Wall Street e os índices europeus vivem tempos dourados, mas os rácios financeiros e os avisos de Powell e De Guindos levantam dúvidas sobre o fôlego do “touro” para continuar a empurrar as bolsas.
Os principais índices acionistas mundiais estão a viver um momento de grande euforia, com as ações a negociarem perto de máximos histórico à boleia de um “touro” que empurra as bolsas desde a pandemia. O índice norte-americano S&P 500, por exemplo, que agrega as 500 maiores empresas dos EUA, acumula ganhos de 222% desde 23 de março de 2020 até terça-feira, que se traduzem numa rendibilidade anualizada de 23,5%. Só este ano, e desde 7 de abril, quando bateu mínimos do ano, o S&P 500 contabiliza uma valorização de 40%.
Na Europa, os ânimos são igualmente grandes, se bem que mais moderados. O Stoxx 600 Europe, que agrega 600 empresas do Velho continente de diferentes dimensões e setores, acumula uma valorização de 131% desde março de 2020, que se traduz numa rendibilidade anualizada de 16,6% também até terça-feira. Este ano, o índice pan-europeu acumula uma valorização de 15,7%, incluindo dividendos, e desde o mínimo do ano (registado a 7 de abril) que carrega ganhos de 23%.
Estas valorizações sonantes destes e de outros índices acionistas — assim como a subida de 50% do ouro desde o arranque do ano e que esta quarta-feira superou pela primeira vez os 4 mil dólares — estão no centro das recentes declarações de Jerome Powell, presidente da Reserva Federal norte-americana (Fed), que afirmou que “os preços das ações estão bastante valorizados”, e também do vice-presidente do Banco Central Europeu, Luis de Guindos, que, na segunda-feira, alertou para “valorizações muito elevadas” nas bolsas e para o facto de os mercados estarem a incorporar um cenário “excessivamente benigno”.
Paulo Monteiro Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, corrobora as preocupações dos bancos centrais ao ECO, notando que “os principais indicadores de valorização confirmam que os mercados acionistas, sobretudo o norte-americano, estão acima das suas médias históricas”, destacando múltiplos sinais de alerta nesse sentido, como é o caso S&P 500 estar atualmente a negociar com um preço face aos lucros por ação (price earnings ratio ou simplesmente PER) em torno de 22 vezes, muito acima da média de longo prazo de cerca de 17 vezes.
Igualmente relevante é o sinal dado pelo CAPE Shiller, outro rácio financeiro que ajusta o PER aos lucros médios reais dos últimos dez anos, que coloca o S&P em redor dos 32 pontos — um valor comparável ao registado antes da crise financeira de 2007. Os dados mais recentes indicam que este indicador chegou mesmo aos 39,6 nos EUA, representando o segundo nível mais elevado dos últimos 154 anos, apenas superado durante a bolha das empresas tecnológicas no final da década de 1990.
O célebre “Buffett Indicator”, que compara o valor total do mercado acionista com o PIB, contribui também para elevar ainda mais os alarmes, ao negociar nos 200% nos EUA, sugerindo uma sobrevalorização significativa.
Os mercados globais mantêm-se em níveis historicamente elevados, em especial devido à valorização das empresas tecnológicas e de inteligência artificial nos EUA.
Na Europa, embora os múltiplos sejam inferiores aos praticados em Wall Street, também se encontram acima das médias históricas. Paulo Monteiro Rosa destaca que “o EuroStoxx 50 apresenta um PER próximo de 15 vezes, face a uma média histórica de 13 vezes”. Esta realidade é também visível no pan-europeu Stoxx 600 Europe, que negoceia em níveis equivalentes a 17,7 vezes os lucros por ação.
Significa que, em média, as ações europeias estão a transacionar com um PER 8% acima da média da última década e 11% acima da média dos últimos cinco anos, segundo cálculos do ECO. O que significa que as empresas europeias estão “caras” face à sua média histórica. No entanto, as seis centenas de empresas que compõem o índice pan-europeu encontram-se a negociar com um preço médio equivalente a 2,6 vezes os seus ativos contabilísticos (price book ratio, ou PBV), cerca de 29% abaixo da média dos últimos cinco anos.
“Os mercados globais mantêm-se em níveis historicamente elevados, em especial devido à valorização das empresas tecnológicas e de inteligência artificial nos EUA”, destaca Henrique Valente, analista da ActivTrades Europe, ao ECO. Esta concentração é claramente um viés à análise dos dados, dado que as sete maiores tecnológicas norte-americanas (conhecidas por Big 7) são responsáveis por mais de 60% dos ganhos do S&P 500 este ano.
Porém, quando se retira essas grandes empresas da equação, a conclusão não é diferente. O reconhecido índice norte-americano Russell 2000, que agrega 2 mil pequenas empresas norte-americanas (small caps), negoceia atualmente com um PER de 18,4 vezes, que compara com um rácio médio de 15,4 vezes nos últimos cinco anos e 16,1 vezes na última década. Isto significa que, em média, as small caps dos EUA estão a negociar a preços 18% acima da média dos últimos cinco anos e 13% acima da média dos últimos dez anos.
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Avaliações das empresas europeias
Dentro da Europa, existem focos de particular vulnerabilidade que podem abanar as bolsas europeias. Paulo Monteiro Rosa identifica a Alemanha como motivo de “preocupação acrescida”. “A economia germânica tem evidenciado sinais persistentes de fraqueza estrutural, penalizado pelas debilidades da produção industrial”, diz.
O principal índice acionista alemão (DAX), que agrega as 40 maiores empresas do país, negoceia atualmente com um PER de 19,6 vezes, cerca de 41% acima da média do último quinquénio e 46% acima da média da última década, numa altura em que o sentimento dos investidores alemães continua negativo, com o índice Sentix de outubro a fixar-se nos -17,9. Além disso, as empresas do DAX negoceiam com um preço equivalente a 3,08 vezes os seus ativos contabilísticos, cerca de 22% acima da média registada nos últimos cinco anos, segundo dados da Refinitiv.
