Nos últimos seis anos entraram no mercado menos de 100 mil novas casas

Entre 2017 e 2022, o parque habitacional nos 308 concelhos do país cresceu apenas 0,29% por ano. Não há muito tempo, construía-se em Portugal num ano mais casas do que foi construído nos últimos seis.

Nos últimos seis anos, construiu-se muito poucas casas em Portugal. De acordo com cálculos do ECO, com base em dados da Autoridade Tributária (AT), entre 2017 e 2022, o parque habitacional viu nascer, em média por ano, pouco mais de 18 mil casas. Significa que, neste período, o mercado teve um aumento inferior a 100 mil casas.

Esta dinâmica suporta a ideia da baixa oferta de casas no mercado que tem sido apontada por vários promotores e outros especialistas em habitação ouvidos pelo ECO, notando que não há muito tempo construíam-se mais casas num ano do que no total dos últimos seis.

Os últimos dados da AT apontam para a existência de cerca de 6,4 milhões de prédios (apartamentos e prédios em propriedade total) inscritos na matriz predial urbana com afetação habitação nos 308 municípios de Portugal em 2022. Trata-se pouco mais de 92,7 mil casas face a 2017, como resultado de um ritmo de crescimento anual médio do parque habitacional de apenas 0,29%

“O volume de construção ficou muito aquém das necessidades da procura em Portugal”, sublinha Joaquim Montezuma de Carvalho, professor convidado do ISEG na área de Finanças Imobiliárias e sócio-gerente da ImoEconometrics, acrescentando que “no ano de 2005, por exemplo, produziram-se cerca de 92 mil fogos, um valor idêntico ao acréscimo de prédios de habitação entre 2017 e 2022″.

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Também Hugo de Almeida Vilares, professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, considera que as cerca de 92,7 mil casas de criação de habitação líquida “preocupante”. “No início dos anos 2000 tínhamos aumentos anuais do parque habitacional do país entre 100 mil a 120 mil casas por ano, altura em que projetos como a Alta de Lisboa, Telheiras, Parque das Nações ganharam fôlego e forma”, recorda o docente.

Este grau de comparação permite que Hugo de Almeida Vilares conclua que, desde o início do milénio, que “assistimos a uma quebra muito substancial da oferta de novas habitações e hoje produzimos em seis anos o que já fomos capazes de produzir em um ano.”

Os promotores acompanham estes alertas. Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), diz ao ECO que não tem dúvidas de que a falta de oferta é uma das causas da crise no acesso à habitação. “A nova oferta cresceu menos de 1% no mercado”.

O volume de construção ficou muito aquém das necessidades da procura em Portugal (…) No ano de 2005, por exemplo, produziram-se cerca de 92 mil fogos, um valor idêntico ao acréscimo de prédios de habitação entre 2017 e 2022.

Joaquim Montezuma

Professor do ISEG e sócio-gerente da ImoEconometrics

Além disso, Hugo Santos Ferreira declara que não vê, de futuro, solução para o problema tendo em conta que “na última década construímos menos 15% que na anterior e, em 2022, construímos apenas um terço daquilo que construímos em 2008, o ano do início da crise financeira”. No ano passado, segundo dados da AT, o parque habitacional do país aumentou 30,7 mil casas, um crescimento de 0,48% face a 2021.

De acordo com o estudo da APPII e da Confidencial Imobiliário, “no ano passado houve uma redução em 50% do número de novos empreendimentos e de novos fogos” refere Hugo Santos Ferreira. O presidente da APPII sublinha que, se no primeiro semestre de 2022 o país contava com 185 novos empreendimentos com 8.200 fogos, no primeiro semestre de 2023 “baixámos em 50% a oferta para 4.700 fogos e 120 novos empreendimentos”, com o agravamento de que “sabemos que no primeiro semestre deste ano, metade das casas novas já foram absorvidas. Ou seja, “51% das 4.700 casas já não estão no mercado”, fazendo assim subir ainda mais os preços.

No entanto, é importante salientar que a queda da construção de alojamentos residenciais não é uma tendência nova. Se na última década, terminada em 2021, construiu-se apenas 3,1% do parque habitacional existente, na década anterior, terminada em 2011, construiu-se 14,4% do total de casas existentes no país, revelam os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).

Além disso, Joaquim Montezuma de Carvalho nota também que “estamos a começar a assistir a uma mudança desta situação em alguns concelhos”, sobretudo na zona de Lisboa onde “estamos a observar um crescendo da construção de novos fogos” e em julho 2023, “tivemos já valores próximos da produção mensal anterior a 2007”.

Uma parte significativa do parque habitacional dos municípios do interior que nos últimos seis anos registaram uma perda de imóveis é feita de casas devolutas a necessitar de intervenção.

