Governo não mexe nas regras dos vistos 'gold', mas quer alargar prazo mínimo de residência para acesso a nacionalidade, o que está a preocupar investidores e poderá por em causa "injeções" no país.
A incerteza gerada pelas novas regras para a entrada de imigrantes e obtenção de nacionalidade está a causar preocupação junto dos detentores de vistos gold e dos fundos de investimento, que tinham neste mecanismo uma fonte de capital para injetar na economia portuguesa. Há quem antecipe uma “quebra muito significativa” do investimento por esta via, levando à “irrelevância” dos vistos gold e um dano reputacional para o país com este ziguezague. Esta sexta-feira as propostas do Governo vão à discussão no Parlamento.
Depois do anúncio do Governo após uma reunião de Conselho de Ministros, não têm faltado pedidos de esclarecimento dos investidores via vistos gold.
“Temos recebido diversos pedidos de esclarecimento por parte de potenciais investidores, especialmente em função das recentes alterações legislativas e da incerteza gerada pelas mudanças no enquadramento político e pelas posições das autoridades competentes”, adianta Luís Gutman. “Procuram entender melhor quais são, atualmente, as vias ainda elegíveis para o visto gold, bem como o impacto prático das novas regras sobre os seus planos de investimento”, diz o CEO da OW Ventures, capital de risco que arrancou em novembro passado com o Terralis Fund, focado em tecnologias para a sustentabilidade, com o objetivo de investir 20 milhões de euros em oito anos, com parte desse capital a vir de investidores gold visa.
A preocupação que também tem chegado junto da AGPC Investments. “Desde que anunciaram as novas potenciais alterações, essencialmente relacionadas com a lei da nacionalidade, sentimos um impacto imediato no pedido de esclarecimentos e da necessidade de novos investidores saberem quais serão as futuras regras“, admite Catarina Almeida Garrett. Com resultados imediatos. “Alguns novos processos ficaram, naturalmente, em pausa até se perceber qual o cenário final. Outros clientes já manifestaram a vontade de continuar o processo. Creio que o principal desafio neste caso são os investidores poderem saber com o que podem contar a médio e longo prazo e que o Estado cumpra com a sua parte”, diz a cofundadora da AGPC.
Temos recebido diversos pedidos de esclarecimento por parte de potenciais investidores, especialmente em função das recentes alterações legislativas e da incerteza gerada pelas mudanças no enquadramento político e pelas posições das autoridades competentes. (…) Procuram entender melhor quais são, atualmente, as vias ainda elegíveis para o visto gold, bem como o impacto prático das novas regras sobre os seus planos de investimento.
E esta incerteza pode afastar potenciais investidores e até ter um impacto reputacional para o país. “As sucessivas alterações legislativas introduzidas nos últimos anos têm sempre consequências na estabilidade e na previsibilidade que investidores e pessoas altamente qualificadas procuram, quando decidem considerar Portugal como país para viver e de destino dos seus investimentos”, começa por referir Lurdes Gramaxo.
“A reputação de Portugal, enquanto um país que mantém os seus compromissos, é um ativo demasiado valioso e que deve ser preservado“, alerta a presidente da Investors Portugal. “Só a possibilidade de a aplicação da nova legislação ter efeitos retroativos tem levantado a maior preocupação aos atuais detentores de vistos gold e/ou aos profissionais altamente qualificados, especialmente no aspeto relacionado com o alargamento do prazo de cinco para dez anos [para a obtenção da nacionalidade], representando um risco reputacional enorme e com consequências nefastas para a imagem do país“, atira a presidente da associação que representa 300 business angels e 26 sociedades de capital de risco com, globalmente, mais de 6 mil milhões de euros de ativos sob gestão.
As sucessivas alterações legislativas introduzidas nos últimos anos têm sempre consequências na estabilidade e na previsibilidade que investidores e pessoas altamente qualificadas procuram.
Sobre a eventual retroatividade da lei, Lurdes Gramaxo atira também: “o Governo deve evitar uma aplicação retroativa da lei, que levaria a uma quebra na confiança dos investidores, assim como não se deveria alterar o prazo de cinco para 10 anos no caso particular dos vistos gold“.
A fazê-lo, avisa a mesma, “esta medida deverá ser acompanhada pela garantia de um processo de obtenção célere e simplificado da autorização de residência temporária. “Se isto não for acautelado, as alterações agora propostas podem levar ao fim da captação de investimento através dos vistos gold“, antecipa.
