A poucos dias do Orçamento do Estado ser apresentado, Ana Jacinto, da AHRESP, desafia o Governo a baixar a carga fiscal, de modo a aumentar o rendimento das famílias e recuperar o poder de compra.
Com o Orçamento do Estado à porta, a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) avisa que o facto de as empresas do setor terem “procura e clientes” não “significa rentabilidade”. Ana Jacinto lembra que grande parte do tecido empresarial português é constituído por microempresas com “balanços muito frágeis”, pelo que é necessário ajudar a capitalizar as empresas.
“O que queremos não é que o setor seja subsidiado, o que queremos é que o setor tenha a capacidade de gerar riqueza, ter trabalhadores e redistribuir essa riqueza”, afirma a secretária-geral da AHRESP. Neste contexto, a associação que representa o setor da restauração e hotelaria defende como prioritária a aplicação temporária, pelo período de um ano, da taxa reduzida IVA a todo o serviço de alimentação e bebidas, bem como a diminuição da carga fiscal quer para as empresas, quer ao nível do IRS.
O Orçamento do Estado está a poucos dias de ser apresentado e a AHRESP já divulgou um conjunto de 21 medidas que gostava que constassem no documento. Quais as três que considera prioritárias?
É difícil responder porque desenhámos 21 medidas que consideramos de extrema importância para o setor. É indiscutível e inegável o crescimento destas atividades, ou seja, da restauração e hotelaria, e isso é importante assinalar, sobretudo quando olhamos ao acumulado entre janeiro e junho, [em que] assistimos a um crescimento inegável. Basta ouvir as palavras do senhor secretário de Estado do Turismo que referiu exatamente isto: crescemos e crescemos bem. E isso é de assinalar porque o turismo tem sido o motor da nossa economia e portanto, se o turismo cresce, a economia cresce e todos crescemos. Isso é muito importante.
Agora, não é menos evidente, que, as nossas empresas, que são muito micro, também têm apresentado balanços muito frágeis. E isto acontece porque estamos a falar de empresas que vêm de dois anos de pandemia, que passaram por uma crise e ainda estão a passar por uma crise inflacionista como todas as outras. Mas as nossas empresas foram talvez aquelas que mais sofreram durante a pandemia.
Portanto, aquilo que sofreram com a pandemia, aquilo que estão a sofrer com a crise inflacionista – embora tenhamos tido uma notícia simpática de que a inflação está a baixar ligeiramente -, que na alimentar foi sempre a crescer… Isso teve um impacto muito grande, especialmente nas atividades de restauração, mas também na hotelaria. A questão das taxas de juro, que têm tido um crescimento galopante, o aumento da energia, combustíveis e a perda de poder de compra do nosso cliente, por todos estes fatores.
Tudo isto levou a que estas empresas não tivessem conseguido robustecer as suas finanças. E, portanto, apesar de termos um crescimento, sobretudo, ao nível do turismo internacional que é muito positivo e também do turismo nacional, não foi suficiente para que estas empresas se pudessem capitalizar. Além de que estão agora a pagar todos os créditos e empréstimos que contraíram durante a Covid-19. O facto de termos procura e clientes não significa rentabilidade ao final do mês, porque estamos a pagar as contas.
Mas precisamente por esse contexto, quais as medidas fundamentais?
O que a AHRESP fez é aquilo que lhe compete fazer: contribuir. Não basta apenas dizer que estamos com alguma dificuldade e precisamos de atenção, também temos de contribuir para a solução. À semelhança dos outros anos, [para este OE] fizemos 21 propostas distribuídas em três áreas fundamentais: fiscalidade, capitalização das empresas e investimento.
Para destacar três medidas mais importantes, diria primeiro a questão do IVA. É inevitável. Temos duas propostas ao nível do IVA. Uma delas é a redução para a taxa mais reduzida, dos 6%, de forma temporária. Esta é uma medida que a AHRESP tem sinalizado como muito pertinente há muito tempo e que a maior parte dos Estados-Membros durante a pandemia o fizeram para que as empresas ganhassem tesouraria. Portugal não optou por essa medida, mas a Confederação Europeia da Restauração e Hotelaria tem sinalizado como muito importante para a criação de tesouraria nas empresas.
