Alemanha: como consertar o motor da Zona Euro

A maior economia da Europa contraiu-se pelo segundo ano consecutivo em 2024, revelando as fragilidades e desafios que enfrenta para voltar a fazer jus ao cognome de "motor da Zona Euro".

Outrora designada como o motor da economia da Zona Euro, a Alemanha vive agora o desafio de descobrir como ‘tornar-se grande novamente‘. Com um desempenho abaixo da média nos últimos anos, após uma contração do Produto Interno Bruto (PIB) de 0,1% em 2023, voltou a registar uma queda em 2024, desta vez de 0,2%, e as perspetivas para este ano são pouco animadoras.

Numa encruzilhada entre os altos custos da energia, o protecionismo crescente no comércio mundial, que pode afetar fortemente as suas exportações, e um endividamento crescente do Estado, o futuro da economia alemã joga-se também no quadro governativo que sair das eleições de dia 23 de fevereiro.

É a primeira vez desde o início dos anos 2000 que a economia alemã contrai durante dois anos consecutivos. E, sim, o início dos anos 2000 foi a última vez que a Alemanha recebeu o título pouco lisonjeiro de “sick man da Europa”. A história não se repete, mas rima”, assinala Carsten Brzeski, economista-chefe do ING.

É a primeira vez desde o início dos anos 2000 que a economia alemã contrai durante dois anos consecutivos. E, sim, o início dos anos 2000 foi a última vez que a Alemanha recebeu o título pouco lisonjeiro de ‘sick man’ da Europa.

Carsten Brzeski

Economista-chefe do ING

O desempenho económico não brilha e pesa negativamente numa Zona Euro a crescer quase anemicamente. Entre os países da União Europeia (UE) para os quais estão disponíveis dados relativos ao quarto trimestre de 2024, a Alemanha e a Áustria registaram a maior queda homóloga nesse período (-0,2%). Uma evolução que compara com a taxa de 0,9% na média da Zona Euro e de 1,1% da UE.

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Os pilares tradicionais da economia alemã (exportações, produção industrial e liderança tecnológica) estão sob forte pressão. A situação é alarmante. A produção industrial caiu acentuadamente, especialmente nos setores com utilização intensiva de energia. Mais de um terço das empresas industriais alemãs está a reduzir os seus próprios investimentos. Dois terços das empresas afirmam que a sua competitividade está em risco”, assinalam os analistas da Allianz Trade numa nota de research.

A produção industrial caiu 4% em dezembro do ano passado face ao mesmo mês de 2023 e 2,9% em relação a novembro, de acordo com os dados publicados pelo Eurostat. Uma evolução que resulta sobretudo da redução de 10% registada no setor automóvel.

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A Volkswagen é um dos exemplos do setor que mais tem pressionado a indústria alemã. A gigante automóvel chegou em dezembro a acordo com o sindicato para cortar 35 mil postos de trabalho no país até 2030 e uma redução da produção de 743 veículos.

Durante demasiado tempo, a Alemanha apoiou-se no sucesso da sua própria indústria transformadora clássica. A vantagem tecnológica que a Alemanha costumava ter desapareceu. As causas são diversas; da China à burocratização; mas o mais importante é que o país não respondeu suficientemente à digitalização e ao surgimento de novas tecnologias como a IA [Inteligência Artificial]”, consideram os analistas da Allianz Trade.

Durante demasiado tempo, a Alemanha apoiou-se no sucesso da sua própria indústria transformadora clássica. A vantagem tecnológica que a Alemanha costumava ter desapareceu.

Analistas da Allianz Trade

Um estudo da Associação Alemã da Indústria Automóvel (VDA), divulgado em outubro do ano passado, já sinalizava que a transformação naquela indústria pode custar cerca de 190 mil postos de trabalho até 2035. “Devido à eletrificação do sistema de transmissão, é necessário menos emprego para a produção de veículos do que no passado. Além disso, há mudanças significativas no emprego”, pode ler-se na análise, que assinala “perdas desproporcionais”.

