Consumidores poupam com bens recondicionados. A garantia é igual, o preço é diferente

Há cada vez menos "complexo" em comprar bens recondicionados. O mercado já está bem instituído e permite poupar dezenas ou centenas de euros face aos produtos novos. A garantia é a mesma.

Há bem pouco tempo, numa conhecida loja de eletrónica em Portugal, um iPhone 13 de 128 GB era vendido por 729,99 euros. No mesmo dia, um consumidor interessado neste equipamento poderia receber o mesmo modelo em casa por menos 80 euros. Mas como?

Numa altura em que se aproxima o Dia Mundial da Poupança, que se assinala a 31 de outubro, é apenas um exemplo do que se pode poupar ao optar por um recondicionado. O modelo mais barato, vendido por 649,99 euros, tinha “marcas mínimas” de uso. Mas se ao fim de algum tempo aparecesse avariado, o consumidor poderia acionar a garantia como se de um telemóvel novo se tratasse.

Cerca de quatro anos depois de marcas como Worten e Fnac terem aderido a esta tendência, o mercado de recondicionados está bem estabelecido no país. Estas empresas aceitam produtos dos clientes que são dados como retoma e vendem-nos a preços mais baixos, depois de os sujeitarem a uma espécie de revisão, ao hardware e ao software. O que tiver de ser substituído, é substituído.

“O mercado tem evoluído de forma significativa. A procura tem aumentado bastante e a oferta também. Claramente, os recondicionados são bem percecionados pelo povo português. Deixou de haver algum tipo de conotação negativa que outrora existia. À falta de melhor palavra, já não há nenhum complexo por parte das pessoas em relação à escolha de um recondicionado”, diz Rui Pepe, diretor de serviços da Fnac.

Na verdade, alguns destes produtos até já surgem expostos nas prateleiras dos estabelecimentos. O preço tende a ser mais atrativo, mas, ainda assim, certos consumidores ainda torcem o nariz na hora de decidir fazer a compra. Alguns não saberão que “recondicionado” não significa o mesmo que “segunda mão”.

“Ao contrário dos produtos em segunda mão, os produtos recondicionados são sujeitos a um tratamento prévio, o qual garante e atesta a qualidade e o bom estado dos equipamentos. Os produtos recondicionados são produtos seminovos, que foram sujeitos a rigorosos testes de controlo, em termos estéticos e funcionais e que são reparados, se necessário, limpos e reconfigurados para o software de origem, para estarem funcionais e operacionais a 100%”, explica Nuno Natário, diretor comercial da Worten Iberia.

Aliás, ao contrário do que acontecia em 2019, quando o ECO publicou um primeiro Especial sobre este tema, a própria lei já prevê o conceito de “bens recondicionados”. São “bens que foram objeto de utilização prévia ou devolução e que, após inspeção, preparação, verificação e testagem por um profissional, são novamente colocados para venda no mercado nessa qualidade”, lê-se no diploma. Como tal, segundo o jurista Luís Pisco, da Deco, os recondicionados beneficiam dos mesmos três anos de garantia dos bens novos desde janeiro de 2022.

“Tratando-se de um bem recondicionado, esse prazo é o de um bem novo. Ou seja, a lei faz equiparar um bem recondicionado, que é posto no mercado, e tem de ser identificado como bem recondicionado, com um prazo de garantia igual ao de bem novo”, afirma o especialista da associação de defesa do consumidor.

O mercado tem evoluído de forma significativa. A procura tem aumentado bastante e a oferta também.

Rui Pepe

Diretor de serviços da Fnac

A, B ou C: muda o aspeto e o preço

Mesmo assim, vale a pena ser prudente. Luís Pisco avisa que “a informação sobre o facto de ser recondicionado deve constar sempre na informação que é posta junto ao bem”. E importa não confundir o conceito de recondicionado com um produto “usado” ou em “segunda mão”.

Outra dica: “Nunca comprar em marketplaces, por exemplo, de redes sociais, uma vez que não há qualquer tipo de confiança por parte dessas páginas, que hoje existem, que hoje estão a vender bens, amanhã desaparecem simplesmente, e nós não conseguimos saber quem é que é o indivíduo ou empresa que estaria por detrás dessa página”, aconselha o jurista da Deco.

Depois, importa confirmar se fica satisfeito com o estado do equipamento. Para tal, os comerciantes criaram um sistema de grades, em que A corresponde a equipamentos como novos, B a seminovos com marcas mínimas de uso, e C a aparelhos com marcas mais evidentes, tais como riscos no ecrã. O preço, claro, também varia. Seguindo o exemplo anterior, o mesmo iPhone recondicionado, mas como novo (grade A), já só permitia poupar 40 euros. É metade do preço do produto grade B.

