Os novos donos da herdade da Vargem Fresca querem construir uma pequena vila para atrair reformados estrangeiros abastados, no espaço que outrora ficou conhecido pelo abate de 2.500 sobreiros.
Não é novidade para ninguém que a população mundial está a envelhecer. Da Europa aos EUA, da Ásia à América Latina, o número de idosos no mundo tem registado taxas de crescimento de dois dígitos, enquanto o número de jovens tem seguido no sentido contrário.
Só na Europa, as Nações Unidas perspetivam que, em 2050, uma em cada seis pessoas tenha mais de 65 anos, quando em 2019 esse rácio era de um para 11. Significa que, no espaço de três décadas, a população com mais de 65 anos passará de 100 milhões para perto de 150 milhões.
É justamente para esta dinâmica de mercado que o sul-africano Jack Shevel e mais dois investidores estrangeiros sustentam o projeto de investir cerca de mil milhões de euros nos próximos seis anos num resort de luxo para seniores na herdade da Vargem Fresca, em Benavente, a anterior herdade da Portucale que ficou conhecida por ter sido onde foram abatidos 2.500 sobreiros com o intuito de construir um empreendimento imobiliário, com o aval do Governo de Santana Lopes.
“Trata-se de um projeto que aposta no envelhecimento saudável, em que as pessoas possam desfrutar na plenitude das suas capacidades em família e com amigos; e, ao mesmo tempo, garante uma estrutura capaz de prestar todo o tipo de cuidados de saúde”, revela ao ECO Pedro Alfarroba Alves, CEO do projeto que se intitula de Life Plan Resorts (LPR).
No plano de investimento de mil milhões de Jack Shevel já está incluída a compra da herdade ao fundo imobiliário FUNGERE da GNB Real Estate, que foi concretizada a 21 de dezembro do ano passado por cerca de 20 milhões de euros através da Portugal Village of Life – Investimentos Imobiliários, revela Pedro Alves, ficando assim abaixo dos 21,5 milhões de euros da avaliação da propriedade que consta no último relatório e contas do fundo.
Uma pequena vila de luxo para 3 mil pessoas
A herdade da Vargem Fresca é uma propriedade de 510 hectares e, segundo o Plano Diretor Municipal aprovado, permite uma área de construção até 25,4 hectares, o que representa “no nosso plano cerca de 1.400 unidades independentes, entre apartamentos e moradias, numa área de 18 hectares“, revela Pedro Alves, que antes de assumir a liderança deste projeto foi diretor do Hospital de Gambelas do grupo HPA Saúde e ainda diretor-executivo do ACES Sotavento.
Além dos alojamentos, que terão uma área entre 70 a 150 metros quadrados, o CEO da LPR revela que está ainda previsto o objetivo de ocupar 2 hectares com uma clínica médica e outros serviços da área da saúde e os restantes 5 hectares serão preenchidos com infraestruturas de lazer, com destaque para um clube de golfe, um hotel com 60 quartos, uma pequena área de retalho e ainda “entre 7 a 10 restaurantes”.
Segundo Pedro Alves, o resort LPR terá a capacidade para alojar entre 2 mil e 3 mil pessoas até 2030, ano em que é esperado que o projeto esteja concluído. Ao ECO, revela que a primeira fase de construção arrancará no início de 2024, estando previsto chegar a 2026 já com 220 unidades de alojamento construídas e uma área para a prática de atividades.
Em 2026 deverá arrancar a segunda fase de construção, que contará nos dois anos seguintes com a construção de mais 530 alojamentos e do hotel; e entre 2028 e 2030 é esperado que o projeto esteja totalmente operacional com as últimas 650 unidades construídas.
Modelo de financiamento suportado por rendas
A ambição da LPR para concretizar aquilo que chama de “comunidade de plano de vida” com o resort de luxo na herdade da Vargem Fresca é grande. Desde logo em atingir o breakeven do investimento de mil milhões de euros já em 2026, no final da concretização da primeira fase de construção.
Para alcançar essa meta, além de arrancar com a comercialização dos alojamentos no final de agosto com o intuito de fechar o ano com 50 unidades “vendidas”, a LPR assenta grande parte do financiamento do resort no pagamento adiantado do direito de usufruto dos alojamentos.
“As pessoas celebram connosco um contrato de usufruto do espaço [moradia ou do apartamento] que permite à pessoa viver dentro da sua unidade de alojamento até morrer ou até decidir ir embora”, explica Pedro Alves. Esse contrato assume então o pagamento adiantado das rendas futuras, que são definidas com base no valor comercial do imóvel.
“Imaginando que o alojamento tem um valor de 500 mil euros, a pessoa entrega esse montante à empresa sob a forma de um empréstimo e celebra um contrato de arrendamento por tempo incerto. Na eventualidade de a pessoa desejar sair, será descontado o valor das rendas que foram usufruídas”, exemplifica o CEO da LPR, sublinhando que em virtude das particularidades que este tipo de contrato envolve estão a ser assessorados pela Cuatrecasas.
Para efeitos de contabilidade do valor das rendas, Pedro Alves revela ao ECO que, nos primeiros três anos de contrato, o valor da renda é equivalente a 1% do “empréstimo” e a partir do terceiro ano assume uma percentagem de 3,6% por ano. Assim, até completar cerca de 19 anos de estadia – que é a esperança média de vida dos europeus aos 65 anos, segundo o Eurostat – “caso a pessoa morra ou deseje sair do resort, é devolvido o dinheiro avançado debitado pelas rendas correspondentes. A partir daí não há lugar a devolução.”
