Novo Código Laboral: oportunidade ou precariedade?

A nova Lei Laboral trouxe novas regras para as empresas e para os colaboradores. Menos contratos a termo, menos rotatividade, mais taxas e mais tempo experimental. O que diz o setor de RH?

A revisão da Lei Laboral, aprovada a 1 de outubro, veio trazer novas regras relativas ao período experimental, à duração e renovação dos vários tipos de contratos de trabalho, ao banco de horas, às horas de formação e às taxas aplicáveis à rotatividade.

O facto de a duração do período experimental ter duplicado, passando agora a incluir quem procura um primeiro emprego e quem está desempregado há muito tempo, foi apenas um dos pontos que gerou controvérsia e já foi considerada por especialistas como “contraditória”, “inconstitucional”, e até como “dupla discriminação”. Por outro lado, há quem considere que este alargamento dá mais oportunidades aos trabalhadores e ajuda a combater a precariedade. Os representantes de algumas das maiores empresas de recrutamento e recursos humanos no país responderam a algumas destas questões.

Mais limites para os contratos a termo certo e incerto

A duração máxima para os contratos a termo incerto reduziu de seis para quatro anos e, no caso dos contratos a termo certo, a duração máxima reduziu de três para dois anos. Para Rui Brito Henriques, administrador delegado da RHmais, estas medidas são “um regresso à situação pré-troika” e mostram que “se perdeu a oportunidade de clarificar melhor as situações em que a empresa pode promover com mais agilidade a rescisão de contrato”. O problema pode estar na falta de agilidade, acredita o administrador, pois se “a justificação para o rescisão do contrato de trabalho fosse mais ágil, não havia necessidade de haver este tipo de contratos, a termo incerto, a termo certo”, explica.

Para João Maciel, senior manager na Michael Page, a nova Lei Laboral vem “combater a precariedade e, do ponto de vista dos colaboradores, são boas medidas”. “Deixaremos tendencialmente de ter aqueles contratos a termo que poderiam chegar a durar quatro, cinco — e, com as renovações extraordinárias, seis, sete anos. Há uma redução considerável e uma limitação também para as empresas”, defende Leandra Dias, jurista e product owner das soluções de RH da tecnológica Primavera BSS.

“De uma forma forma geral, estas medidas não irão impactar os processos de recrutamento, uma vez que a maior parte dos profissionais que hoje se encontram numa situação de efetividade dificilmente mudarão para contratos a prazo, como já não mudariam no passado”, refere Sandrine Veríssimo, regional diretor da Hays Portugal. “No caso dos contratos a termo, as empresas “poderão considerar mais oportuno fazer um contrato inicial de um ano com os riscos inerentes caso o trabalhador não se enquadre na fase inicial”, admite.

António Costa, senior manager da Robert Walters, considera que há duas formas de olhar para a redução dos contratos de trabalho a termo: por um lado “vai haver mais rotatividade” e, por outro, “não perderam três anos na empresa e têm possibilidade de procurar mais oportunidades de trabalho”, sublinha.

Os contratos a termo só podem ser renovados três vezes, desde que a duração total das renovações não exceda a do período inicial do contrato: por exemplo, se a empresa fizer um contrato inicial de seis meses, só poderá fazer mais uma renovação de seis meses, três renovações de dois meses cada uma, ou duas renovações de três meses. “Os contratos a termo não são coisas negativas como as pessoas os querem ver. É a forma de a empresas, por vezes, terem mais empregados a trabalhar”, lembra Mariana Canto e Castro, diretora de recursos humanos da Randstad. “O contrato de trabalho a prazo é visto sempre por uma perspetiva: as pessoas não têm estabilidade. Mas alguém já se lembrou de perguntar às pessoas qual é o grau de estabilidade que elas querem?”, questiona. Para Mariana Canto e Castro, o limite à duração dos contratos não é mais do que o “adaptar de uma legislação àquilo que tem de ser a flexibilização laboral, que cada vez mais está na ordem do dia”, remata.

Menos contratos de trabalho temporário: um novo desafio para as empresas

Os contratos de trabalho temporário ficam limitados a um máximo de seis renovações e, os contratos de muito curta duração aumentam para 35 dias, abrangendo a partir de agora todos os setores de atividade, além dos setores agrícola e do turismo. “As empresas que recorrem ao trabalho temporário de muito curta duração acabam por ser as mais afetadas”, acredita Sandrine Veríssimo. Esta medida contribui para o combate à precariedade, uma vez que os limites temporais globais permanecem intactos”. Para Jorge Pires, porta-voz da Associação Portuguesa de Contact Centers (APCC), o máximo de seis renovações nos contratos de trabalho temporário “faz com que nunca consigamos chegar aos dois anos, a menos que se faça um contrato inicial de um ano”, por isso as empresas “não vão poder renovar contratos a termo com a mesma amplitude”. Para o representante, a limitação à duração dos contratos de trabalho não fez “soar trompetas de alarme” mas traz “alguma dificuldade naquilo que era o funcionamento normal nestas operações”.