Desertificação do interior espelhada no mercado imobiliário

O reduzido ritmo de crescimento do parque habitacional nacional nos últimos seis anos é praticamente transversal a todo o território. Porém, é particularmente severo em 51 concelhos (todos no interior) que registaram uma contração do seu mercado de habitação, por conta de um volume de construção ou de reabilitação de casas inferior ao número de demolições de imóveis realizados neste período.

É o caso do Fundão, onde o parque habitacional minguou 0,57% por ano entre 2017 e 2022, contabilizando no final do ano passado menos 619 alojamentos residenciais do que em 2017. O mesmo comportamento foi observado no município de Trancoso, no distrito da Guarda, que, nos últimos seis anos, registou uma perda de 589 na oferta de casas, como resultado de uma queda média anual de 1,27% do seu parque habitacional.

A perda de casas nos concelhos do interior “é um processo complicado” sendo que desde “há muito anos que vários concelhos do interior do país estão a perder oferta habitacional, num processo contínuo”, salienta Hugo de Almeida Vilares. Porém, o professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto alerta para que o parque habitacional nestes concelhos possa cair ainda mais porque, “as autoridades consideram muitos imóveis como habitação, quando há uma percentagem que há muito não tem as mínimas condições de habitabilidade, e algumas que de facto nunca tiveram”, refere o professor.

Para Hugo Santos Ferreira, a pouca construção que tem ocorrido no interior do país espelha o pouco interesse dos investidores imobiliários. Para que essa realidade mude, o presidente da APPII acredita que será preciso corrigir “uma grande falha” das autarquias que, salvo “algumas exceções”, “não procuram cativar novos investidores, novos residentes, novos turistas, novos projetos hoteleiros, novos projetos residenciais, destaca Hugo Santos Ferreira.

O líder da APPII refere que “há promotores que querem investir no interior”, mas se as autarquias querem cativar investidores para reabilitar os seus centros, muitos em ruínas, “é necessário uma discriminação positiva do investimento, que passa por uma ‘via verde’ no licenciamento ou pela concessão de benefícios fiscais” aos investidores. E “isso não está a ser feito, não está a chegar aos investidores imobiliários”, remata Hugo Santos Ferreira.

Em proporção, no Porto constrói-se cerca de 3,5 vezes mais do que em Lisboa (…), o que tem contribuído para atenuar mais a crise habitacional na Área Metropolitana do Porto, num fenómeno que em Lisboa até pode ser agravado pela sua maior atratividade para estrangeiros e turistas.

Hugo de Almeida Vilares

Professor da Universidade do Porto

Vizela foi o concelho que mais cresceu

De acordo com os dados da AT analisados pelo ECO, entre os 308 municípios do país, os que contam com o maior número de casas, sem surpresas, estão nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, com a capital a somar 343,5 mil casas, quase o dobro de Sintra — o segundo concelho com o maior parque habitacional –, onde existem 187,7 mil casas. O Porto surge na quarta posição, pouco abaixo de Vila Nova de Gaia, com 148,2 mil casas.

Todavia, nos últimos seis anos, o top dez dos municípios que mais aumentaram o seu parque habitacional é dominado por municípios da região norte. É disso exemplo Vizela, o concelho que, em termos proporcionais, mais cresceu no número de casas. Neste município do distrito de Braga, em 2022 foram sinalizadas mais 603 casas face a 2017, passando de um universo de 9.688 habitações para 10.291, como resultado de um crescimento médio anual de 1,21%, cerca de 4,1 vezes mais que a média nacional.

Destaca-se ainda na terceira posição o município de Lousada, no distrito do Porto, onde o número de casas subiu 0,78% por ano com mais 758 casas, passando de 19.242 para 20 mil habitações. “São concelhos que não tinham praticamente oferta e, naturalmente, o crescimento é mais expressivo. Não há nenhum interesse especial por essas regiões”, disse ao ECO Hugo Santos Ferreira.

Na segunda posição surge o concelho do Porto, que conta hoje com mais 7.861 casas que em 2017, como resultado de um crescimento médio anual de 1,1% do parque habitacional, quase quatro vezes mais que o crescimento registado em Lisboa (0,29% por ano) e com a média do país neste período.

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“Em proporção, no Porto constrói-se cerca de 3,5 vezes mais do que em Lisboa”, refere Hugo de Almeida Vilares, que sublinha ainda que isso “tem contribuído para atenuar mais a crise habitacional na Área Metropolitana do Porto, num fenómeno que em Lisboa até pode ser agravado pela sua maior atratividade para estrangeiros e turistas”.