Neste sentido, revela que dos dez maiores grupos profissionais da indústria automóvel, sete estão entre os com maiores perdas de postos de trabalho desde 2019. “Os empregos na engenharia mecânica e na engenharia industrial, bem como na metalomecânica, em particular, perderam relevância”, indica, acrescentando que, contudo, em contrapartida, registaram-se aumentos nos empregos da área de engenharia automóvel, na investigação e desenvolvimento técnico, bem como nas ciências da computação, engenharia elétrica e no desenvolvimento de software.

EPA/CHRISTOPHER NEUNDORFEPA/CHRISTOPHER NEUNDORF

“A indústria alemã tem sido o melhor exemplo de todos os problemas da economia ao longo dos últimos anos: presa entre ventos contrários cíclicos e estruturais, e finalmente percebendo que o antigo modelo macro de negócios de energia barata e grandes mercados de exportação facilmente acessíveis já não funciona“, resume Carsten Brzeski.

Para o economista, dez anos de subinvestimento, deterioração da competitividade e a mudança da China de destino de exportação para feroz concorrente industrial tiveram – e continuarão a ter – o seu impacto na economia alemã.

Ao contrário do início da década de 2000, quando a “doença” ou problema económico da Alemanha era o elevado desemprego e um mercado de trabalho rígido, os problemas atuais são muito mais diversos e, portanto, ainda mais difíceis de resolver do que eram há 20 anos“, realça.

Paralelamente, a conjuntura externa do início dos anos 2000 “foi muito mais favorável à Alemanha, com a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC) e o alargamento da UE, em oposição ao atual ambiente de tensões geopolíticas, uma guerra no quintal e a ascensão do protecionismo”. Um cenário que se poderá agravar se o presidente norte-americano, Donald Trump, avançar com tarifas adicionais aos produtos da União Europeia, uma vez que a Alemanha é um dos seus principais fornecedores de bens.

Foram as exportações, nomeadamente automóveis e peças, bem como de produtos químicos, que fortaleceram ao longo dos anos a economia alemã, embora os serviços sejam o maior contribuidor para a economia do país. Certo é que, ainda sem Trump na Casa Branca, as vendas ao exterior já se têm ressentido.

As exportações alemãs caíram 1% em 2024 face a 2023, enquanto as importações para a Alemanha registaram um declínio de 2,8%. Além dos EUA, o país está altamente exposto às trocas comerciais com a China e, se antes a potência asiática era um forte destino de exportações, é agora um importante concorrente comercial, tendo ganho quota de mercado em setores onde a Alemanha perdeu.

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Perspetivas modestas para 2025

Após a contração registada nos dois últimos anos, a expectativa entre as principais instituições económicas é que o PIB alemão volte a território positivo, contudo com uma das menores taxas entre os países industrializados. As mais recentes projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgadas em janeiro colocam o país a crescer 0,3% este ano e 1,1% em 2026, menos 0,5 pontos percentuais (pp.) e menos 0,3 pp. do que anteriormente.

Por seu lado, em novembro do ano passado, a Comissão Europeia apontava para uma taxa de crescimento de 0,7% este ano e de 1,3% em 2026, apoiada sobretudo na recuperação da procura interna.

Com a expectativa de uma maior redução da inflação, o rendimento real das famílias deverá continuar a recuperar. Espera-se, assim, que o consumo privado continue a aumentar, embora a um ritmo lento. Projeta-se que a flexibilização da política monetária e a redução dos custos de financiamento associados apoiem uma recuperação do investimento ao longo do horizonte de previsão”, apontou.

Por outro lado, assinalou que os custos da energia devem continuar significativamente acima dos níveis anteriores à pandemia, pelo que continuarão a pesar na competitividade em termos de custos das indústrias com utilização intensiva de energia. Recorde-se que a crise energética atingiu de forma dura a Alemanha, sobretudo com a guerra na Ucrânia, uma vez que o país dependia fortemente do gás russo.

O inquérito trimestral do instituto alemão Ifo e do Instituto Suíço de Política Económica, divulgada na segunda-feira, revela que os especialistas estimam que a economia cresça 0,4% este ano. “A Alemanha precisa urgentemente de uma política económica diferente que possa impulsionar novamente o crescimento”, destaca Niklas Potrafke, investigador do instituto em comunicado.

Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, destaca que “se a recessão persistir em 2025, a Alemanha entrará no seu terceiro ano consecutivo de retração, um fenómeno que não ocorre desde a Grande Depressão, entre 1930 e 1932“.

