BCE abranda o ritmo com juros a caminho de máximos de 22 anos

Juros da Zona Euro sobem 25 pontos base esta quinta-feira. No verão devem chegar a máximos de 2001, com o BCE a manter-se firme no combate à elevada inflação.

Os indicadores divulgados nos últimos dias desfizeram as já escassas dúvidas de que o Banco Central Europeu (BCE) vai combater a elevada inflação com uma subida das taxas de juro a um ritmo mais brando.

A autoridade monetária deverá anunciar esta quinta-feira (13:15 em Lisboa) um aumento de 25 pontos base nas taxas de juro, o que colocará a taxa dos depósitos em 3,25%. As taxas de juro aplicáveis às operações de refinanciamento e de cedência de liquidez subirão para 3,75% e 4,00%, respetivamente.

A taxa dos depósitos vai igualar o nível em que se encontrava em 2008. A 9 de julho desse ano, na antecâmara da grave crise financeira que rebentou com o colapso do Lehman Brothers, o BCE subiu a taxa dos depósitos em 25 pontos base para 3,25%. Uma decisão que é considerada um dos erros mais graves da história do BCE e que foi revertida pouco depois.

A confirmar-se agora este aumento de 25 pontos base, será o sétimo agravamento consecutivo da política monetária, num aumento acumulado de 375 pontos base desde julho do ano passado, altura em que a taxa dos depósitos estava em terreno negativo (-0,5%).

Apesar de continuar a aumentar os juros, este será o incremento mais leve da atual campanha, que é a mais agressiva da história do BCE. Depois de iniciar o atual ciclo com um aumento se 50 pontos base, seguiram-se duas subidas jumbo (75 pontos base) e o regresso a aumentos de 50 pontos base em dezembro, fevereiro e março.

Um novo aumento de 50 pontos base esteve em cima da mesa do Conselho do BCE para esta reunião de maio, mas deverá ser descartado. A autoridade monetária vincou em março que as próximas decisões seriam dependentes dos indicadores económicos e os últimos dados referentes à inflação, atividade económica e banca suportam a decisão de abrandar o ritmo.

O índice de preços no consumidor da Zona Euro até acelerou ligeiramente em abril (aumento homólogo de 7%) após cinco meses em queda, mas a inflação subjacente (ou core) desceu pela primeira vez em dez meses. Excluindo os preços dos alimentos e energia, a inflação subjacente baixou para 5,6% em abril (5,7% em março), dando conforto ao BCE para confiar que o indicador de inflação a que o banco central atribuiu maior importância inverteu finalmente a trajetória de alta.

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Ainda que ténue, este alívio na inflação surge numa altura em que é mais evidente o abrandamento da atividade económica. O PIB da Zona Euro cresceu apenas 0,1% no primeiro trimestre e a Alemanha escapou a uma recessão técnica por uma “unha negra”.

Na frente da turbulência na banca, um relatório publicado esta semana pelo BCE mostra que os bancos da Zona Euro estão a apertar os critérios de concessão de crédito ao ritmo mais pronunciado desde a crise da dívida de 2011. A restrição no financiamento agravará as nuvens mais sombrias que pairam sobre a economia europeia, contribuindo para pressionar a inflação em baixa.

“É demasiado cedo para o BCE começar a equacionar publicamente o fim do atual ciclo. Até que a inflação esteja controlada penso que o BCE terá margem de manobra para continuar a subir juros, mesmo num cenário de recessão”.

Ricardo Evangelista, analista sénior da ActivTrades.

Juros a caminho de 3,75%

Neste contexto de inflação ainda elevada, economia a continuar a crescer e setor bancário sem episódios de stress grave, os economistas acreditam que o BCE tem caminho aberto para continuar a subir as taxas de juro.

As sondagens efetuadas pela Reuters e Bloomberg apontam para dois aumentos adicionais de 25 pontos base, o que colocará a taxa terminal nos 3,75% em julho. A confirmar-se, representará um máximo de 22 anos (maio de 2001).

Ricardo Evangelista, analista sénior da ActivTrades, também aponta aos 3,75%, assinalando que é “demasiado cedo para o BCE começar a equacionar publicamente o fim do atual ciclo”. Até que a inflação core esteja controlada “penso que o BCE terá margem de manobra para continuar a subir juros, mesmo num cenário de recessão”, refere o analista.

A determinação do BCE para combater a elevada inflação “deve permanecer intacta”, pelo que “pode aumentar as taxas em 25 pontos base e indicar a intenção de aumentar ainda mais”, numa “abordagem gradual, passo a passo”, refere Franck Dixmier, diretor global de investimentos em obrigações da AllianzGI.

O Deutsche Bank considera que o BCE está a entrar na terceira fase do ciclo de aperto da política monetária, em que as decisões dependem totalmente dos indicadores económicos. Neste contexto, deverá continuar a sinalizar que o atual ciclo de agravamento da política monetária não terminou, pois é “muito cedo para declarar vitória sobre a inflação”.