Ainda no IVA, houve a reposição em 2016 para 13% no que diz respeito aos serviços de alimentação e parte das bebidas, nomeadamente as de cafetaria. Mas a maior parte das bebidas ficaram à taxa máxima, sempre com a promessa de que iríamos [levar] todas para a taxa intermédia. Isso nunca aconteceu. Portanto, está na altura de concretizar essa promessa que só gera confusão. É absolutamente anacrónico e inexplicável como a água lisa, por exemplo, se pague 13%, mas uma uma água com gás já seja 23%. Isto gera confusão até para o próprio consumidor. É absolutamente necessário que haja a extensão dos 13% [de IVA] a todas as bebidas. E quando falo de bebidas de cafetaria, só estou a falar do café, do leite, da água lisa e pouco mais.
Depois, a questão dos impostos sobre o rendimento do trabalho é absolutamente crucial. O setor tem feito um esforço tremendo para subir salários. Só a título de exemplo, no caso da AHRESP, negoceia sempre convenções coletivas todos os anos com os sindicatos afetos às duas centrais sindicais, quer da UGT quer da CGTP, e o ano passado não foi exceção. Assinámos e negociámos contratos coletivos, atualizando salários na ordem dos 8%, bem acima do acordo que foi estabelecido. Há aqui um esforço tremendo destes setores para subir salários. E em cima destes 8%, muitas empresas fizeram atualizações maiores.
Agora, o Estado não está a fazer a parte dele porque a carga fiscal em cima de um rendimento do trabalho é brutal e precisamos de a diminuir. E esta é uma das propostas que a AHRESP tem sinalizado urgentemente. Até porque temos falta de trabalhadores no setor, precisamos de atrair trabalhadores e a questão do salário, não sendo a única, é um importante fator. Mas continuamos a subir os salários e o Estado come parte desses aumentos, porque a carga fiscal é tremenda.
Uma das propostas que destacou foi precisamente a aplicação temporária, pelo período de um ano, da taxa reduzida do IVA a todo o serviço de alimentação e bebidas. Porquê um ano? É suficiente, tendo em conta que têm vindo a avisar de que as empresas continuam fragilizadas?
Não. É evidente que gostaríamos que a medida se tornasse definitiva, mas [pedimos] pelo menos um ano para criar tesouraria. Tudo isto também contribuiria para aumentar, por exemplo, os salários, se as empresas ganhassem tesouraria e [acompanhada pela] a diminuição da carga fiscal sobre o rendimento do trabalho.
Uma das propostas a este nível é, por exemplo, a isenção da TSU e do IRS também de forma temporária no que diz respeito ao subsídio de férias e ao subsídio de Natal ou ao trabalho extraordinário. São tudo medidas para aliviar o impacto da carga fiscal, para permitir às empresas terem tesouraria, para poderem continuar o esforço de pagar melhor. Até porque não temos trabalhadores se assim não for. As empresas estão muito conscientes da necessidade de continuarem a valorizar os seus quadros, até porque não devemos esquecer que o turismo é uma atividade de pessoas para pessoas.
O Estado não está a fazer a parte dele. Nós subimos salários, fizemos este esforço, mas a carga fiscal em cima do rendimento do trabalho é brutal e precisamos de a diminuir.
Somos uma atividade de mão-de-obra intensiva, talvez a atividade que mais pessoas tem ao seu serviço. Mesmo que haja uma revolução e a tal transição digital que é precisa para todos nós e que todos nós temos que evoluir para essa transição, mas nunca vai substituir as pessoas e, portanto, temos que valorizar estas pessoas cada vez mais. Mas precisamos que o Estado faça o papel dele e não está a fazer.
A redução da Taxa social única (TSU) é uma reivindicação antiga da AHRESP, apesar de o Governo já ter vindo descartar essa hipótese. É justo fazê-lo só para um setor?
Certamente que os outros setores terão as razões que entenderem. Agora, a atividade turística é uma atividade de mão-de-obra intensiva e, por esse motivo, temos uma carga de pessoas muito grande nesta atividade. E não vai ser diferente no futuro. Podemos usar a tecnologia para melhorar a prestação de serviço ao cliente, mas nunca podemos substituir as pessoas. Isso é inevitável.
Temos algumas experiências ao nível da hotelaria e da restauração, em que já temos algum serviço mecanizado, mas nunca vai substituir as pessoas. Vai é facilitar processos e melhorar o conhecimento que temos do cliente. Os processos serão obviamente melhorados, mas vamos sempre precisar das pessoas. E, por essa via, temos sempre insistido na necessidade de aliviar [a carga fiscal], seja ao nível da TSU, seja ao nível do IRS. O Governo já mostrou alguma disponibilidade para baixar o IRS, [mas] vamos continuar a insistir [na redução da TSU] em diálogo construtivo com o Governo para que estes setores possam crescer de forma sustentável.
