Além da subida acelerada das taxas de juro, empresários denunciam critérios de acesso mais restritivos, maior centralização nas decisões de crédito e falta de concorrência no financiamento bancário.
O acréscimo dos custos de financiamento às empresas, por via da subida acentuada das taxas de juro nos últimos meses e a caminho de máximos de 22 anos, está a ser acompanhado por um aumento das exigências no que toca aos critérios e garantias no processo de concessão de crédito bancário, denunciam as associações empresariais ouvidas pelo ECO, que falam já numa ameaça aos projetos de investimento que a indústria portuguesa precisa de concretizar para assegurar a competitividade face aos concorrentes internacionais e acompanhar a transição verde e digital.
O presidente da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA), que no primeiro trimestre bateu um recorde nas exportações, superando a fasquia dos 3.000 milhões de euros, sublinha que o disparo no custo de financiamento “começa a ser importante porque as empresas têm projetos de investimento, muitos deles em fase de concretização e de finalização – e que em alguns casos ficam prejudicados por serem contratos assinados mais recentemente ou de taxa variável indexada à referência europeia”.
E do ponto da disponibilidade das instituições financeiras para emprestar, José Couto indica que “há um processo de avaliação do risco que está a ser mais apertado” pelos bancos, que “também se habituaram ao conforto das garantias mútuas”. “Provavelmente uma atitude mais agressiva ao nível do apoio das garantias mútuas produziria um efeito interessante. O reporte que temos é que não estão com uma atitude expansionista”, acrescenta o dirigente associativo.
É um bocado inibidor para as empresas manterem o ritmo de investimento. São projetos muito importantes para acompanhar aquilo que os clientes nos estão a pedir em termos de novos projetos e de novos veículos. E também é preciso fazer investimentos para modernizar o chão de fábrica e as empresas.
“São projetos muito importantes para acompanhar aquilo que os clientes nos estão a pedir em termos de novos projetos e de novos veículos. E também é preciso fazer investimentos para modernizar o chão de fábrica e as empresas. Portanto, [este contexto na banca] é um bocado inibidor para manterem o ritmo de investimento. Até porque as empresas de componentes automóveis em Portugal estão a crescer nas exportações [+22% até março], o que significa que estão a aumentar a produção, obrigando a fazer também investimento em fundo de maneio”, resume José Couto.
Ana Paula Dinis, diretora executiva da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), corrobora que “a situação é muito delicada porque [o setor] está a viver uma transição verde e digital, muitas empresas têm investimentos elevados em curso – algumas delas com projetos e timings a respeitar – e a banca, que deveria estar a ajudar as empresas, não estará a facilitar, antes pelo contrário”. Quanto ao custo do financiamento, a responsável tem relatos de que “tem vindo a aumentar significativamente, nalguns casos, para quase o dobro”.
Por outro lado, sublinha que alguns industriais do têxtil e vestuário têm vindo a queixar-se de que “os bancos passaram a ter práticas muito mais restritivas” de concessão de crédito e que “os processos passaram a estar cada vez mais centralizados em Lisboa e geridos por pessoas que não conhecem o negócio e são pouco sensíveis às dinâmicas” da economia real e desta indústria, em particular. E a redução de pessoal por parte de alguns bancos, completa, “terá agudizado esta situação”.
Os bancos passaram a ter práticas muito mais restritivas de concessão de crédito e os processos a estar cada vez mais centralizados em Lisboa e geridos por pessoas que não conhecem o negócio e são pouco sensíveis às dinâmicas da economia real.
Lembrando que o crédito bancário ainda constitui uma fonte importante na parcela do cofinanciamento dos projetos de investimento empresarial, também o presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP) olha para este cenário com “elevada preocupação, tendo em conta o elevado grau de endividamento da economia portuguesa e a expectável necessidade de as empresas recorrerem ao crédito bancário para financiamento dos seus investimentos, numa altura em que se perspetiva a implementação do Portugal 2030”.
