Um conselho para os líderes portugueses? Formem uma comunidade, aprendam uns com os outros e isso dará confiança aos jovens de que podem crescer e prosperar em Portugal, recomenda Friedrich Kuhn.
Já não basta que um líder saiba definir prioridades, desenhar estratégias ou orientar o desempenho dos empregados. Também não é suficiente, porém, que seja empático ou saiba motivar. Hoje é preciso que domine todo esse leque de competências, pelo que a separação entre as tradicionais hard skills e as chamadas soft skills está obsoleta. Quem o diz é Friedrich Kuhn, responsável pela área de liderança transformacional da Egon Zehnder, uma das maiores consultoras de liderança e gestão de talento do mundo.
Em Lisboa para um encontro promovido pela Business Roundtable Portugal (BRP) sobre a atração e valorização de talento, Friedrich Kuhn falou ao ECO sobre a liderança do presente e do futuro, deixando claro que “ninguém pode ter sucesso sozinho“. Por isso, um dos conselhos que deixa aos empresários portugueses é, precisamente, que estes criem uma comunidade, na qual possam aprender uns com os outros.
Num outro tema, o responsável reconhece que ainda custa aos líderes de hoje ver as novas gerações rejeitar as longas horas de trabalho, valorizando, ao invés, o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Mas sublinha que os novos profissionais estão prontos a dar o seu máximo, assim que os líderes consigam chegar-lhes ao coração e à mente.
O que é preciso para que um cluster de empresas se torne mais atrativo para o talento? Uma cena cultural vibrante, uma comunidade académica forte, empresas que invistam no futuro e uma comunidade de líderes focados no futuro.
Está em Lisboa para uma conferência sobre o que podem fazer as empresas portuguesas para atrair talento. Tradicionalmente, os salários portugueses não comparam bem. O que podem fazer as empresas?
O exemplo de crescimento da cidade de Leipzig apesar da tendência de longa data de saída de jovens dá-nos alguns sinais. O que é preciso para que um cluster de empresas se torne mais atrativo para o talento? Uma cena cultural vibrante, uma comunidade académica forte, empresas que invistam no futuro e uma comunidade de líderes focados no futuro.
Portugal tem essas condições?
Acreditamos que os primeiros dois factos já são um dado adquirido, por exemplo, em Lisboa. O terceiro fator está em crescimento. O meu contributo é relativo ao quarto fator: qual é a diferente entre a gestão comum e a liderança transformativa? E como é que isso se torna um contribuinte importante para a atração e retenção de talento? Uma coisa é certa: os líderes precisam de investir no seu próprio desenvolvimento para superar este desafio.
Alguns especialistas portugueses têm dito que os jovens estão a sair do país porque não encontram espaço nas empresas para desenvolverem o seu talento. Não encontram líderes que lhes deem esse espaço. Portanto, qual a importância de ter bons líderes para ter sucesso na atração de profissionais?
A qualidade da liderança é essencial. A cultura de liderança faz a diferença não só na criação de clareza quanto ao percurso de carreira mais comum, como também na concretização das aspirações das pessoas. Por outro lado, o percurso de carreira não tem necessariamente de ser assegurado por uma empresa, mas pode ser garantido pelo ecossistema compostos por várias empresas que se juntam em comunidade para por em práticas lideranças orientadas para o desenvolvimento. Isto requer uma mudança de mentalidade. Em vez de competir por talento, considerar o talento um ativo conjunto que as empresas podem desenvolver em conjunto.
O que caracteriza hoje um bom líder, num mercado de trabalho em constante mudança?
Um líder transformativo supera a complexidade da liderança ao estar constantemente a desenvolver e a crescer as suas competências.
Muito dos líderes atuais pagaram um preço alto pelas suas carreiras bem sucessivas, e é normal que consideram o seu caminho como a norma. Em consequência, para muitos líderes é difícil ver os empregados da próxima geração a “rejeitar” o trabalho árduo (as horas longas).
Os profissionais valorizam hoje o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Os líderes estão suficientemente conscientes?
