com as grandes superfícies, mas a ASAE ou o Ministério do Ambiente ou da Agricultura podem interpretar aquilo de outra maneira. É uma convivência um bocadinho desmotivante, porque se sente que é um órgão teoricamente fiscalizador e controlador, mas não tem poderes para fazer isso.

A PARCA deveria ser repensada: criar uma estrutura um pouco menor para produzir outro tipo de efeitos, porque tem pouca objetividade. E a senhora ministra da agricultura, com a sua forma de lidar com os assuntos sempre pela rama, com um discurso vago, sem perceber a minúcia das coisas. Como não percebe, porque não tem competência, os resultados são parcos.

Já vos foi explicada a função das duas empresas contratadas?

As empresas, o observatório… É tudo, na minha perspetiva, uma forma de não estar do lado correto da barricada. Quando vejo uma ministra que alinhou, de alguma maneira, com uma suspeição sobre os agricultores quando foi da explosão dos preços e, por isso, foi criar mais um observatório e uma empresa para fiscalizar o trabalho do observatório. Para mim está tudo dito.

O que ela deveria ter dito era: “Esperem aí, nós explicamos, estamos do lado dos agricultores”. E o que nos transmite é que também ela está contra os agricultores, algo se está a passar temos de ir ver a transparência. Tudo isto são expressões de quem está do lado errado da barricada.

A ASAE é uma entidade polícia, se calhar exagerada porque pertence à European Food Safety Authority (EFSA), um órgão que tem sede em Milão onde se sentam cientistas e economistas que avaliam o comportamento do mercado. Portugal aparece com um polícia. E isto que faz com que, na prática, não tenham um relacionamento fácil nem objetividade nos seus resultados.

A ASAE é a entidade que tem de ir ver se existe fraude. De resto, o Ministério da Agricultura deveria ter capacidade mais do que suficiente, infelizmente já não tem, para saber se os agricultores estão a receber o que devem, a tempo e horas, se estão a ser bem tratados nas relações comerciais e a fomentar o crescimento das Organizações de Produtores (OP). Em vez disso, andam a mudar as regras das OP, para que os agricultores não estejam presentes. Funcionam ao contrário. E é este funcionar ao contrário que nos revolta, sinto-me emocionalmente revoltado com esta incompetência e com a ministra da agricultura.

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