IUC nos carros velhos pode aumentar em mais de 1000% nos próximos anos

O agravamento do IUC nos veículos a gasóleo anteriores a julho de 2007 pode chegar a 1746%. Nos carros a gasolina, a subida é mais modesta. Porém, o imposto não pode subir mais de 25 euros por ano.

A proposta do Orçamento do Estado para 2024 revela um aumento considerável do Imposto Único de Circulação (IUC) para os carros matriculados antes de julho de 2007, sobretudo para os carros a gasóleo. De acordo com contas do ECO, o IUC dos automóveis a gasolina aumentará, em média, 347% e os carros a gasóleo contarão com um aumento médio do imposto de 591%, durante os próximos anos.

Por exemplo, uma carrinha Renault Megane Break 1.5 dCi, a gasóleo, com 1461 centímetros cúbicos e 123 g/km de emissões de CO2, com matrícula antes de 1 de julho de 2007, registará um agravamento de 598% de tributação em IUC. Esta carrinha, que foi um dos veículos mais vendidos em 2007 e que conta ainda com muitos exemplares nas estradas nacionais, passará de um IUC de 22,48 euros em 2023 para 156,82 euros.

Mas há situações em que o aumento do imposto chega a superar os 1000%, como sucede com muitos SUV e jipes. É o caso do Land Rover Discovery 2.7, do Nissan Terrano II 2.7 TDI, do Audi Q7 3.0 TDI e do Volkswagen Touareg 3.0 TDI que deixarão de pagar 70,5 euros de IUC em 2023 para passarem a desembolsar 776,56 euros, cerca de 11 vezes mais. Contudo, é importante notar que o acréscimo do imposto nos carros antigos não se repercute na sua totalidade já em 2024.

A proposta do Governo introduz um “travão” que limita a subida do IUC a 25 euros por ano face ao valor pago no ano anterior. Assim, no caso da Renault Megane Break 1.5 dCi, só em 2029 é que o valor máximo do novo IUC a pagar se irá refletir na sua totalidade no orçamento do seu dono e, no caso do Land Rover Discovery 2.7, isso só acontecerá em 2051.

Para o ministro das Finanças, a atualização do IUC dos carros antigos prende-se com uma situação de equilíbrio fiscal. “A situação hoje é injusta relativamente à tributação que existe sobre os automóveis mais recentes”, referiu Fernando Medina à saída do Conselho para as Questões Económicas e Financeiras (Ecofin), no Luxemburgo, esta terça-feira. “Os automóveis mais poluentes estão neste momento a pagar cerca de um quarto do que pagam os automóveis mais recentes”, explicou o governante.

O argumento do Governo e do titular da pasta das Finanças ganha respaldo quando se observa que um automóvel com as mesmas características que a Renault Megane Break 1.5 dCi, mas com matrícula de 2023, por exemplo, paga atualmente um IUC de 154,12 euros, quase sete vezes mais que o mesmo carro com matrícula anterior a julho de 2007. Mas as contas não podem ficar por aqui quando se fala de “equilíbrio fiscal” porque, se hoje os titulares de automóveis com matrícula antes de julho de 2007 estão a ser beneficiados em sede de IUC, isso acontece porque, no passado, foram fortemente penalizados na compra com o pagamento do anterior Imposto Automóvel (IA) – que entretanto foi revisto para Imposto sobre Veículos (ISV).

Aquando da reforma global da tributação automóvel, realizada a 29 de junho de 2007, foi aprovado o Código do ISV, que substituiu o Imposto Automóvel (IA), e foi também aprovado o Código do IUC, que substituiu o chamado “Imposto de Selo”, que era composto por três impostos: Imposto Municipal sobre Veículos (IMV), Imposto de Circulação (ICi) e Imposto de Camionagem (ICa), quando aplicável.

Para os cofres do Estado, a revisão do IUC sobre somente os automóveis ligeiros irá traduzir-se, só até ao final da atual legislatura (2026), num encaixe acumulado de cerca de 450 milhões de euros.