“Dentro do regime do contrato de trabalho temporário há muitas coisas que precisam de ser adaptadas à realidade”, lembra a diretora de RH da Randstad”. “O facto de a pessoa entrar com um contrato de trabalho a termo ou com um contrato de trabalho temporário, não quer dizer que não venha depois a ser transformado em trabalhador efetivo na empresa”. Para Rui Brito Henriques, da RHmais, “as empresas têm de adaptar-se rapidamente, com planeamento e recursos”.

Meio ano à experiência

O período experimental aumenta de 90 para 180 dias e passa a abranger os trabalhadores à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração. Para Rui Brito Henriques, da RHMais, estes dois grupos representam os casos “em que as empresas teriam mais dúvidas e maior necessidade de avaliação”. Por outro lado, defende João Maciel Michael Page, “é metade de um ano, um período mais extenso que dá a possibilidade ao próprio trabalhador de integrar a empresa e conseguir, em 180 dias, demonstrar trabalho e acima de tudo tentar que a sua contratação se efetive.”

“O alargamento do período experimental irá permitir ao empregador ter um maior período de reflexão em caso de dúvidas. Acho que a perceção dos jovens que entram pela primeira vez no mercado de trabalho não será significativamente abalada, uma vez que se trata de uma geração mais preparada para a volatilidade dos mercados”, aponta Sandrine, da Hays. “Os recrutadores terão de ter uma maior consciência do tipo de contrato que deverão fazer. Caso pretendam um profissional com perspetivas de continuidade, talvez o mais aconselhável seja um contrato a termo incerto, que contempla o período experimental para reflexão”, reforça.

O aumento do tempo experimental, entre outras soluções, não conseguiram reunir consenso no parlamento e motivaram um pedido de fiscalização sucessiva no Tribunal Constitucional pelos partidos de Esquerda (BE, PCP e PEV). Na Europa, há 12 países onde o período experimental é de 180 dias, por isso Portugal parece não afastar-se assim tanto da realidade europeia. Na Grécia e na Irlanda, por exemplo, o período experimental é de um ano, durante o qual os trabalhadores podem ser dispensados sem ter direito a compensações.

Mais horas de formação, menos rotatividade e fim do banco de horas individual

A nova Lei Laboral prevê o aumento de 35 para o mínimo de 40 horas de formação por ano. “A passagem para as 40 horas não me parece minimamente complicada em termos de gestão e acho que é extremamente enriquecedor para os trabalhadores enquanto trabalhadores, pois é a forma de ganharem mais conhecimento”, afirma a responsável de RH da Randstad.

A partir de 2021, as empresas que celebrem mais contratos a prazo do que a média do setor em que se inserem passam a pagar uma taxa contributiva para a Segurança Social. “A rotatividade coloca uma pressão maior nas empresas para contratar bem à primeira. Vão ter de definir melhor aquele perfil que pretendem, e ao selecionarem uma pessoa que se espera que vá ficar em definitivo”, defende a jurista Leandra Dias.

O banco de horas grupal pode ser aplicado a toda a equipa, desde que seja aprovado em referendo por 65% dos trabalhadores. Rui Brito Henriques, da RHmais, considera que esta medida terá grande impacto no setor “imprevisível” dos contact centers e teme que “venha aumentar os custos laborais extraordinários”. “Vai trazer uma maior responsabilidade às organizações, que não podem ficar a contar que esse direito termine e serão obrigados a pensar numa formação que permita ter colaboradores mais capazes, mais produtivos e mais competitivos”, acrescenta a jurista.

Mais leis, mais fiscalização

“Cada vez mais o mercado laboral é imprevisível, inconstante, flexível, e enquanto o código de trabalho não for capaz de dar resposta a esta flexibilidade vai haver sempre um desajuste entre a lei e a realidade”, acredita Mariana Canto e Castro. “Um trabalhador que sabe que consegue gerir as condicionantes da sua vida pessoal com flexibilidade está mais disponível para dar tudo aquilo que pode no seu emprego, porque sabe que a sua entidade empregadora também lhe dá tudo aquilo que pode”, frisa.

“Isto não pode ser o barómetro que determina se a empresa tem práticas laborais corretas ou incorretas, porque há empresas que têm os trabalhadores todos como efetivos e que têm práticas laborais completamente ilegais. O bom cumprimento da lei deve ser transversal”, alerta Mariana Canto e Castro, da Randstad. “É precisa uma análise mais profunda na tentativa de integrar a leis sem contradições”, acrescenta. “As empresas terão de perceber que não vão poder contratar a termo sem consequências”, remata a jurista Leandra Dias.

A nova Lei Laboral parece não antecipar mudanças significativas nos processos de recrutamento e retenção, mas os desafios do mercado laboral vão exigir especial atenção ao cumprimento das leis, principalmente, aos recursos humanos dentro das empresas.

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