E não é a única a manifestar esse mesmo receio. “A alteração mais problemática que pode prejudicar estes investidores é voltarem a considerar a contagem do período de residência desde a emissão do cartão, e não desde a submissão da candidatura. Se esta medida avançar, o Estado está a onerar e a prejudicar os investidores da sua própria morosidade e incumprimento de todos os prazos a que está legalmente obrigado a cumprir“, diz Catarina Almeida Garrett.
“A lei obriga a que o investidor execute o investimento antes de submeter a candidatura, ou seja, o pedido de autorização de residência por investimento. O que ele cumpre na íntegra, na expectativa que o Estado também cumpra o que a lei estabelece. É esse o pressuposto”, acrescenta a cofundadora da AGPC.
A alteração mais problemática que pode prejudicar estes investidores é voltarem a considerar a contagem do período de residência desde a emissão do cartão e não desde a submissão da candidatura. Se esta medida avançar, o Estado está a onerar e a prejudicar os investidores da sua própria morosidade e incumprimento de todos os prazos a que está legalmente obrigado a cumprir.
“Os processos devem ser analisados em 90 dias mas, atualmente, estão a demorar mais de dois anos. Para colmatar esta ineficiência, o Governo havia decidido, e bem, que o prazo relativo à residência passaria a contar desde a submissão da candidatura. Revogando-se esta medida, a mensagem que passa é a de um Estado que pede ao investidor que aplique cerca de meio milhão de euros no país, espere mais de dois anos para ver a sua candidatura analisada e só depois da emissão da autorização de residência é que pode ser considerado residente português“, descreve. “Esta abordagem levanta dúvidas quanto à previsibilidade e atratividade do sistema, comprometendo a confiança que deve existir entre o Estado e quem nele decide investir”, sintetiza.
Vasco Pereira Coutinho, da Lince Capital, capital de risco que tem “alguns fundos elegíveis para gold visa“, também alerta para o potencial impacto da incerteza criada.
“Vemos com alguma preocupação as constantes mudanças ao regime de gold visa, que continuamos a acreditar, que é um programa muito importante para atrair investimento estrangeiro para o país”, diz “A estabilidade e clareza são fundamentais para planos de investimento a médio e longo prazo e para colocar Portugal no mapa como solução de investimento seguro e de confiança“, continua o CEO da Lince Capital. “Há um enorme potencial desperdiçado ao não canalizar o investimento destes programas para áreas importantes para o país, essas sim seriam mudanças interessantes a fazer”, declara.
Lurdes Gramaxo faz ainda um outro alerta. “Os investidores dos vistos gold não trazem apenas investimento, são, na maioria dos casos, pessoas muito bem relacionadas, com uma rede de contactos valiosa e que promovem internacionalmente o nosso país“, lembra a presidente da Investors Portugal.
A estabilidade e clareza são fundamentais para planos de investimento a médio e longo prazo e para colocar Portugal no mapa como solução de investimento seguro e de confiança (…) Há um enorme potencial desperdiçado ao não canalizar o investimento destes programas para áreas importantes para o país, essas sim seriam mudanças interessantes a fazer.
Para a obtenção de uma Autorização de Residência para Atividade de Investimento (ARI, vulgo visto gold), o requerente tem de investir entre 250 a 500 mil euros, por exemplo, em atividades de investigação, em fundos de investimento ou na criação de uma entidade comercial.
No ano passado, foram concedidas 2.084 autorizações de residência e 1.903 de reagrupamento familiar, abrangendo um total de 4.987, segundo dados da AIMA, cedidos pelo Ministério da Presidência. O ECO questionou o Governo sobre os pedidos pendentes, mas até ao momento não obteve resposta
Afinal, o que vai mudar na lei?

O Governo entregou na Assembleia da República três propostas relativas à entrada de cidadãos estrangeiros em Portugal. Uma altera a Lei da Nacionalidade, aumentando os prazos de residência mínima. Outra muda a Lei de Estrangeiros, revendo os vistos para procura de trabalho e as regras do reagrupamento familiar. E a terceira prevê a criação de uma polícia de fronteiras.
“As propostas de lei não alteram diretamente o regime dos vistos gold”, sublinha Raquel Brito, associada sénior da Abreu Advogados. “O regime das autorizações de residência para investimento não é diretamente afetado por estas propostas de lei, mantendo-se inalterados os investimentos elegíveis e o respetivo procedimento e requisitos legais”, confirma André Rei, associado sénior da PARES.
“Contudo, introduzem alterações que têm impacto para os titulares ou candidatos ao regime de Autorização de Residência para Atividade de Investimento (ARI)”, realça a associada da Abreu Advogados. E, no mesmo sentido, André Rei, frisa que, considerando que a atratividade do programa em causa “estava diretamente relacionada com a possibilidade de ser alcançada a nacionalidade portuguesa ao fim de cinco anos”, a alteração das regras “afeta inevitavelmente” os investidores.