Esta alteração provocou mudanças significativas no mercado automóvel. Para se ter uma ideia, no espaço de 24 horas (entre 30 de junho e 1 de julho de 2007), o preço dos carros baixou, em média, 1,9% por conta desta revisão tributária. Isto aconteceu porque, com a introdução do ISV, o imposto a pagar na compra (antigo IA) baixou consideravelmente por “troca” de um aumento do IUC (em comparação com o valor que era pago pelo “Imposto de Selo”).

Ou seja, se, em 2007, uma Renault Megane Break 1.5 dCi com matrícula de 30 de junho de 2007 pagava um “Imposto de Selo” (desde então reclassificado como IUC) de 16,21 euros e a mesma carrinha, mas matriculada um dia depois, a 1 de julho de 2007, pagava um IUC de 125 euros (7,7 vezes mais), a dinâmica inverte-se em matéria de ISV: enquanto este automóvel comprado a 30 de junho teve de pagar um IA (hoje ISV) de 5.166 euros, o mesmo carro, mas matriculado a 1 de julho, pagou 3.758 euros de ISV, menos 27%.

Isto significa que os carros com matrícula anterior a julho de 2007 pagam hoje menos IUC (como também pagaram menos IUC nos últimos 16 anos) porque pagaram mais impostos no momento da sua aquisição. No entanto, juntando os dois impostos — o da compra (ISV) e o da utilização (IUC) –, verifica-se que, de uma forma geral, os carros comprados antes de julho de 2007 apresentam até ao dia de hoje uma carga fiscal global menor do que os carros comprados após essa data.

A revisão do IUC é muito mais do que uma receita fiscal instantânea, que entra nas contas do Estado num só ano. É uma espécie de avença anual que, nos carros a gasolina, irá estender-se, em média, por cerca de 9 anos e nos carros a gasóleo por quase 12 anos.

Porém, é também claro que a atualização do IUC para os carros mais antigos, como é proposto pelo Governo, não irá corrigir este desequilíbrio, mas apenas minguar, no imediato, a diferença fiscal em sede de IUC entre os carros comprados antes e após julho de 2007, segundo cálculos do ECO.

O desequilíbrio fiscal global até tenderá a aumentar em alguns modelos, particularmente nos veículos a gasóleo, a partir do momento que o IUC dos carros mais antigos atinja o valor máximo, após os aumentos progressivos de 25 euros previstos pela proposta do Orçamento de Estado para 2024.

De salientar que os carros elétricos e os automóveis clássicos, com matrícula anterior a 1981, vão continuar isentos de IUC.

Fonte adicional de receita progressiva para a próxima década

Na proposta do Orçamento de Estado para 2024, o Governo revela que, em 2022, o parque automóvel contava com 6 milhões de veículos ligeiros de passageiros e que, “aproximadamente, metade são veículos com matrícula anterior a julho de 2007”. Em concreto, são cerca de 3 milhões de automóveis e 500 mil motociclos.

Tomando por base estes números, somente com o aumento máximo de 25 euros do IUC dos veículos de passageiros com matrícula anterior a julho de 2007, os cofres do Estado arrecadarão 75 milhões de euros adicionais de IUC só no próximo ano. No entanto, esta receita não se fica por aqui, porque ela é progressiva e capitalizada anualmente, além de também abranger os motociclos.

Por exemplo, no caso do dono do “nosso” Renault Megane Break 1.5 dCi matriculado a 30 de junho, o efeito progressivo anual de 25 euros de acrescento do imposto decorrerá até 2029, altura em que atinge o “novo valor” de 156,82 euros. Isto significa que, nos próximos seis anos, o Estado receberá mais 509 euros de IUC com este veículo, além da atualização destes valores à taxa de inflação, como normalmente acontece.

Assim, olhando para o parque automóvel atual, em que o Governo estima que seja constituído por 3 milhões de veículos de passageiros, a revisão do IUC sobre apenas os automóveis ligeiros irá traduzir-se, só até ao final da atual legislatura (2026), num encaixe acumulado de cerca de 450 milhões de euros: 75 milhões em 2024, 150 milhões em 2025 e 225 milhões em 2026.