A Alemanha precisa urgentemente de uma política económica diferente que possa impulsionar novamente o crescimento.

Niklas Potrafke

Analista do Ifo

A ideia que os desafios subsistem é transversal à generalidade das análises. Entre estes incluem-se “os elevados custos de energia, encargos administrativos significativos, tendências protecionistas globais crescentes, incerteza sobre a direção da política económica do novo Governo federal e preocupações sobre o potencial aumento das franjas políticas“, elenca David Born no relatório de outlook da economia alemã para 2025 do Roland Berger.

O analista assinala que, em média, apenas uma em cada oito empresas antecipa perspetivas “relativamente favoráveis”. Por outro lado, um em cada três inquiridos manifesta apreensão relativamente a desenvolvimentos “um tanto desfavoráveis“. Estas preocupações são generalizadas em todos os setores, mas são particularmente pronunciadas nos setores do retalho e da construção, sublinha.

Uma análise da KPMG à economia do país indica que embora o número de insolvências de empresas e sociedades na Alemanha tenha caído ligeiramente para 1.345 em novembro face ao mês anterior, é ainda 38% superior ao número registado em novembro de 2023 e 52% mais do que o valor médio de novembro para os anos de 2016 a 2019, ou seja, antes da pandemia.

“Isto coloca o número de insolvências próximo do nível da crise financeira de 2009, quando existiam cerca de 1.400 sociedades e sociedades insolventes por mês”, aponta.

EPA/FILIP SINGEREPA/FILIP SINGER

Medidas estratégicas e a responsabilidade do futuro Governo

Embora as perspetivas de contração dos últimos dois anos estejam agora a diminuir, os analistas da Allianz Trade alertam que “serão necessários anos até que a Alemanha recupere a sua saúde económica”. Neste sentido, identificam dez medidas estratégicas para que o país recupere:

  • Reforma fiscal: “O país precisa de mais espaço financeiro para investimentos essenciais, possivelmente através do aumento do limite máximo do défice estrutural para 0,5-1% do PIB”, apontam, aconselhando também incentivos fiscais ao investimento em inovações.
  • Transição energética verde: Propõem investimentos de cerca de 1 bilião de euros até 2035, divididos igualmente entre melhorias de infraestruturas e expansão da capacidade de energia renovável.
  • Atualizar as infraestruturas: “Serão necessários cerca de 600 mil milhões de euros de investimento adicional durante a próxima década para infraestruturas, educação, habitação e energia verde”, defendem.
  • Reforçar o mercado de trabalho: “Para colmatar o fosso demográfico, a Alemanha deve aumentar a participação das mulheres, dos idosos e dos imigrantes na força de trabalho, eliminando barreiras e proporcionando incentivos”, consideram.
  • Ajustar o sistema de pensões: Com o envelhecimento da população, alegam que são necessárias reformas para controlar os custos das pensões e incentivar vidas profissionais mais longas.
  • Tributação: Considerando que o sistema tributa demasiado o trabalho, propõem que as reformas devem centrar-se na redução dos impostos sobre o rendimento e das sociedades para incentivar a participação económica.
  • Impulsionar a inovação: Consideram que a Alemanha deve duplicar o investimento em investigação e desenvolvimento para 6% do PIB para ser líder em futuras tecnologias.

É perante este contexto económico — e uma discussão sobre os limites da dívida do Estado e a sua capacidade de financiamento — que o país vai às urnas, dia 23 de fevereiro, na sequência da queda da coligação governamental liderada por Olaf Scholz e composta pelo Partido Social Democrata (SPD), Partido Democrático Liberal (FDP) e Verdes.

Philip Bokeloh, economista sénior do ABN Amro, assinala que nenhum dos partidos consegue garantir a maioria absoluta, de acordo com as sondagens, o que significa que será preciso formar uma coligação, como é habitual na Alemanha do pós-guerra. “A composição exata desta coligação ainda não é clara. Embora as opiniões partidárias sejam diferentes, a maioria dos partidos concorda numa coisa: não querem governar com a AfD devido às opiniões radicais do partido que contradizem o Estado de direito e a democracia”, refere.

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