Ao contrário do ano passado, nas propostas para este OE não há medidas para incentivar o consumo. Porquê? Não estão a sentir um maior impacto da perda de poder de compra?
Há algumas medidas que também estão dirigidas ao incentivo ao consumo, [mas] não exatamente como propusemos no ano passado. A verdade é que o nosso consumidor também está a perder poder de compra porque todos os fatores que estão a atingir as nossas empresas também estão a atingi-lo. E, portanto, resolvendo esses problemas, resolvendo a questão da inflação, das taxas de juro, do aumento dos combustíveis e com a diminuição da carga fiscal no rendimento do trabalho, estamos a dar mais rendimento às famílias [e consequentemente] a aumentar o poder de compra.
O que queremos não é que o setor seja subsidiado, o que queremos é que tenha a capacidade de gerar riqueza, ter trabalhadores e redistribuir essa riqueza. As empresas não foram criadas para pagar impostos. Têm de pagar impostos, evidentemente, mas não foram criadas só para pagar impostos. Se as empresas são sufocadas com cargas fiscais excessivas, não há ninguém que faça empresas e que as tenha abertas.
A CIP propõe o pagamento voluntário pelas empresas de um 15.º mês aos trabalhadores, isento de contribuições e impostos. As empresas de restauração e hotelaria têm condições para isso?
Não conhecemos a fundo a medida, mas a verdade é que, sendo voluntária, as empresas deverão avaliar se têm essa capacidade ou se não tem essa capacidade. Desde que seja voluntária e esteja isenta de qualquer carga fiscal, as empresas avaliarão se, de facto, têm essa capacidade ou não para promoverem a medida.
E acha também que as tributações autónomas, em sede de IRC, deviam baixar para ajudar as empresas?
Claro que sim. Todas as medidas que levem à diminuição da carga fiscal são bem-vindas. Temos de permitir às empresas respirar. As empresas precisam de criar este fôlego para voltarem a ser robustas e terem capacidade para poder gerar riqueza.
O que queremos não é que o setor seja subsidiado, o que queremos é que tenha a capacidade de gerar riqueza, ter trabalhadores e redistribuir essa riqueza. As empresas não foram criadas para pagar impostos.
Uma das medidas que propomos é apoiar os empresários em nome individual, dado que mais de 50% das nossas empresas são empresários em nome individual. Nem sequer sociedades financeiras são. Isto significa que [o tecido empresarial] é muito frágil, muito débil e muitas destas empresas são até excluídas de vários apoios. Viu-se na pandemia que muitos empresários em nome individual não eram incluídos nas medidas que o Governo foi criando. Só depois de a AHRESP sinalizar que estavam de fora é que o Governo retificava.
Uma das propostas que fazemos é que o Orçamento preveja incentivos e apoios para converter estas estruturas em sociedades. O tecido empresarial é muito dependente deste setor e precisamos de dar passos no sentido de se fortalecer. Estes empresários em nome individual nem sequer contam para os dados que são trabalhados para o nível do país, trabalhamos só os dados das sociedades financeiras. E, muitas vezes, estamos a trabalhar dados errados porque se 50% do setor são empresários em nome individual significa que os dados que estamos a recolher não são corretos e isto precisa também de ser olhado com olhos de ver.
Já tiveram algum contacto com o Governo para discutir as propostas que apresentaram? Se sim, qual é que foi a recetividade? Sentiram alguma abertura, nomeadamente em que medidas?
À semelhança do que fazemos sempre, enviámos as medidas para o Governo e temos estado já a conversar sobre todas estas 21 medidas que constam do documento. É um processo evolutivo. O Orçamento ainda não está fechado, portanto, vamos continuar…
Mas têm sentido alguma abertura?
Se não sentíssemos abertura não estaríamos em processo de construção. Acreditamos sempre que estamos a fazer o nosso melhor e que temos argumentos válidos para que estas medidas — obviamente que não serão todas porque um processo de negociação é assim –, mas que algumas delas possam ser contempladas. Mas não podemos falar pelo Governo, o Governo é que saberá se tem condições e se poderá acolher ou não essas medidas
Da nossa parte, faremos tudo para que o setor da restauração e do alojamento tenha cada vez mais condições para continuar a ser o motor da economia. O nosso dever, enquanto representantes destas empresas, é continuar a lutar.
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Restauração não quer ser subsidiada. Quer ter “capacidade para gerar riqueza”
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