A revisão do IUC é, por isso, muito mais do que uma receita fiscal instantânea, que entra nas contas do Estado num só ano. É uma espécie de avença anual que, nos carros a gasolina irá estender-se, em média, por cerca de 9 anos e nos carros a gasóleo por quase 12 anos, segundo cálculos do ECO, desde que os veículos se mantenham em circulação.

Fim das “borlas” fiscais nos carros antigos importados

Além de aproximar o IUC dos carros mais velhos ao do que é devido pelos veículos mais novos, a revisão do imposto proposta pelo Governo tem também o efeito de penalizar a importação de carros com matrícula anterior a julho de 2007.

“Quando assistimos a um parque automóvel relativamente envelhecido, quando assistimos, por esta via, a uma diferenciação fiscal à chegada de veículos de outros Estados-membros da União Europeia mais envelhecidos e sem serem tributados por essa poluição ambiental, temos de tomar medidas no sentido de proteger o futuro do país do ponto de vista ambiental”, argumentou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Nuno Santos Félix, numa conferência realizada em conjunto pelo Jornal Económico e pela EY.

Não se conhece o volume de automóveis com matrícula anterior a julho de 2007 que são importados e homologados pelo IMT para efeitos de atribuição de matrícula nacional, mas o Governo acredita que o seu peso no conjunto dos veículos em circulação é bastante significativo.

Dados da Associação Automóvel de Portugal (ACAP) mostram que, no ano passado, 40% dos novos carros em Portugal eram veículos usados importados da União Europeia, ainda que nestas estatísticas estejam não só viaturas anteriores a julho de 2007 como mais recentes.

Em 20 anos, de 2000 para 2022, a idade média dos veículos quase duplicou, de sete para 13 anos, indicam ainda as estatísticas da ACAP. No ano passado, encontravam-se a circular em Portugal cerca de 1,5 milhões de automóveis com mais de 20 anos, de acordo com a mesma associação.

Imposto ajuda a compensar custo com descontos nas portagens e incentivo ao abate

A reforma ambiental do IUC visa forçar o rejuvenescimento do parque automóvel nacional, travando também a importação de carros antigos usados, mas não só. Esta medida conjuga-se com outras duas:

  • Redução em 30% do preço das portagens de seis ex-SCUT (sem custos para o utilizador) do Interior e Algarve, que vai custar 72,4 milhões de euros;
  • Um novo programa de incentivo ao abate de veículos antigos e compra de novos, orçado em 129 milhões de euros.

A receita fiscal gerada com o agravamento do IUC irá compensar o custo com os descontos nas portagens e a despesa com o incentivo ao abate de veículos, ainda que os 84 milhões gerados pelo aumento do imposto (cobrado sobre automóveis e motociclos) fique bastante aquém da despesa de 201,4 milhões de euros das outras duas iniciativas. Ou seja, a receita adicional da reforma do IUC paga apenas 41,7% da redução das portagens e do incentivo ao abate.

O último incentivo ao abate de veículos realizou-se em 2017. O Governo tinha prometido retomar o programa há um ano, no Orçamento do Estado para 2023. Continuamente adiado, o regime volta agora na proposta de Orçamento de Estado para 2024. O incentivo é direcionado a todos os automóveis ligeiros de passageiros e comerciais matriculados até 30 de junho de 2007, os mesmos que vão agora sofrer um agravamento do IUC.

Tal como acontecia anteriormente, a entrega de um veículo para abate dará direito à atribuição de um determinado valor, que deverá ser utilizado na aquisição de um carro novo e menos poluente.

Está previsto o abate de cerca de 45 mil veículos em 2024, o que dá um benefício médio de 2.867 euros por cada veículo. No entanto, ainda não há dados concretos sobre o valor ou a forma como este cheque será atribuído.

A proposta do Orçamento de Estado para 2024 refere que o incentivo terá de ser utilizado na aquisição de um veículo novo com baixas emissões (ainda por quantificar) ou de um automóvel usado com no máximo quatro anos de idade e com zero emissões.

Se o objetivo não for a compra de um automóvel, o valor do incentivo poderá ser usado para adquirir bicicletas de carga ou como “depósito em Cartão da Mobilidade (para aquisição de serviços de transporte público e mobilidade partilhada)”, de acordo com a proposta do Orçamento do Estado para o próximo ano.

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