Salário, desemprego, absentismo. Fosso entre trabalhadores em boas e más condições mentais é superior em Portugal do que a média da OCDE, alerta o analista Christopher Prinz, em entrevista ao ECO.
Sim, a pandemia alimentou (e muito) a discussão em torno da importância da saúde mental, nomeadamente, no mercado de trabalho. Mas das palavras à prática, vai um longo caminho. E Christopher Prinz confessa que está “muito menos impressionado” com as mudanças que têm sido efetivamente feitas nas políticas públicas em torno dessa questão do que esperaria. Já em Portugal, vê espaço para a valorização da saúde mental dos trabalhadores ter um “impacto particularmente positivo“.
Recentemente, a Aliança Nacional para a Promoção da Saúde Mental no Local de Trabalho (ASM) promoveu o seu primeiro congresso, em Lisboa. Este analista sénior da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) dedicou a sua intervenção precisamente às políticas europeias para a promoção da saúde mental no local de trabalho.
Já em entrevista ao ECO, adianta que, durante a crise da Covid-19, estava “inicialmente bastante otimista com a repentina sensibilização para a importância da saúde mental”, uma vez que tal levou a “discussões mais abertas” e à recolha de “melhores dados e mais frequentes“, o que é relevante, frisa, para a definição de políticas. Aliás, durante a pandemia, realça, “muitos países” aumentaram o financiamento de programas ligados à saúde mental.
Mas, entretanto, essa sensibilização “não levou ao crescimento de respostas mais integradas das políticas públicas”, sublinha, avisando que a saúde mental ainda é vista com “demasiada frequência apenas como um problema de saúde”.
A diferença salarial entre esses dois grupos [trabalhadores em boas e más condições mentais] é de 30% em Portugal, o que comparação com a média da OCDE de 18%.
Já quanto às políticas adotadas nesse sentido por cá, Christopher Prinz — que na OCDE se dedica, sobretudo, às questões do emprego, trabalho e assuntos sociais — afirma que há “pouca informação“, mas assinala que os dados mostram que o fosso entre os trabalhadores com boas e más condições mentais é particularmente assinalável em Portugal.
Vamos a números. “A diferença salarial entre esses dois grupos é de 30% em Portugal, o que comparação com a média da OCDE de 18%. E há outros fossos — por exemplo, em termos de presentismo, desemprego e ausências por motivo de doença — que são maiores em Portugal do que no conjunto da OCDE”, identifica o especialista.
É perante este cenário que conclui, portanto, que a sensibilização para a importância da saúde mental no local de trabalho “poderia ter impacto particularmente positivo em Portugal“.
A propósito, de acordo com a Ordem dos Psicólogos Portugueses, os problemas relacionados com stress e saúde mental dos trabalhadores estão a custar às empresas portuguesas até 5,3 mil milhões de euros por ano. Por outro lado, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), Portugal é o país europeu com maior risco de burnout ocupacional.
Ora, confrontado com esta estatística, Christopher Prinz atira que o termo “burnout” é usado frequentemente em países onde a depressão e a saúde mental em geral “são tópicos envoltos em estigma”.
“Quando dizemos que estamos exaustos do trabalho, em burn out, não parece que estamos a dizer que estamos doentes, mas, antes, que trabalhamos muito e merecemos uma pausa. Assim, o termo burn out é uma forma de contornar o estigma da doença mental e abordar os problemas de saúde mental no local de trabalho“, observa o analista sénior. E alerta: simplesmente fazer uma pausa no trabalho não é suficiente para fazer face aos problemas com que os trabalhadores se deparam.
Ao ECO, a presidente da ASM, Filipa Palha, já tinha notado que o estigma em torno da saúde mental persiste em Portugal, nos locais de trabalho e não só, apesar da evolução sentida ao longo dos últimos anos.
Empresas e trabalhadores “são atores principais”, mas Governo também tem “um papel crítico”
Promover boas práticas de saúde mental e fazer dos locais de trabalho espaços saudáveis não depende apenas dos trabalhadores ou dos empregadores. “Os atores principais na criação de ambientes de trabalho saudáveis são os empregadores e os sindicatos. Mas os governos têm um papel crítico também“, salienta Christopher Prinz, em entrevista o ECO.
Em concreto, os governos podem dar um contributo relevante nesse sentido regulando as horas trabalhadas, as baixas médicas e as férias, mas também avaliando os riscos psicossociais, enumera o analista sénior.
E dá um exemplo: “os empregadores deveriam ter alguma responsabilidade relativamente aos trabalhadores doentes e suportar alguns dos custos dos elevados níveis de ausências por doença. Mas se aumentarmos as responsabilidades, temos de dar orientações claras sobre o que os empregadores podem fazer” para prevenir essas faltas.
Além disso, o setor público como “grande empregador” pode também “liderar pelo exemplo” nessa questão da valorização da saúde mental, declara o mesmo. “Frequentemente, não é isso, contudo, o que acontece”, reconhece o especialista.
Agora que vemos escassez de mão de obra em muitos setores, a qualidade do emprego é um tópico cada vez mais relevante e os empregadores são forçados a pensar nas condições de trabalho.
Por outro lado, e voltando ao papel das empresas e dos trabalhadores, Christopher Prinz realça que a negociação coletiva está cada vez mais a ultrapassar as questões salariais, e a incluir temas ligados à “qualidade do emprego”, nomeadamente as horas trabalhadas, os dias de folga, a flexibilidade e a conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional.
“Agora que vemos escassez de mão-de-obra em muitos setores, a qualidade do emprego é um tópico cada vez mais relevante e os empregadores são forçados a pensar nas condições de trabalho, de modo a manterem os trabalhadores e a recrutarem novos membros”, descreve o analista, que sinaliza que, por esta via, o trabalho poderá tornar-se, enfim, numa atividade mais saudável.
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“Sensibilização para saúde mental no local de trabalho pode ter impacto particularmente positivo em Portugal”, diz analista da OCDE
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