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“Há alternativas à bazuca” europeia, mas “são más”. “Não são solução”, diz José Manuel Fernandes

No dia em que arranca o Conselho Europeu, o ECO desafiou o eurodeputado José Manuel Fernandes, a explicar as consequências de um bloqueio húngaro e polaco ao orçamento europeu.

O Conselho Europeu de quinta e sexta-feira, o último do ano, vai determinar se o pacote de recuperação para fazer face à crise da Covid-19 avança a 27 ou sem os Estados-membros que o estão a bloquear, Hungria e Polónia.

O presidente polaco anunciou quarta-feira que foi alcançado um compromisso “preliminar” com a presidência rotativa alemã do Conselho da UE, que está a conduzir as negociações com Budapeste e Varsóvia. E o primeiro-ministro húngaro garantiu que estão “a centímetros” de chegar a uma solução para evitar o veto ao orçamento plurianual de 2,2 biliões de euros e o fundo de recuperação de 750 mil milhões de euros.

Contudo, Berlim não confirmou e insiste que qualquer acordo tem de ser validado pelos 27, sendo que vários Estados-membros já advertiram que não aceitarão qualquer “enfraquecimento” do mecanismo do Estado de direito.

O ECO desafiou o eurodeputado e coordenador do PPE na Comissão dos Orçamentos, José Manuel Fernandes, a explicar o que está em causa, as consequências de um não acordo e quais alternativas caso não seja possível ultrapassar o bloqueio húngaro e polaco.

1 – O que é o Quadro Financeiro Plurianual (QFP)?

O QFP define os programas e fundos da UE, assim como os seus montantes, por um período de pelo menos cinco anos (art. 312, n.º 1, do TFUE). A estrutura do orçamento, as rubricas e os limites de despesa ficam assim definidos.

2 – O que é necessário para a aprovação do QFP?

O Conselho delibera por unanimidade após aprovação do Parlamento Europeu, que se pronuncia por maioria dos membros que o compõem (art. 312.º, n.º 2, do TFUE).

3 – O que é que acontece se não for aprovado o novo QFP?

Não sendo aprovado o novo QFP, os limites máximos e outras disposições correspondentes ao último ano (2020) são prorrogados até à aprovação do novo QFP (art. 312.º, n.º 4, do TFUE).

A maioria dos regulamentos dos fundos e programas atuais impõe o seu fim a 31 de dezembro de 2020. Acresce que os novos programas não podem entrar em funcionamento. Para além disso, o orçamento de 2021 seria em duodécimos, nos termos do art. 315.º do TFUE.

Tal significa uma enorme limitação. Só os pagamentos diretos aos agricultores, o Mecanismo Interligar a Europa, o ITER, a ajuda humanitária e as despesas de funcionamento e de administração das Instituições Europeias é que poderiam ser assumidos, assim como as despesas da política de coesão já autorizadas.

4 – O que é a decisão sobre os recursos próprios?

Esta decisão fixa, nomeadamente, os tipos de receita do orçamento, o limite máximo dos recursos próprios, o limite máximo dos pagamentos e das autorizações, a chave de distribuição das contribuições nacionais e as compensações (art. 311.º do TFUE).

A proposta que está em cima da mesa do Conselho foi bloqueada pela Hungria e pela Polónia. Esta proposta tem a “novidade” de permitir que a Comissão possa utilizar a garantia do orçamento e ir aos mercados buscar 750 mil milhões de euros para constituir o Fundo de Recuperação.

5 – O que é necessário para aprovar a decisão sobre os recursos próprios?

O Conselho delibera por unanimidade, após consulta ao Parlamento Europeu. A decisão só entra em vigor após a aprovação pelos Estados-Membros, em conformidade com as respetivas normas constitucionais (art. 311.º do TFUE). Tal significa que a maioria dos parlamentos nacionais tem de ratificar esta decisão. Note-se que o Parlamento Europeu emite uma “opinião” não vinculativa sem a qual, no entanto, o Conselho não pode decidir.

6 – O que é que acontece se não for aprovada a decisão sobre os recursos próprios?

A aprovação da decisão sobre os recursos próprios é um processo que normalmente demora entre 1,5 a 2 anos. Tal nunca constituiu um problema, porque a decisão se mantém em vigor até que a nova decisão seja provada e esta aplica-se retroativamente ao início do QFP.

Mas aqui é que reside o problema! É que a decisão que está em vigor não permite à Comissão Europeia ir aos mercados para constituir o Fundo de Recuperação. Só a decisão que foi bloqueada o permite.

7 – Qual é a situação atual?

O Parlamento já deu, em 16 de setembro, a sua opinião relativa à decisão sobre os recursos próprios. O Conselho concorda com esta decisão. Há um acordo político entre o Parlamento e o Conselho desde 10 de novembro quanto ao QFP. Há também um acordo político quanto ao orçamento de 2021, desde dia 4 de dezembro.

8 – Mas então qual a razão do bloqueio?

A razão do bloqueio chama-se Regulamento sobre o Estado de Direito para o qual também há um acordo entre o Conselho e o Parlamento! Mas este Regulamento implica “apenas” maioria qualificada do lado do Conselho e maioria absoluta do Parlamento. Acontece que a Hungria e a Polónia estão contra este regulamento e usam a unanimidade que é necessária na decisão sobre os recursos próprios para bloquear todo o processo. Este Regulamento sobre o Estado de Direito é juridicamente independente dos outros elementos do Pacote (QFP e decisão sobre os recursos próprios). Pode entrar em vigor a qualquer momento e aplicar-se a qualquer QFP, programa ou orçamento em vigor. Na prática, porém, apesar do acordo provisório e da exigência de votação por maioria qualificada, o Conselho liga a sua aprovação ao resto do Pacote.

9 – Pode aprovar-se o QFP e não se aprovar a decisão sobre os recursos próprios?

Pode! Mas o QFP 2021/2027 tem cortes que são escondidos pelo Fundo de Recuperação. Sem a aprovação da decisão sobre recursos próprios não haverá Fundo de Recuperação. O QFP 2021/2027 é aceite no pressuposto de que existe um Fundo de Recuperação de 750 mil milhões de euros.

10 – Pode constituir-se um Fundo de Recuperação sem a Hungria e a Polónia?

Pode. No entanto, não poderia ser utilizada a garantia do orçamento da UE, uma vez que a atual decisão sobre os recursos próprios não permite. O Fundo de Recuperação teria de ser constituído através de garantias dos orçamentos nacionais. Seria parecido com o SURE e puramente intergovernamental. Recordo que 360 mil milhões de euros do Fundo de Recuperação são empréstimos cujo pagamento, de juros e amortizações, é assumido por cada Estado-Membro na proporção do montante que recebe.

Mas há 390 mil milhões de euros que são subvenções e cujos juros e amortizações são pagos pelo orçamento da UE. Este montante não conta para a dívida pública de cada Estado-Membro. Num “esquema” intergovernamental, tudo contaria para a dívida pública. Para manter a solidariedade nas subvenções ia-se usar, para cada Estado, a mesma chave de contribuição do orçamento? Isso não seria visto como transferências diretas entre orçamentos nacionais?

Há alternativas à bazuca. Mas, porque são más, não são solução. Por isso, espero que o Conselho resolva o impasse que existe. Não é aceitável a chantagem que a Hungria e a Polónia estão a fazer. O Estado de direito não é uma opção. É uma obrigação.

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