“Acreditamos que Portugal tem capacidade para 5.000 unidades de alojamento do género do que pretendemos fazer na herdade”, revela Pedro Alves ao ECO, apontando a região do Algarve, Lisboa e o Norte como potenciais alvos da Portugal Village of Life.
O CEO da LPR revela que os alojamentos terão um preço de comercialização entre os 475 mil euros e 1,2 milhões de euros, sendo esse o preço do “bilhete de entrada” no resort de luxo projetado para a herdade da Vargem Fresca. Mas o custo para os potenciais seniores não se fica por aqui.
É preciso ainda contar com um investimento de 100 mil euros para se tornar membro do clube do resort, que será responsável pela disponibilização de várias atividades de lazer no resort, e ainda de uma mensalidade para poder usufruir dos vários serviços. É aquilo que os promotores do projeto designam de “Life Right”.
“Compra o usufruto do alojamento, torna-se membro do clube do resort e compra os serviços adjacentes ao bem que irá usufruir”, resume Pedro Alves, sublinhando que o modelo de negócio é inspirado na neozelandesa Ryman Healthcare, que no ano passado faturou quase 200 milhões de euros e conta atualmente com quase 13 mil unidades espalhadas por 44 projetos imobiliários na Austrália e na Nova Zelândia.
Apesar de grande parte do financiamento do projeto advir da comercialização dos alojamentos, que assumindo um preço médio de 550 mil euros por alojamento traduz-se num encaixe de 770 mil euros pelas 1.400 unidades projetadas, a LPR e a Portugal Village of Life preveem também recorrer ao crédito bancário, sobretudo na primeira fase de construção.
Pedro Alves revela ao ECO que o projeto imobiliário tem previsto necessidades de capital de 230 milhões de euros nos primeiros dois anos de construção (23% do investimento total previsto) e que cerca de 40 milhões de euros serão garantidos por via de financiamento bancário junto da banca nacional, “tendo nós já encetado conversações com várias entidades financeiras”, refere o CEO da LPR ao ECO, sublinhando que posteriormente não precisarão mais de recorrer à banca.
O capital remanescente previsto para a primeira fase de construção será gerado por via da comercialização dos 220 alojamentos previstos para esta fase e por via de capitais próprios. “A família Shevel vai até aos 40 milhões de euros e os outros 35 milhões de euros, que perfaz os 75 milhões de euros que prevemos de equity para esta primeira fase, serão garantidos por mais dois ou três potenciais investidores internacionais”, adianta o CEO da LPR, referindo que poderá em breve juntarem-se “parceiros portugueses ao projeto.” Sem adiantar nomes, Pedro Alves diz apenas que “as conversações estão a decorrer no bom sentido para isso se concretizar em breve.”
Jack Shevel é médico de formação e esteve ligado a vários projetos e empresas na área de saúde e bem-estar. Foi fundador e CEO da Netcare, um dos maiores prestadores de serviços de saúde da África do Sul, e até ao final do ano passado foi diretor e presidente não-executivo emérito da Carerx, uma empresa canadiana que oferece serviços de dosagem de medicamentos.
No plano de crescimento do grupo está também a intenção de transformar a Portugal Village of Life – Investimentos Imobiliários numa sociedade de investimento e de gestão imobiliária no próximo ano “para que, ao final de um tempo, possa ser cotada em bolsa na Euronext Lisboa”, refere Pedro Alves.
Começar em Benavente e “viajar” até à bolsa
O projeto de construir um resort de mil milhões de euros na herdade da Vargem Fresca, por mais ambicioso que possa parecer, não é o fim mas o começo dos planos de Jack Shevel e dos seus parceiros em Portugal.
“Acreditamos que Portugal tem capacidade para 5.000 unidades de alojamento do género do que pretendemos fazer na herdade”, revela Pedro Alves ao ECO, apontando a região do Algarve, Lisboa e o Norte como potenciais alvos da Portugal Village of Life.
Para já, à espera de ver a luz do dia, continua um pedido de concessão que Pedro e Jack fizeram em fevereiro de 2019 à Docapesca por um terreno de sete hectares em Vila Real de Santo António para desenvolverem a primeira unidade de Life Plan Resort no país com 600 unidades de alojamento. “O município precisa de decidir se pretende levar o projeto para a frente, mas nós temos muito interesse”, adianta o CEO da LPR.
No plano de crescimento do grupo está também a intenção de transformar a Portugal Village of Life – Investimentos Imobiliários numa sociedade de investimento e de gestão imobiliária no próximo ano “para que, ao final de um tempo, possa ser cotada em bolsa na Euronext Lisboa”, refere Pedro Alves, notando que já está em conversações com a Euronext nesse sentido e que até já foi celebrado um contrato de sponsor para essa transformação através do BCP Banco de Investimento e a Cuatrecasas, como assessor legal.
A herdade da Vargem Fresca ficará sempre ligada ao caso Portucale, que envolveu o abate de 2.500 sobreiros para a construção de um empreendimento turístico que nunca aconteceu. Hoje, segundo Pedro Alves, a herdade tem mais de 20 mil sobreiros e a LPR não pretende abater qualquer árvore da propriedade.
Mas ao contrário do sobreiro, que demora 25 anos a dar a primeira cortiça, ou seja, a gerar os primeiros rendimentos, a Portugal Village of Life não pretende esperar tanto tempo até recolher a primeira “cortiça” do seu investimento. Quer começar a faturar mesmo antes de colocar a primeira pedra ou sequer fazer as primeiras fundações deste empreendimento de luxo orientado para reformados abastados e maioritariamente estrangeiros.
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Ex-herdade da Portucale quer transformar-se num resort de luxo de mil milhões de euros para reformados ricos
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