Isto acontece por várias razões. Desde logo, aponta o professor da Universidade do Porto, o preço dos terrenos em Lisboa é mais elevado e a demora nos licenciamentos afasta o investimento da capital, com a Invicta a estar entre os “municípios que são muito mais eficientes a conseguir analisar e despachar processos que outros, o que implica custos e pode levar projetos a serem abandonados”.

Também o presidente da APPII frisa ao ECO que o Porto, “além de ser a segunda cidade do país e portanto a seguir a Lisboa é o grande destino de investimento dos investidores internacionais, tem tido um ponto que é de realçar, que é politico, que é a questão do licenciamento”. Em média, em Lisboa, “o caos no licenciamento ainda é evidente”, refere Hugo Santos Ferreira, exemplificando que um processo de licenciamento demora entre “três a cinco anos”. Já no Porto, o prazo é “entre um ano e meio a dois anos”, diz.

E, de acordo com as contas dos promotores, “cada ano a mais de atraso no licenciamento para lá de um ano, portanto no segundo ano, no terceiro, no quarto ou no quinto, por aí fora, custa mais 500 euros no metro quadrado da casa” que vai chegar ao mercado. Num T2, por exemplo, “podemos estar a falar de mais 100 mil euros que essa casa vai custar para um português da classe média, o que quer dizer que já não pode comprar esta casa”, alerta Hugo Santos Ferreira.

Mas há outras razões para que exista mais construção de habitação no Porto que em Lisboa. Hugo de Almeida Vilares aponta ainda “os custos de construção, em particular a disponibilidade de mão-de-obra”, que, “tem diferenças regionais” e “parecem beneficiar a região Norte”.

Madrid tem em pipeline para os próximos três anos 25 mil casas em build to rent. E desses 25 mil imóveis, 6 mil casas estão a ser construídas para o mercado de arrendamento acessível. Está em construção. Não é imaginação. Em Portugal há zero.

Hugo Santos-Ferreira

Presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII)

Problema europeu

A falta de oferta de habitação está longe de ser um problema exclusivo de Portugal. Os últimos números do Eurostat revelam que se verificou “uma quebra muito significativa na Europa” sendo que as principais causas desta quebra “são transversais aos diferentes países”, aponta Montezuma de Carvalho que diz que, em média, “a construção de fogos na União Europeia em 2020 representou apenas 28% dos fogos construídos em 2007. Em Portugal essa percentagem foi de 25%”.

Uma leitura que é acompanhada por Hugo de Almeida Vilares, que alerta que Portugal regista “uma quebra de oferta muito mais acentuada que a média da Zona Euro” com os Estados-membros “a produzir cerca de um terço do que o que fazia até à crise financeira, enquanto em Portugal estamos entre um quinto e um sexto”.

A quebra na construção tem vindo a acentuar-se desde 2008, desde a “redução de endividamento do setor da construção”, com a banca a subir o nível de exigência para acesso ao crédito, “na sequência de algumas bolhas imobiliárias em alguns países europeus, como em Espanha em 2013”, diz ainda Hugo Almeida Vilares. E a dificuldade de acesso ao crédito e acompanhada por uma “adoção de regras urbanísticas mais restritivas ou exigências dispendiosas tornando-se mais difícil construir”.

Tudo isto atirou “muitos países para uma situação complicada de falta de oferta” sobretudo num contexto “de crescimento da procura” com “as baixas taxas de juro a estimularam a procura de habitações” durante anos.

Também os promotores reconhecem o “problema em toda a Europa de uma forma quase generalizada” mas salientam “um claro afastamento do investimento imobiliário internacional” de Portugal, sobretudo “no segmento residencial”. O presidente da APPII dá o exemplo de Espanha, onde há uma aposta no mercado build to rent — construir para arrendar. “Madrid tem em pipeline pipeline para os próximos três anos 25 mil casas em build to rent. E desses 25 mil imóveis, há 6 mil casas que estão a ser construídas para o mercado de arrendamento acessível. Está em construção. Não é imaginação. Em Portugal há zero”, remata Hugo Santos Ferreira.

O representante dos promotores lembra que o mercado build to rent “é uma das maiores dinâmicas de investimento da Europa e movimenta biliões de euros”, lamentando que, em Portugal, não exista essa aposta. “Nos últimos dois anos, tive largas dezenas de reuniões com investidores americanos, ingleses, espanhóis e dos países do middle east, que querem entrar nesse segmento, mas o problema é quando conhecem a dura realidade portuguesa desistem”, vinca o presidente da APPII que aponta a “falta de estabilidade política, a demora nos licenciamentos” ou “o ataque hostil a tudo o que é proprietário”, como motivos que afastam os investidores internacionais.

  • Ana Petronilho
  • Jornalista

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