A maioria dos líderes está consciente que a estrutura motivacional para a próxima geração de profissionais é diferente. Contudo, muito dos líderes atuais (que são da minha geração) pagaram um preço alto pelas suas carreiras bem sucessivas, e é normal que consideram o seu caminho como a norma. Em consequência, para muitos líderes é difícil ver os empregados da próxima geração a “rejeitar” o trabalho árduo (as horas longas) ou a equilibrar as fontes de felicidade de forma diferente.
Como se resolve esse fosso geracional?
É preciso que os líderes se aproximem desses empregados para verdadeiramente perceberem as diferenças motivações da próxima geração e para que desafiem as suas próprias crenças. Da minha experiência, quando chegamos aos corações e mentes (mostrando-lhes o sentido da nossa posição), a próxima geração está pronta para dar o seu máximo, em termos de criatividade e energia, como nós demos, no nosso tempo.
Assim sendo, qual a importância de um líder de boas soft skills?
A separação entre hard skills e soft skills está obsoleta. Ninguém pode ser bem-sucedido sozinho num mundo complexo. Mesmo as hard skills de criação de estratégia, de definição da organização, de orientar a performance exigem mestria no envolvimento e motivação de outros.
Se o líder vê a organização como um organismo, o trabalho híbrido adiciona um grau de liberdade e permite que todos possam fazer um melhor uso da sua energia.
Por outro lado, houve um boom do trabalho remoto. Este modelo vem tornar a liderança mais desafiante? De que modo?
Depende do modelo mental com o qual operam os líderes. Se o modelo tem por base ver a organização como uma máquina, o trabalho híbrido simplesmente adiciona complexidade e diminui o controlo. Por conseguinte, este modelo é visto como mais desafiante e exigente, em termos de energia. Se o líder vê a organização como um organismo, o trabalho híbrido adiciona um grau de liberdade e permite que todos possam fazer um melhor uso da sua energia.
Mas como é que as empresas podem oferecer um modelo híbrido de trabalho e, ainda assim, ter boa cultura corporativa?
Este desafio complexo não tem uma resposta linear, que seja perfeita para todos os casos e momentos. As soluções são obtidas através da experiência com regras claras. O desejo de cultura corporativo é uma constante humana. Vamos lá descobrir como fazê-la funcionar.
Olhemos para o futuro. Quais serão as principais características do CEO do futuro?
Os ingredientes que farão a diferença serão o autoconhecimento e a mentalidade de aprendizagem ao longo da vida, não só sobre o mundo, mas sobre nós mesmos. Os CEO estão cada vez mais conscientes disso. No nosso inquérito mais recente, 78% dos inquiridos concordaram com a ideia de que, enquanto CEO, precisam de ter a capacidade de se transformar a eles mesmos, a par da organização.
A inteligência artificial é a realidade e precisa de ser um dos instrumentos da “caixa de ferramentas” dos líderes.
A inteligência artificial será uma boa ferramenta para os líderes ou será mais um desafio com o qual terão de lidar?
A inteligência artificial é um instrumento muitíssimo poderoso que irá moldar a forma como trabalhamos. Não podemos prever o que significará. Por isso, cria-se muito medo e poderá causar algum prejuízo enquanto as nossas competências não estão desenvolvidas. A inteligência artificial é a realidade e precisa de ser um dos instrumentos da “caixa de ferramentas” dos líderes.
Para terminar, que conselho daria aos líderes portugueses quanto ao talento?
O meu conselho é que continuem a formar uma comunidade de aprendizagem e expandam coletivamente o seu repertório de liderança. Façam-nos juntos e em diálogo. Aprendam uns com os outros para oferecer ao talento jovem uma experiência consistente de como liderar, incluindo como liderar ecossistemas de empresas. Isto dá à próxima geração de talento a confiança de que este é um lugar em que podem prosperar e crescer ao longo das suas carreiras.
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“Separação entre hard e soft skills está obsoleta. Ninguém pode ter sucesso sozinho”
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