“Começámos com A ou B e só muito recentemente, porque estávamos a ficar fora de mercado, e porque somos comerciantes também, abrimos um bocadinho a malha para equipamentos de grade C, com vestígios de uso mais notórios”, diz Rui Pepe, da Fnac. “O mercado organizou-se dessa forma, não é um sistema oficial. Não há nenhum standard global do que é A, B ou C. Nós também só falamos de A, B ou C, mas entretanto a criatividade comercial levou para todo o tipo de variante.

Sendo apenas uma avaliação “estética”, diz Nuno Natário, tudo tem de estar a funcionar debaixo do capô do produto: “Estes equipamentos são classificados de acordo com seu estado estético, através de um sistema padrão de avaliação, que se subdivide numa escala, que vai da classificação grade A+, equivalente a um produto quase novo, com sinais de uso pouco visíveis a olho nu, à classificação grade C, que equivale já a um equipamento com sinais acentuados de uso e com algumas imperfeições”, salienta o responsável da Worten Iberia.

É um mercado em constante crescimento e temos tentado acompanhar esta tendência com o aumento da oferta. Acreditamos que este negócio tenderá a crescer a bom ritmo tanto na vertente de venda como de retoma.

Nuno Natário

Diretor comercial da Worten Iberia

Telemóveis, tablets, portáteis e… bicicletas

Não só de telemóveis se fazem produtos recondicionados. Portáteis, tablets e consolas de jogos são outras categorias de produtos que, graças à respetiva “qualidade original de fabrico”, permitem a criação de um mercado secundário, explica Rui Pepe. Mas, talvez, uma das grandes provas da maturidade do mesmo é a sua crescente industrialização, com alargamento a novas categorias de bens.

Por exemplo, a Worten investiu “recentemente” num “centro de reparações especializado”, com “técnicos especializados” para garantir a qualidade dos recondicionados que vende aos consumidores, segundo Nuno Natário.

Por sua vez, a Fnac está “a avaliar a industrialização do processo de recondicionamento em outros produtos e outras categorias”, diz Rui Pepe. É o caso da mobilidade elétrica, onde se inserem as bicicletas e as trotinetas a bateria. “Tem claramente oportunidades para o mercado recondicionado”, salienta.

“As bicicletas elétricas irão continuar a ter uma progressão tecnológica significativa, têm também um custo no mercado globalmente elevado, o que provavelmente faz com que se compre o produto com alguma dose de experimentação”, diz o responsável da Fnac. Ou seja, primeiro, o cliente faz a compra “para ver se se adapta, se se enquadra na sua vida, e, depois, é normal que faça um upgrade ao longo do tempo, gerando um mercado de segunda mão por via da evolução para outro produto”.

Tratando-se de um bem recondicionado, o prazo de garantia é igual ao de um bem novo.

Luís Pisco

Jurista da Deco

Um “truque” contra a inflação

Esteja ou não convencido, subsiste, então, uma questão: quanto se pode esperar poupar com a compra de um recondicionado, em comparação com o produto novo? Luís Pisco, jurista da Deco, diz que “depende” – da loja, do produto, da categoria.

Nuno Natário, da Worten, fala em descontos que chegam aos 50%, enquanto Rui Pepe, da Fnac, aponta para o intervalo de 15 a 30%. Alguns sites prometem preços até 70% mais baixos. Mas será mais realista esperar poupar algumas dezenas ou centenas de euros, consoante o grau estético pelo qual optar.

Se a questão financeira é importante para si, saiba que não é caso único. “A inflação acaba por motivar a escolha de produtos a preços mais acessíveis e, tendo em conta o contexto atual em que dependemos de tecnologia nas mais variadas áreas da nossa vida, os recondicionados surgem como uma alternativa mais económica. Tendo isto em conta, acreditamos que com a sobrecarga financeira das famílias este tipo de produto passou a ser uma alternativa fulcral na decisão de compra de produtos eletrónicos”, afirma Nuno Natário.

Já Rui Pepe recorda, por sua vez, que os constrangimentos nas cadeias logísticas, resultantes da pandemia, deram gás a este mercado: “A disponibilidade de um iPhone recondicionado que estava na prateleira era melhor do que a de um produto novo que não estava”, recorda.

Para outros consumidores, os recondicionados têm outro fator de atração: são uma alternativa mais sustentável a comprar produtos novos, e uma forma de incorporar no estilo de vida o conceito da economia circular. Se, com isso, puderem poupar, então, tanto melhor.

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