Portugal ultrapassa Hong Kong e passa a ser o 12º maior exportador de calçado. Preço médio do sapato nacional está a subir 11%, mas a indústria admite que “dificilmente” vai superar recorde de vendas.
A indústria portuguesa do calçado ganhou uma posição na lista dos maiores exportadores do mundo, ocupando agora a 12ª posição. A ultrapassagem a Hong Kong, confirmada no World Footwear Yearbook 2023 (WFI), a publicação estatística de referência neste setor, resulta do aumento das vendas nacionais ao exterior e do declínio deste indicador em Hong Kong, em queda há mais de uma década em função da perda de relevância do território na intermediação das exportações da China, que equivalem a 60% do total a nível mundial.
Com uma progressão homóloga mais acelerada do que no conjunto da indústria (8,73% vs. 6,5%), o preço médio do par de sapatos portugueses na exportação ascendeu no ano passado a 26,4 euros, o valor mais alto de sempre. Mantém-se como o segundo mais elevado entre os principais produtores mundiais, apenas atrás de Itália, onde ronda os 56 euros. O anuário estatístico sugere uma descida de 2% no preço made in Portugal, mas a associação do setor (APICCAPS) ressalva que “é integralmente explicada pela desvalorização do euro face ao dólar que se verificou, nomeadamente, na primeira metade do ano passado”.
De acordo com os números mais recentes divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), até maio, o preço médio do calçado exportado por Portugal aumentou 11%. Questionado pelo ECO sobre a previsão dos industriais portugueses para a progressão média dos preços no final de 2023, face ao exercício do anterior, o porta-voz da APICCAPS, Paulo Gonçalves, garante apenas, sem arriscar valores, que “vai voltar a existir um reajustamento do preço”. Um outro estudo recente do WFI estimou que, em termos globais, o preço médio do calçado deverá aumentar 7,3% até dezembro.
Evolução da produção e das exportações do calçado
No ano passado, o disparo nos preços contribuiu para um novo máximo histórico registado pelo cluster do calçado e artigos de pele. Com vendas totais de 2.347 milhões de euros no exterior – dos quais 2.009 milhões de euros em calçado, num total de 76 milhões de pares, uma quantidade 10,5% superior à do ano anterior –, no último exercício, o setor progrediu 22,2% em termos de valor exportado. O setor exporta mais de 95% da sua produção, com o calçado português a chegar atualmente a 170 países nos cinco continentes.
Paulo Gonçalves reconhece que “dificilmente estes resultados se voltarão a repetir” em 2023, descrevendo “um ano de grande exigência para o calçado português”. “Este ano começou a um ritmo muito positivo, mas o facto de os principais mercados de destino do calçado português enfrentarem uma situação económica débil, mesmo anémica ou de recessão técnica, condicionará seguramente os resultados do ano. A evolução do setor estará sempre dependente da evolução da conjuntura internacional. Temos consciência de que os próximos meses serão exigentes e não nos arriscamos a fazer previsões”, resume.
O facto de os principais mercados de destino do calçado português enfrentarem uma situação económica débil, mesmo anémica ou de recessão técnica, condicionará seguramente os resultados do ano.
Nos primeiros cinco meses deste ano, “em linha” com os principais concorrentes, nomeadamente Espanha e Itália, Portugal exportou 30 milhões de pares no valor de 784 milhões de euros, com o INE a registar um recuo na ordem dos 10% em quantidade e de 0,7% em valor. O responsável justifica que “há vários mercados em situação de claro abrandamento”, com o pequeno retalho na Europa a ser “fustigado” com o encerramento de milhares de sapatarias nos últimos dois anos. Por exemplo, na Alemanha, o principal mercado de destino das exportações portuguesas de calçado, encerram 1.500 sapatarias só em 2022 — e “muitos destes pontos de venda eram clientes das nossas empresas”.
A lista dos principais destinos do calçado nacional completa-se com França, Países Baixos, Espanha e Reino Unido. Ao comparar com aquele que era o cenário há cinco anos, disponibilizado pelo mesmo estudo do WFI, destacam-se as subidas das vendas para os Estados Unidos (+47%) e para a Alemanha (+7%). Em sentido contrário, as maiores quebras aconteceram na Rússia (-73%) por causa da guerra, e naqueles que são dois dos principais mercados para a indústria portuguesa: Espanha (-18%) e França (-13%).
“Há uma grande flutuação dos mercados. Estamos atentos, mas o facto de não estarmos dependentes de um qualquer mercado é motivo de alguma tranquilidade. Parte desta descida é explicada pela alteração das preferências dos consumidores desses países, em favor de tipos de calçado que não correspondem à especialização predominante da indústria portuguesa. Embora o padrão da oferta nacional esteja em evolução, Portugal continua a exportar predominantemente calçado em couro, enquanto nos últimos anos as preferências dos consumidores favoreceram calçado em plástico e materiais têxteis”, frisa Paulo Gonçalves.
Por outro lado, completa o porta-voz da APICCAPS, “esta evolução também tem a ver com as decisões de abastecimento de grandes marcas que optaram por uma maior diversificação dos seus locais de abastecimento na bacia mediterrânica, privilegiando países com menores custos de produção do que Portugal”.