França enfrenta desafios diferentes, mas igualmente preocupantes. A recente crise política francesa já se reflete nos mercados, com o spread das obrigações francesas face às alemãs a atingir 86 pontos base — cerca de 16 pontos acima da dívida soberana grega a dez anos. Nuno Mello, responsável de vendas da XTB Portugal, alerta que “a instabilidade política francesa recente já teve reflexos nos mercados, com quedas nas ações e um aumento dos spreads da dívida soberana”.
O PSI negoceia a preços de 13,35 vezes acima dos lucros por ação, cerca de 7,6% abaixo da média do PER da última década. Contudo, as 16 empresas do índice nacional transacionam a preços equivalentes a 2,9 vezes os seus ativos contabilísticos, cerca de 6,5% acima da média do último quinquénio.
Atualmente, o índice francês negoceia a preços 18,4 vezes os lucros por ação, cerca de 12% acima da média dos últimos cinco anos e 21% superior à média dos últimos dez. Além disso, as 40 empresas francesas que constituem o CAC 40 transacionam atualmente a preços equivalentes a 2,9 vezes os seus ativos contabilísticos, cerca de 6,5% acima do PBV médios dos últimos cinco anos.
Todavia, nem todos os mercados europeus seguem esta tendência de sobrevalorização. O índice português PSI, que desde a inclusão da Teixeira Duarte a 22 de setembro agrega 16 empresas, que acumula uma valorização de 33% em 2025 e uma rendibilidade anualizada de 20,6% desde março de 2020, constitui uma exceção num mercado sobreaquecido.
Atualmente, o PSI negoceia a preços de 13,35 vezes os lucros por ação, cerca de 7,6% abaixo da média do PER da última década. Contudo, as 16 empresas do índice nacional transacionam atualmente a preços 2,9 acima dos seus ativos contabilísticos, cerca de 6,5% acima da média do último quinquénio.
O mesmo nível de exceção é sentido em Dublin, com o principal índice acionista (ISEQ) a negociar com um PER 14,7% abaixo da média dos últimos cinco anos e 14% abaixo da média da última década. Verifica-se o mesmo no Brasil, com o índice Bovespa a transacionar com um PER de 8,8 vezes, cerca de 11,4% abaixo da média dos últimos dez anos.

Analistas não antecipam fim de ciclo
Apesar das fortes valorizações este ano e de muitos dos rácios financeiros mostrarem um sobreaquecimento dos principais índices acionistas, as casas de investimento internacionais não afastam o otimismo para os próximos meses, particularmente em relação à Europa.
O Goldman Sachs, numa nota enviada aos clientes a 1 de setembro, apontava para uma subida de 5% do Stoxx Europe 600 até aos 580 pontos nos próximos 12 meses (hoje está nos 569 pontos), com a sua equipa de analistas a antecipar um retorno total de 12 meses, incluindo dividendos, de 8%.
Porém, o banco norte-americano reconhece que “as ações europeias são mais caras do que eram no início do ano, após um ‘início estelar do ano'”. O forward PER (uma versão do tradicional PER que utiliza lucros futuros estimados em vez de lucros passados) europeu subiu para 14,4, colocando as ações europeias no 70.º percentil da sua gama de valorização histórica desde 2000, destacam os analistas.
Tanto nos EUA como na Zona Euro, os preços das ações parecem exigentes face aos fundamentos macroeconómicos [mas] o mercado acionista americano parece mais valorizado e com maior probabilidade de correção a curto prazo.
A AXA Investment Management nota que “as ações europeias registaram um desempenho significativo em 2025, com os índices regionais a superarem confortavelmente outros grandes mercados”, mas adverte que, “embora o fosso de valorização tenha diminuído dos seus níveis mais extremos”, as ações europeias podem continuar a oferecer valor relativo face ao mercado americano.
“O mercado acionista americano parece mais valorizado e com maior probabilidade de correção a curto prazo”, refere ainda Paulo Monteiro Rosa. A mesma perspetiva é partilhada por Nuno Mello, que aponta para que “o mercado norte-americano parece mais ‘quente’ e, portanto, com maior probabilidade de sofrer uma correção no curto prazo”.
No entanto, Henrique Valente sublinha a forte correlação entre mercados, notando que “os mercados europeus e norte-americanos permanecem fortemente correlacionados, pelo que uma eventual correção tenderia a refletir-se em ambos”. E, em cima disso, o contexto macroeconómico adiciona camadas de complexidade.
Luis de Guindos alertou que se a narrativa otimista em redor da economia mundial falhar, “a correção poderá tornar-se um ‘risco para a estabilidade financeira’“, referindo-se ao cenário otimista de continuação dos cortes de juros americanos e resolução pacífica dos conflitos comerciais.
As evidências convergem para confirmar os alertas de Jerome Powell e Luis de Guindos, de que os mercados acionistas apresentam avaliações e valorizações historicamente elevadas. O CAPE Shiller próximo dos 40 pontos nos EUA, o “Buffett Indicator” acima dos 200% e os rácios PER dos principais índices acima das médias históricas são indicadores inequívocos de que os preços das ações incorporam expectativas muito otimistas sobre o futuro.
“Tanto nos EUA como na Zona Euro, os preços das ações parecem exigentes face aos fundamentos macroeconómicos”, destaca Paulo Monteiro Rosa ao ECO. O cenário de “desinflação com crescimento modesto” pode não justificar, por si só, valorizações tão elevadas, sustentando a prudência manifestada pelos responsáveis dos bancos centrais.
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