Luís Miguel Ribeiro explica que as empresas têm sentido uma “maior restritividade” por parte da banca ao nível dos critérios de concessão de crédito, em especial nos empréstimos de longo prazo, notando que os empréstimos têm sofrido um “ligeiro aumento dos spreads e uma maior limitação de outros termos e condições, sobretudo no que se refere a garantias exigidas e a condições contratuais não pecuniárias, com destaque para o segmento das PME”. O aumento da proporção de pedidos de empréstimo rejeitados no crédito a este tipo de negócios é encarado como “um sinal” dessa maior restrição.
O líder da maior associação patronal do Norte do país, prestes a ser reeleito para um novo mandato, destaca ainda que o nível das taxas de juro tem contribuído para uma contração da procura de empréstimos por parte das empresas. Em termos de expectativas, de acordo com o mais recente Inquérito aos Bancos sobre o Mercado de Crédito, publicado pelo Banco de Portugal em abril, perspetiva-se a aplicação de “critérios de concessão mais restritivos no crédito a empresas, especialmente PME, de forma transversal à maturidade dos empréstimos”.
Segundo dados oficiais, no final de abril de 2023, o montante de empréstimos concedidos pelos bancos às empresas foi de 74,2 mil milhões de euros, menos 400 milhões de euros que em março. Quando comparado com abril de 2022, o montante de empréstimos decresceu 1,6%. A informação estatística disponibilizada pelo banco central, liderado por Mário Centeno, mostra que este foi o quarto mês consecutivo em que os empréstimos às empresas encolheram face ao mês homólogo do ano anterior, sendo “mais expressiva” nos setores da eletricidade, gás e água, do alojamento e restauração, e das indústrias transformadoras.
Empréstimos às empresas (taxa de variação anual)
À sede da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), no Porto, têm chegado igualmente alertas sobre um “aumento das exigências nos critérios e garantias no âmbito do processo de concessão de crédito bancário”. Em paralelo com o aumento das taxas de juro e consequente acréscimo do custo de financiamento dos projetos, e com a falta de oferta de habitação no mercado, contextualiza o presidente, Manuel Reis Campos, “representa mais uma dificuldade à atividade das empresas”. O stock de crédito ao setor da construção e do imobiliário recuou 0,7% entre março e abril, para um montante (15,7 mil milhões de euros) que corresponde ao menor valor registado desde o início do ano.
“O efeito de abrandamento da procura de crédito é precisamente o resultado que se espera da política monetária do BCE. Com o aumento das taxas de juro, pretende exercer pressão do lado da procura e estabilizar a subida de preços. A Euribor tinha em julho de 2022 uma taxa negativa quando atualmente é superior a 3,4%. Foi uma alteração muito rápida que aconteceu num muito curto espaço de tempo. Quando assim é, num contexto de grande volatilidade, é natural que os agentes económicos tenham uma maior precaução sobre as suas decisões de consumo e investimento”, resume Mário Trinca, diretor-geral da Alvarez & Marsall Portugal.
Reestruturar créditos e “desconcentrar” bancos
De acordo com o European Payment Report 2023, divulgado na semana passada pela Intrum e em que participaram mais de 250 empresas em Portugal, 62% das inquiridas a nível nacional esperam que as taxas de juros continuem a subir (vs. média europeia de 56%) e metade admite estar a negligenciar iniciativas que tornariam os seus negócios mais competitivos, por estarem mais concentrados em gerir os riscos da atual conjuntura e uma eventual recessão. Questionados sobre as medidas que estão a adotar para enfrentar este cenário, respondem estar a planear reduzir os custos (36%) e a serem mais cuidadosos em assumir dívidas financeiras (28%).
Para Filipe Garcia, economista e presidente da IMF – Informação de Mercados Financeiros, “o custo é, sem dúvida, um dissuasor importante da procura de crédito”. A falta de confiança das empresas relacionada com a possibilidade de uma desaceleração da atividade e a boa capitalização de muitas delas leva a que se procure menos crédito”, completa o especialista, em declarações ao ECO.