Já no que toca aos preços das matérias-primas, que afligiram os industriais do setor nos dois anos anteriores, embora os valores “caminhem para uma normalização”, continuam a ser a maior preocupação dos empresários do setor, com 56% a referirem essa pressão no abastecimento num inquérito realizado recentemente por esta associação setorial, que tem sede no Porto e é liderada por Luís Onofre.
Pressão asiática “dificulta” aposta em valor acrescentado
Se na exportação o país subiu um lugar, na lista de produtores mundiais baixou uma posição, sendo agora 20º (um lugar abaixo de Espanha), com a entrada do Myanmar para o 17º posto. Uma alteração a que o diretor de comunicação da APICCAPS não atribui “particular significado quanto à capacidade competitiva de Portugal”, refletindo antes o reposicionamento de alguma produção asiática para países com custos ainda mais baixos do que a China ou o Vietname.
Aliás, desde 1985 que o equilíbrio global mudou radicalmente nesta indústria. Nessa altura, mais de 35% da produção mundial estava na Europa, em particular em países como Itália, Espanha, França, Alemanha e Reino Unido. Nas últimas quatro décadas, a produção de calçado na Europa caiu a pique, com esse conjunto de cinco países a deixar de produzir 884 milhões de pares (-70%). A APICCAPS sublinha que “apenas Portugal resistiu, tendo, desde essa altura, a produção nacional aumentado cerca de 50%.
Gonçalves sublinha que o nearshoring é “um mito enquanto transformação profunda e estrutural dos padrões de comércio internacional de calçado”, embora haja casos, com “escala limitada”, de transferência de produção para bases industriais mais próximas dos grandes mercados ocidentais, como sucedeu quando a China teve fortes restrições à circulação por causa da pandemia. E “para uma indústria como a portuguesa, que representa apenas uma muito pequena percentagem da produção mundial, estes fenómenos tiveram implicações muito positivas”, acrescenta.
Com nove em cada dez pares de sapatos a serem produzidos na Ásia, sugere que há uma “forte pressão ao nível dos preços” para países mais pequenos, como Portugal. “O modelo do negócio de Portugal é outro e passa pela migração da produção para os segmentos de maior valor acrescentado. No cenário atual, de forte concorrência, a decisão estratégia da indústria portuguesa foi dificultada”, reconhece. Ainda assim, mesmo admitindo não ter dados sobre quanto vale o segmento das “soluções sustentáveis”, sustenta que a indústria portuguesa está “na linha da frente” nesse capítulo, aproveitando os investimentos previstos no PRR e o Compromisso Verde subscrito já por 140 empresas que valem 50% das exportações do setor.
Tipo de calçado comercializado por Portugal em 2022
No âmbito do projeto Bioshoes4all, a indústria portuguesa comprometeu-se a desenvolver e a colocar no mercado cerca de meia centena de produtos de “nova geração” até ao final de 2025. Mas o anuário estatístico mostra que, na exportação em quantidades, o calçado em pele reforçou a quota em dois pontos percentuais — de 67% em 2021 para 69% em 2022 — e “continuará a ser uma decisão estratégica para o calçado português”.
“Continuamos a entender que, nesta fase, o couro é a melhor matéria-prima existente no mercado. Desde logo, e ao contrário do que se poderia prever, o consumo de carne está a aumentar e a bater recordes. Depois, a indústria de calçado promove, desde a sua génese, a economia circular. Com efeito, o couro usado na indústria de calçado é, na sua esmagadora maioria, de origem bovina. Na sua essência, a indústria de calçado reaproveita uma matéria-prima nobre desperdiçada pela indústria alimentar”, realça Paulo Gonçalves.
Além disso, na componente da durabilidade, ainda que os estudos internacionais sugiram que o período médio de vida de um par de calçado ronde um ano, no caso do calçado em couro “melhora consideravelmente e desenvolve, mesmo, uma nova aparência que agrega valor ao produto”, argumenta o mesmo responsável.
No Plano Estratégico do Cluster do Calçado 2030, apresentado em novembro do ano passado, a indústria portuguesa do calçado assume quer ser uma “referência internacional” e reforçar as exportações, “aliando virtuosamente a sofisticação e criatividade com a eficiência produtiva, assente no desenvolvimento tecnológico e na gestão da cadeia internacional de valor, assim garantindo o futuro de uma base produtiva nacional, sustentável e altamente competitiva”.
Evolução do número de empresas e do emprego no calçado
A fileira do calçado emprega atualmente 40.730 trabalhadores em Portugal, contabilizando ter criado 3.259 postos de trabalho no ano passado. Em maio, a APICCAPS iniciou uma mega campanha para “atrair uma nova geração de talento” às fábricas nacionais, que arrancou em 86 escolas primárias de Felgueiras, Guimarães, Oliveira de Azeméis, Santa Maria da Feira e S. João da Madeira.
Lembrando que está previsto esta iniciativa durar três anos, numa primeira fase, Paulo Gonçalves cita as previsões da Comissão Europeia de que a indústria europeia da moda vai necessitar de 500 mil novos colaboradores até 2030, afetando em particular países como Espanha, França, Itália e Portugal, pelo que “era altura de ir para o terreno e desmistificar alguns estereótipos relacionados com os setores industriais”.
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Calçado português ganha posição na lista de exportadores. Só os sapatos italianos são mais caros
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