Considerando que a atratividade do programa português das autorizações de residência para investimento estava diretamente relacionada com a possibilidade de ser alcançada a nacionalidade portuguesa ao fim de cinco anos, a alteração dos pressupostos da naturalização afeta inevitavelmente os investidores e o programa.
Vejamos, então, que alterações à legislação podem ter impacto nos chamados vistos gold. Por um lado, o Governo defende o aumento do prazo de residência mínimo para acesso à nacionalidade por naturalização, dos atuais cinco anos para dez anos (ou sete anos, no caso dos cidadãos vindos de países com língua oficial portuguesa). “Esta alteração aplica-se diretamente aos titulares de vistos gold, uma vez que estes, por definição, são nacionais de países terceiros e beneficiam de uma autorização de residência”, explica a referida associada sénior da Abreu Advogados.
Por outro lado, na proposta que o Governo entregou no Parlamento é clarificado que o tempo de residência legal para efeitos de contagem deste prazo mínimo começa a contar com a emissão efetiva do cartão de residência, e não, como hoje, a partir da data de apresentação do pedido de residência. “Esta mudança é particularmente relevante para os detentores de vistos gold, dado que existe um intervalo significativo — que chega, em alguns casos, a quatro anos —, entre o momento do investimento e o momento da emissão do cartão de residência”, salienta Raquel Brito.
E André Rei acrescenta: “significa que os candidatos aos vistos gold terão de aguardar cerca de 15 anos [dez anos de residência, acrescidos dos cerca dos quatro ano que demoram a obter título de residência] para poderem requerer a nacionalidade portuguesa (cujo prazo de conclusão, por sua vez, ultrapassa atualmente os três anos)”.
Este associado sénior da PARES observa ainda que, durante esta década e meia, estes cidadãos terão de manter os seus investimentos e renovar os títulos de residência a cada dois anos, “com um custo muito mais elevado em comparação com as autorizações de residência tradicionais, sem certeza de que não serão novamente afetados por alterações legais futuras”.
Ainda assim, o Executivo de Luís Montenegro define que os detentores de vistos gold (a par dos profissionais altamente qualificados e dos beneficiários do cartão azul da União Europeia) escaparão às novas restrições que estão a ser preparadas ao nível do reagrupamento familiar.
Esta exclusão [do aperto ao reagrupamento familiar] evidencia a intenção do Governo em manter a atratividade deste programa na captação de investimento estrangeiro qualificado.
“Esta exclusão evidencia a intenção do Governo em manter a atratividade deste programa na captação de investimento estrangeiro qualificado”, entende Rita Correia Nunes, associada da área de imigração e nacionalidade da PAXLEGAL
Nestes casos, será possível pedir o reagrupamento familiar com membros da família “que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem”, coabitando e dependendo do requerente. Em contraste, nos demais casos fica estabelecido que só os cidadãos com autorização de residência válida que residam há, pelo menos, dois anos em Portugal têm direito a pedir o reagrupamento familiar. E estes membros da família têm de se encontrar fora do território nacional (exceto menores).
Quando entram em vigor estas mudanças?

As propostas de lei em causa deram entrada no final de junho no Parlamento, sede onde terão agora de fazer o seu caminho. Para esta sexta-feira, está marcada a discussão (e votação na generalidade), sendo expectável que as propostas baixem, então, à especialidade.
Nesse âmbito, o Governo — sem uma maioria absoluta que o sustente na Assembleia da República — terá de dialogar com os demais partidos, sendo certo que já se ouvem críticas tanto da parte da direita (o Chega, por exemplo, entende que o Governo tem de ir mais longe nalguns pontos), como da esquerda (nomeadamente, no que diz respeito ao reagrupamento parlamentar).
Esta quinta-feira, após um encontro “inconclusivo” entre os socialistas e o Executivo, o secretário-geral do PS, José Luís Carneiro, explicou que tem propostas para “aperfeiçoar” as medidas colocadas em cima da mesa pelo Governo, e desafiou Luís Montenegro a esclarecer com quem dialogar sobre estas matérias.
De resto, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, explicou que a intenção é aplicar estas mudanças apenas aos processos que sejam apresentados após a entrada em vigor destes diplomas (depois de serem fazerem caminho no Parlamento, terão ainda de ter “luz verde” do Presidente da República e só depois seguirão para Diário da República). Mas há uma exceção: no caso das concessões de nacionalidade, as novas regras deverão aplicar-se aos processos iniciados a 19 de junho deste ano.
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Novas regras da nacionalidade ameaçam investimento via vistos ‘gold’
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