Por estes dias a preparar a 3ª edição da Portugal Home Week, que no final desta semana junta os maiores operadores da fileira casa na Alfândega do Porto, atraindo centenas de compradores, prescritores e importadores de todo o mundo à cidade Invicta, a associação dos industriais do mobiliário (APIMA) atesta que as dificuldades de financiamento “tendem a aumentar, assim como as condições”, dramatizando que “a capitalização das empresas é algo prioritário, pois sem essa capacidade financeira a sua viabilidade económica poderá ser posta em causa”.
O diretor executivo, Gualter Morgado, recorda que houve moratórias e financiamentos para apoiar as empresas durante e após o pico da pandemia de Covid-19. “Com o aumento das taxas de juro, muitas empresas terão necessidade de reestruturar créditos e até conciliar [com novos] para viabilizarem a sua atividade económica”, sustenta o porta-voz de um cluster que, incluindo também a colchoaria, têxteis-lar, cutelaria, cerâmica, iluminação e tapeçaria, alcançou no ano passado um novo máximo de vendas no exterior, a rondar os 2.000 milhões de euros.
Composto por cerca de 23 mil empresas e por uma força de trabalho de quase 246 mil pessoas, a indústria metalúrgica e metalomecânica fatura perto de 35 mil milhões de euros por ano e bateu igualmente no ano passado um novo recorde nas exportações (23,1 mil milhões de euros). A apostar num “choque de gestão” com capital e talento estrangeiro até 2030, a associação setorial (AIMMAP) reclama que, em média, tem empresas mais capitalizadas e com “mais facilidade” no acesso ao crédito bancário”, embora sintam “claramente que o dinheiro está mais caro”.
Rafael Campos Pereira, vice-presidente executivo da AIMMAP, salvaguarda, no entanto, que tem ouvido os industriais a sublinhar que “continua a agravar-se o processo de concentração bancária, o que faz com que já não haja possibilidades reais de negociação do que quer que seja”. “As fusões foram acontecendo e para as PME não é fácil recorrer a crédito bancário fora das fronteiras, ao contrário do que acontece com as empresas de maior dimensão, que conseguem lutar no contexto mais global”, resume o dirigente associativo, que é também vice-presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal.
Continua a agravar-se o processo de concentração bancária, o que faz com que já não haja possibilidades reais de negociação do que quer que seja. As fusões foram acontecendo e para as PME não é fácil recorrer a crédito bancário fora das fronteiras.
Se na área industrial é indisfarçável a apreensão no atual relacionamento com os bancos, na agricultura o cenário parece ser mais relaxado. Luís Mira, secretário-geral da CAP – Confederação dos Agricultores de Portugal, descreve um setor “cada vez mais profissionalizado, com projetos de investimento bem estruturados e apoiados em tecnologia, com vista à eficiência e à sustentabilidade”, garantindo assim que “os bons projetos agrícolas conseguem atrair o financiamento bancário”.
Todavia, “não substitui aquele que é o instrumento de investimento vital para o setor, os fundos da Política Agrícola Comum (PAC), cuja execução continua a ocorrer a conta-gotas e a não servir um setor que necessita de investimento agora para conseguir colher daqui a quatro ou cinco anos”.
“A dinâmica de modernização e sustentabilidade deste setor faz-se através de um justo equilíbrio entre a iniciativa dos empresários e os apoios ao investimento no âmbito da PAC. [Alertamos] mais uma vez para as sistemáticas falhas no sistema de candidaturas ao Pedido Único de Ajudas, sendo que a operacionalização do plano estratégico da PAC regista a mais baixa execução de sempre. Existe um problema de financiamento crónico, que não se resolve simplesmente pela via do crédito bancário, e que continua a prejudicar os agricultores portugueses, face aos seus congéneres europeus, com destaque para os espanhóis”, conclui Luís Mira.
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Crédito bancário mais caro e “apertado” ameaça investimentos na indústria
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