O banco alemão estima uma taxa de juro terminal de 3,75%, num intervalo entre 3,5% e 4,0%, sendo que para impedir uma reação indesejada ao abrandamento na subida de juros, acredita que o BCE vai acelerar a redução da carteira do programa de compra de ativos (APP), a um ritmo de 20 mil milhões de euros por mês a partir de julho.

O BCE conseguirá alcançar uma taxa de inflação, significativamente, mais baixa, mas tê-lo-á feito à custa de um aumento do desemprego e de uma recessão económica. A margem de manobra da política orçamental para fazer face a essa recessão futura será, certamente, mais reduzida, dado as taxas de juro da dívida pública mais elevadas.

Ricardo Sousa, professor da Universidade do Minho

Combate à inflação induz recessão

Ricardo Sousa, professor da Universidade do Minho, é um forte crítico da política monetária que está a ser implementada pelo BCE. “É difícil compreender a racionalidade económica”, pois “a maior parte da subida da inflação registada na zona euro deveu-se a aumentos de preços de bens, que o BCE, praticamente, não controla”, argumenta.

“O BCE conseguirá alcançar uma taxa de inflação, significativamente, mais baixa, mas tê-lo-á feito à custa de um aumento do desemprego e de uma recessão económica”, refere Ricardo Sousa, salientando que “a margem de manobra da política orçamental para fazer face a essa recessão futura será, certamente, mais reduzida, dado as taxas de juro da dívida pública mais elevadas”.

O ING tem uma perspetiva diferente, assinalando que a “principal preocupação do BCE é que a inflação se tenha transformado de uma questão do lado da oferta para uma questão do lado da procura”. Uma alteração que “ainda é o argumento mais convincente para mais aumentos de juros”.

Cortes de juros quando/se chegar a recessão

As opiniões dos economistas estão mais divididas sobre quando vai o BCE inverter a atual política monetária restritiva. A decisão de cortar os juros estará fortemente dependente da evolução da inflação, sendo que um agravamento da deterioração da atividade económica também poderá acelerar este processo.

O inquérito da Bloomberg a economistas aponta para o primeiro corte de juros em outubro, apenas três meses após o último aumento estimado. O Deutsche Bank, que estima a inflação “core” acima de 2% em 2024, tem uma perspetiva mais contida. “Se as perspetivas para a inflação permanecerem inalteradas, serão necessários novos aumentos das taxas de juro. Em qualquer caso, é expectável que o BCE não alivie a política monetária durante um período prolongado”.

O ING só antecipa cortes na segunda metade do próximo ano, pois o “BCE não vai reverter a sua política enquanto a inflação e as estimativas para a inflação não estiverem claramente a caminho dos 2%”. Ricardo Evangelista não aguarda cortes de juros antes do final do ano.

Ricardo Sousa espera uma reação mais imediata do BCE à evolução da economia. “Se a atividade económica abrandar fortemente e resvalar para uma recessão ou se ocorrer um episódio de stress financeiro que perturbe o normal funcionamento dos mercados financeiros e a transmissão da política monetária à atividade económica real, o BCE colocará o ciclo de subida de juros em pausa ou invertê-lo-á mesmo que a inflação permaneça elevada”.

“O que me preocupa é que se mantenha a política de endurecimento da política monetária apenas porque a inflação permanece ‘elevada’, ainda que essa estratégia do banco central acabe por ser acompanhada por um crescimento económico anémico medíocre, ou seja, mesmo que não haja recessão económica”, refere o professor.

Se as perspetivas para a inflação permanecerem inalteradas, serão necessários novos aumentos das taxas de juro. Em qualquer caso, é expectável que o BCE não alivie a política monetária durante um período prolongado.

Deutsche Bank

Fed já está no fim do ciclo

A decisão do BCE será conhecida um dia depois da Reserva Federal (Fed) dos Estados Unidos também ter efetuado um aumento de 25 pontos base na taxa de juro. Numa altura em que a economia norte-americana está a travar de forma mais pronunciada, este terá sido o último agravamento do atual ciclo.

Contudo, a Fed está numa fase mais avançada do ciclo, tendo implementado 10 subidas de juros num total de 500 pontos base. Ainda assim, o líder da Fed, Jerome Powell, não fechou a porta a um perto adicional das taxas de juro e descartou cortes de juros, caso a inflação permaneça em níveis elevados.

Se os choques da oferta agregada persistirem, também as taxas de inflação permanecerão elevadas, o que deixará a ‘nu’ a fragilidade das atuais políticas monetárias restritivas”, refere Ricardo Sousa, defendendo que “nessa altura, ou os bancos centrais revêm em alta – oficial ou oficiosamente – a sua meta para a inflação, ou arriscar-se-ão a causar uma recessão económica profunda”.

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